As autoridades alemãs estão alerta, desde há vários meses, para a possibilidade de ingerência de agentes estrangeiros nas eleições legislativas que estão a decorrer este domingo. Mas, segundo a agência Reuters, a corrida ao Bundestag tem passado ao lado do radar dos hackers que, por exemplo, libertaram os e-mails internos da campanha de Hillary Clinton quando esta era concorrente de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas.

Segundo os analistas, a fomentação da partilha de notícias falsas, através dos chamados bots, ou perfis sociais criados automaticamente e aos milhares como forma de difundir conteúdo a uma velocidade alucinante nas redes sociais, teve, até agora, pouca influência mas ainda há quem tenha tentado.

A escalada do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) era, de alguma forma, esperado, mas os valores dos últimos de estudos de opinião têm surpreendido. As sondagens mostram que o partido, que se opõe, por exemplo, ao uso das burqas das mulheres árabes ou à entrada de imigrantes no país, pode ficar em terceiro lugar nas legislativas. Para atingirem os seus objetivos, a AfD contou com uma pequena ajuda dos seus amigos. E, em um dos casos investigados pela página The Intercept, esse ajuda veio dos Estados Unidos — e não da Rússia, como aconteceu nas eleições francesas e nas norte-americanas.

Por exemplo, a página Gatestone Institute, propriedade da milionário judia Nina Rosenwald, cujo pai ajudou muitos judeus a fugir para os Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, tem publicado várias notícias alarmistas sobre as eleições alemãs, muitas com o intuito de inflamar o medo de que a Alemanha possa sofrer mais ataques terroristas, se deixar entrar mais refugiados. Um dos artigos mais partilhados falava da possibilidade da extinção do cristianismo por culpa da construção de mesquitas.

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A Intercept realizou uma análise aos perfis de alguns dos candidatos e apoiantes da extrema-direita e verificou que os artigos desta página são particularmente partilhados. Uma outra, que se tornou viral, denunciava a apropriação de casas, por parte da Câmara de Hamburgo, para que estas fossem entregues a refugiados. Mas a página de verificação de conteúdo Correctiv, apresentou factos em contrário. Outras páginas de extrema-direita como Philosophia Perennis e Politically Incorrect News, publicam quase todo o conteúdo da página financiada por Rosenwald, assim como o faz o Krautchan, uma espécie de filial do 4chan, o forum norte-americano conhecido por ser o centro da atividade online da extrema-direita.

A mulher alemã assediada que afinal era uma modelo britânica

Cinco dias antes das eleições deste domingo, uma página do Facebook de um ramo regional da AfD publicou uma foto que galvanizou a sua base — e angariou vários “likes” nas suas redes sociais. Uma rapariga branca e loira, com um ar assustado, no meio de vários homens, de pele escura. Com esta imagem, a AfD tentava voltar a colocar no centro da discussão política os ataques sexuais alegadamente perpetrados por imigrantes ilegais de origem árabe na passagem de ano de 2016 por 2017. “Ainda se lembram da passagem de ano? Votem!” era a legenda da imagem. Mas a imagem não passa de uma montagem, segundo confirma uma investigação do grupo de Digital Forensics Lab.

A imagem é na verdade feita de várias “camadas”. O fundo é retirado de imagens da jornalista da CBS Lara Logan, quando ela se encontrava no Egito, em 2011, onde ela mesma sofreu assédio sexual. O busto da jornalista foi substituído pelo da modelo britânica Danica Thrall. Esta imagem não é uma imagem da Alemanha, e por isso transmite uma ideia errada sobre o perigo e a “quantidade” de homens árabes que parecem quase encurralar esta mulher.

Esta foto foi usada por diversas páginas que se opõe não só a receção de refugiados — mais de um milhão terão entrado na Alemanha sob o aval de Angela Merkel — como LiveLeak, onde a imagem aparece com a legenda “o genocídio programado dos europeus brancos”.