Uma tarifa social para o gás de garrafa e ou a fixação de um preço máximo de venda. As duas ideias foram colocadas em cima da mesa pelos partidos. O Governo está a concluir a definição das regras a aplicar a este mercado quando passar para a tutela do regulador, a ERSE, uma iniciativa que já tem vários meses de atraso, mas que deverá avançar ainda este ano e cujo alcance ainda é uma incógnita.

Uma coisa parece certa. Em 2018, as regras de definição de preços no gás de botija, um mercado totalmente liberalizado há 27 anos, vão mudar. Há propostas vindas da esquerda para criar um regime de preços máximos que o PS e o PSD estão disponíveis para estudar e os socialistas querem estender a tarifa social ao gás de botija a consumidores com menores recursos, um desconto a pagar preferencialmente pelas empresas como acontece na eletricidade. Os operadores desconfiam de medidas que sejam um retrocesso na liberalização deste mercado que movimentou mais de mil milhões de euros no ano passado.

O GPL, sigla para gás de petróleo liquefeito, é comercializado em garrafas de propano ou butano, e também pode ser canalizado através de botijas de grande dimensão instaladas em prédios. Apesar de ter vindo a perder mercado e clientes para o gás natural, o GPL continua a ser a opção usada pela maior parte da população portuguesa — as estimativas apontam para dois terços — para a cozinha e aquecimento. O gás de garrafa é mais utilizado pelos consumidores economicamente vulneráveis e no interior do país. Não obstante, os seus clientes não beneficiam de intervenções legislativa ou regulatória ao nível dos preços.

O setor tem sido alvo de várias denúncias de subidas, alegadamente excessivas, dos preços cobrados pelos operadores, como aquela que a DECO fez em fevereiro deste ano. A associação de defesa do consumidor alertava para uma duplicação dos preços deste combustível em 15 anos e dizia que o preço do gás de botija podia ser o dobro do do gás natural.

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No ano passado, uma alteração ao Orçamento do Estado colocou sob a tutela da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) o mercado do GPL, tal como o dos combustíveis rodoviários. O regulador tinha 30 dias de apresentar uma proposta de alteração de estatutos e o Governo tinha 90 dias para a aprovar, mas os prazos não foram cumpridos. Pela informação recolhida pelo Observador, as alterações que vão permitir a regulação do gás de botija devem estar concluídas até ao final do ano.

Enquanto não há regulação, os partidos avançaram com iniciativas no Parlamento. O projeto lei apresentado esta semana pelo PCP propõe a criação de um preço máximo para o gás de garrafa e canalizado, a fixar anualmente com base no preço médio de referência, antes de impostos, praticado na União Europeia. O PAN (Partido Pessoas, Animais e Natureza) apresentou um projeto que vai na mesma linha. Os dois foram aprovados esta semana na generalidade, com as abstenções do PS e do PSD, e vão ser discutidos na especialidade. No mesmo dia, o deputado socialista Hugo Costa, admitiu a possibilidade de propor uma tarifa social com custos controlados para o GPL que tivesse os mesmos critérios de atribuição usados na eletricidade e gás natural e que abrangem consumidores com baixos rendimentos.

Proposta para tarifa social no GPL com efeitos em 2018

Em declarações ao Observador, Hugo Costa adianta que o grupo parlamentar do PS pretende avançar com uma proposta legislativa para uma tarifa social do GPL até ao final deste ano para implementar em 2018. A iniciativa, que pode ou não ser enquadrada na discussão do Orçamento do Estado, passa pela necessária colaboração das autarquias, mas também da Segurança Social para identificar os potenciais beneficiários.

O objetivo, avança Hugo Costa, é que sejam as empresas, neste caso as petrolíferas a assumir os custos destes descontos, tal como acontece na tarifa social da eletricidade e ao contrário do que sucede no gás natural onde são os restantes consumidores a suportar os custos. Isto porque as margens são mais elevadas no GPL do que no gás natural, argumenta o deputado.

Há, no entanto, a preocupação de evitar mercados paralelos, um risco que pode acontecer se alguns consumidores que compram botijas a custos mais baixos as revendam mais tarde com lucro. O mecanismo de aplicação desta tarifa ainda está a ser estudado e pode passar pela atribuição de cupões pelos consumidores identificados como tendo baixos recursos, com base nos dados da Segurança Social que serviram para detetar os beneficiários das tarifas sociais da eletricidade e do gás natural.

A ideia é avançar até ao final do ano, porque para o PS não faz sentido que os consumidores de GPL, onde estão reconhecidamente camadas da população com baixos rendimentos (em particular no Interior do país onde não há gás natural) não beneficiem do mesmo mecanismo. Já houve conversas com os operadores do setor, acrescenta e esta é uma ideia que tem sido também discutida com o Governo.

No gás natural a tarifa social chega apenas a 36 mil casas (dados de fevereiro), o universo de potencial beneficiários deste regime no GPL será muito maior e está por identificar até porque a compra do gás de botija não implica um contrato com o comercializador com uma morada associada que facilite a identificação dos beneficiários. Considerando que existem cerca de seis milhões de clientes de eletricidade para 1,38 milhões de clientes de gás natural, sobram cerca de 4,7 milhões de consumidores que são potenciais clientes de gás de botija, ainda que alguns agregados utilizam apenas eletricidade como fonte de energia nas suas casas.

Preços máximos, só sem défice tarifário

Para além da natureza distinta da relação entre fornecedor e cliente, o GPL é ainda caracterizado por um número muito elevado de revendedores, distribuídos por 50 mil pontos de venda, ainda que os principais fornecedores sejam apenas seis: a Galp, Prio, Rubigas, Repsol, Cepsa e Oz Energia. O mercado, de acordo com contas feitas a partir dos dados de consumo e preço médio da Direção-Geral de Energia e Geologia, representou um volume de negócios de 1.120 milhões de euros no ano passado. Mas uma parte desta faturação corresponde a carga fiscal, sobretudo IVA.

Esta iniciativa é autónoma de uma eventual mecanismo de preços máximos que venha a ser fixado como é defendido nos projetos do PCP e do PAN. Hugo Costa diz que o PS está disponível para discutir essa possibilidade, mas faz depender o apoio do esclarecimento de algumas dúvidas. É preciso assegurar que a medida não cria défice tarifário e que não leva ao abandono por parte dos operadores de algumas zonas do país por falta de rentabilidade.

O secretário-geral da APETRO (Associação Portuguesa das Empresas Petrolíferas) reconhece que o setor está a viver “num limbo” enquanto espera pelo resultado destas iniciativas legislativas. António Comprido sublinha que os operadores estão sempre contra medidas que representem uma marcha atrás na liberalização do mercado que neste caso até foi o primeiro no setor da energia a ser liberalizado em Portugal, em 1990. Receia que as iniciativas anunciadas correspondam um retrocesso no no processo de liberalização, ao arrepio do que tem acontecido em outros países europeus. O representante da indústria lembra que a Bélgica abandonou este verão o regime de preços máximos.

São ainda recorrentes as comparações com Espanha onde os preços serão muito mais baixos, embora existem razões para isso. O mercado vizinho é um dos que impõe um preço máximo administrativo que chega a ser abaixo de custo. Ainda este ano, o Supremo confirmou uma indemnização de 42 milhões de euros à Repsol por vendas com prejuízo ocorridas no primeiro semestre de 2011. De acordo com o secretário geral da APETRO, a decisão da Bélgica de deixar cair este regime resultou da constatação de que os agentes económicos poderiam sair do mercado. O Eurostat não publica estatísticas sobre os preços, mas dados compilados pela associação petrolífera para alguns mercados colocam Portugal numa posição competitiva numa lista de sete países considerado os preços já depois de impostos.