O constitucionalista Jorge Miranda elogiou o “exemplo magnífico” de democracia em Cabo Verde, apontando como falha da Constituição cabo-verdiana a não concretização dos direitos sociais enunciados no texto, que cumpre 25 anos esta segunda-feira.

Jorge Miranda falava hoje aos jornalistas, ao final da tarde, na cidade da Praia, onde proferiu uma conferência sobre as relações entre Constituição e Democracia, promovida pelo Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais para assinalar os 25 anos da Constituição da República em Cabo Verde.

Felicito Cabo Verde por ter esta Constituição e ter 25 anos de democracia. É muito importante olharmos para o mundo e, particularmente para África, e vermos o exemplo magnífico que Cabo Verde dá”, disse o constitucionalista.

Jorge Miranda, que na sua intervenção abordou de forma global as relações entre a Constituição e a Democracia no mundo, apontou, em declarações aos jornalistas, aquele que considera ser o “maior problema” da lei fundamental cabo-verdiana.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O grande problema que existe nesta Constituição é a efetivação dos direitos sociais. A Constituição é praticada no tocante às liberdades, às garantias, à alternância dos partidos no poder, às eleições livres, mas os direitos sociais precisam de ser efetivados. O direito à saúde, ao trabalho, à segurança social, à educação. Aí é que, uma pessoa que venha a Cabo Verde – ainda que por poucos dias -, fica com a impressão que falta fazer muito”, disse Jorge Miranda.

O constitucionalista afastou, no entanto, a necessidade de mudanças na Constituição, adiantando que, nesta matéria, Cabo Verde não difere de países como Portugal ou o Brasil.

“Não se trata de mudar a Constituição, mas sim cumprir a Constituição. Aliás, é um problema que também se põe em Portugal, no Brasil e em muitos outros países. Com constituições muito avançadas nos direitos sociais, sobretudo com a crise económica mundial, as coisas são muito complicadas”, disse.

Jorge Miranda fez ainda um elogio ao regime semipresidencialista cabo-verdiano, muito parecido com o português, considerando que promove o “equilíbrio”.

“O sistema semipresidencial está muito bem. A experiência mostra que, fora dos Estados Unidos, o presidencialismo não funciona. Ou conduz à ditadura ou ao impasse político, vejam-se os casos mais recentes da Venezuela ou do Brasil, onde as coisas estão paradas”, disse.

A Constituição da República de Cabo Verde, inspirada em larga medida na portuguesa, foi aprovada em 1992, tendo sido objeto de uma revisão extraordinária em 1995 e revisões ordinárias em 1999 e 2010.

O Presidente da República em exercício, Jorge Santos, [substitui Jorge Carlos Fonseca ausente na tomada de posse do novo chefe de Estado angolano], que marcou presença na conferência, defendeu, em declarações aos jornalistas, que a Constituição tem assegurado os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, admitindo que ainda há trabalho a fazer na consolidação dos direitos sociais.

“A nossa Constituição tem provado que é sólida, moderna e adaptada à realidade nacional. Precisa de algumas afinações [nos direitos sociais e para acolher a regionalização], mas não vejo uma revisão profunda da Constituição”, disse.

Também hoje, antes de partir para Angola, o chefe de Estado, Jorge Carlos Fonseca, considerou, em declarações à rádio pública (RCV), que “um quarto de século de estabilidade política é sinal claro de que a Constituição da República está a cumprir a sua função”.

“Os cidadãos têm assegurados os direitos, liberdades e garantias”, disse, sustentando, por isso não existirem motivos para grandes mudanças no texto da lei fundamental.

Jorge Carlos Fonseca assumiu como bandeira dos seus mandatos presidenciais a defesa e divulgação da Constituição da República.