Chinelos de enfiar no dedo, páreos, biquínis e fatos de banho. Foi a esta moda que o Brasil nos habituou, pela vocação natural para os cortes mais reveladores, pela inspiração tropical, pelo perfeito conhecimento dos materiais e métodos de estampagem e porque, resumindo, a faz como nenhum outro país do mundo. Marcas como Havaianas, Cia. Marítima e Lenny Niemeyer já conquistaram meio mundo, está agora na hora de abrir caminho para o resto, sobretudo porque, hoje, a moda brasileira não é coisa que se enterre na areia. Entre nomes consolidados e outros emergentes, há marcas a dar provas de versatilidade e sofisticação. Dez delas viajam agora até Lisboa para uma loja temporária que pode ser visitada até dia 12 de novembro.

O palco é a Casa Pau-Brasil, um espaço que abriu em abril, no Príncipe Real. A missão continua a ser a do primeiro dia: trazer marcas e designers brasileiros menos conhecidos em Portugal e na Europa e dá-los a conhecer ao mundo através da montra privilegiada em que Lisboa se tornou. O espaço está a ganhar personalidade e agora recebe 10 reforços de peso. “Queremos ser cada vez menos uma department store e cada vez mais uma concept store. Queremos contar uma história”, afirma Rui Gomes Araújo, mentor do projeto. Apesar do palacete compartimentado, a tendência é misturar marcas e produtos. Afinal, além de estarem sob o mesmo teto, também carregam o mesmo selo.

As malas de Catarina Mina não fogem à inspiração tropical brasileira © Divulgação

Cabana, Isolda, Lilly Sarti, Veja, Catarina Mina, Denise Gerassi, Cecilia Prado, UMA, SERPUI e Martha Medeiros são as novas entradas e as primeiras marcas brasileiras a chegarem a Portugal pelas mãos do Fashion Label Brasil, programa de exportação de moda brasileira criado há 10 anos pela ABEST (Associação de Estilistas Brasileiros) em parceria com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). “Existe o cliché de que o Brasil é, basicamente, moda de praia. Queremos desmistificá-lo. A moda de praia brasileira é de excelente qualidade e muito competitiva, mas existem outros segmentos muito fortes. E não é nada de novo no Brasil. São marcas que já existem há muito tempo, mas a ideia de mostrar esse lado da moda brasileira é relativamente nova”, afirma Paulo Lourenço Bartholomei, presidente da ABEST, ao Observador.

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O Brasil à conquista da Europa

A indústria da moda brasileira de olhos postos no mercado europeu, em especial, em Portugal. Além de porta de entrada, há quem fale em afinidades históricas. “Portugal sempre teve uma relação muito boa com o Brasil. Ambos compartilham o mesmo gosto pelo design e pela moda, o mesmo olhar. Por isso é que iniciativas como esta já estavam planeadas. Sempre vimos Portugal com excelentes olhos e agora mais do que nunca. O país é um destino tendência e as pessoas querem estar aqui”, continua Paulo Lourenço, ele próprio designer numa das marcas que acaba de chegar ao Príncipe Real, a Cecilia Prado.

A mira está mais do que apontada e embora Portugal seja atualmente o principal palco europeu para a moda brasileira, não é o único. Nos últimos anos, o Fashion Label Brasil tem apostado em iniciativas de divulgação em pontos estratégicos como Paris e Londres. O programa abrange cerca de 83 marcas e estas já exportam para mais de 57 países.

“Em termos de moda, o Brasil não era um país muito aberto”, afirma Paulo Lourenço. O presidente da ABEST refere-se ao país como um mercado robusto, mas onde a percentagem de população que compra produtos com um alto valor agregado é pequena. Fora do mercado interno, o dólar e o euro tornam tudo mais interessante. Para esses mercados, importar mercadorias made in Brasil não é a coisa mais fácil do mundo, mas a ABEST e a Apex-Brasil vieram para descomplicar.

Os acessórios em palha da Serpui © Divulgação

Ao fim de uma década de claro incentivo à exportação, os resultados falam por si. Portugal é o hoje o segundo maior destino das exportações brasileiras a área da moda, apenas superado pelos Estados Unidos. E durante os últimos 10 anos, mesmo com a crise, nunca deixou de estar entre os três primeiros. ” Já há várias marcas brasileiras com distribuidores em Portugal. Há cinco anos, as exportações estavam a crescer muito. Quando chegou a crise elas caíram, mas estamos agora a recuperar os números”, completa o presidente da ABEST. Em 2016, o volume de exportações do Brasil para a União Europeia, só vestuário, foi de 14 milhões de dólares (cerca de 11,7 milhões de euros). Desses, as exportações com destino a Portugal representam 3,8 milhões de dólares (cerca de 3,2 milhões de euros). Deste segundo valor, 1,2 milhões de dólares (cerca de 1 milhão de euros) são referentes às exportações das empresas agregadas ao Fashion Label Brasil. Números protagonizados por marcas como Lenny Niemayer, Cia. Marítima, Osklen e Cecilia Prado.

UMA, a marca de Raquel Davidowicz marca pelo minimalismo © Divulgação

Mas nem tudo é uma questão de vendas. Isabel Fontoura, gestora de projetos da Apex-Brasil, fala na moda “como um meio para formar uma imagem do Brasil de hoje”. Tal como Paulo Lourenço Bartholomei, Isabel está ao leme da loja pop-up que chega a Lisboa. Vender é importante (a Casa Pau-Brasil recebe clientes finais, mas também é visitada por possíveis buyers), mas é preciso ver mais longe e pensar na moda como um cartão-de-visita de um país. “As vendas são importantes, temos essa expetativa, mas esta ação não se limita a isso. É também para mostrar a beleza, a sofisticação, a criatividade, as histórias por detrás das marcas brasileiras. A venda é uma consequência disso”, afirma Isabel, em entrevista ao Observador.

A casa está a crescer

Para esta loja temporária em Lisboa, a curadoria foi um trabalho feito a três, pela ABEST, pela Apex-Brasil e pela Casa-Pau Brasil. Do lado de cá do Atlântico, Rui Gomes Araújo sabe bem como é que a moda brasileira tem de ser trabalhada. “O Brasil precisa do embrulho certo para ser vendido. Muito do que tem sido apresentado é uma caricatura do Brasil”, afirma Rui. A Casa Pau-Brasil abriu em abril e desde então que se afirmou como destino de compras, sobretudo, de estrangeiros. Estes representam dois terços da clientela, entre visitantes e novos residentes, com destaque para o público francês.

A Casa Pau-Brasil abriu em abril e já é um destino de compras para quem quer encontrar marcas brasileiras em Lisboa © André Henriques/Observador

Para a chegada das novas marcas, a casa reorganizou-se. Ninguém saiu, mas os 10 designers ficaram com uma sala só para eles. A marca de moda feminina Juliana Herc, na casa desde o primeiro dia, vai ocupar em breve uma sala inteira do palacete, uma mudança justificada pela procura, mesmo com uma loja própria uns metros mais abaixo, em plena Avenida da Liberdade. As novas chegadas serviram de pretexto para voltar a chamar Joana Astolfi. A arquiteta, responsável pelas instalações que decoram o espaço, reproduziu agora dezenas de ocas (habitações típicas indígenas brasileiras) que servem de montras às peças à venda.

Nos próximos meses, a Casa Pau-Brasil vai continuar a crescer. Neste momento, há cerca de 30 marcas brasileiras lá dentro, entre moda, cosmética e decoração, número que irá aumentar em fevereiro com a chegada da Farm, a marca carioca que ganhou projeção internacional através das sucessivas colaborações com a Adidas. Antes disso, Rui quer fazer da casa também uma galeria, trazendo arte contemporânea brasileira para o Príncipe Real. Quanto ao espaço do andar de cima que permanece fechado, também vai ser preciso esperar até ao início do próximo ano para vê-lo a funcionar. Será bar e cafetaria, com um conceito assente na música e uma agenda gingona, como não podia deixar de ser.

Na fotogaleria, conheça as 10 marcas que acabam de chegar à Casa Pau-Brasil e que ficam na loja temporária até dia 12 de novembro.