O ambiente no número 27 da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, estava tenso. Horas antes do Pesca abrir portas pela primeira vez — em regime de soft-opening, apesar de já se conseguir fazer reservas –, pormenores na fachada do prédio estavam por concluir, a zona do bar, que fica logo à entrada, estava a ser organizada e nas salas de refeição (sim, são duas, uma interior, que senta 18 pessoas, e outra exterior, com capacidade para 32), empregados impecavelmente vestidos ajeitavam guardanapos e copos.

Na cozinha, que é aberta e visível a todos, o staff corria de um lado para o outro para garantir que o primeiro serviço de almoço oficial saía em grande. “Esse salmonete já está?”, perguntava o chef Diogo Noronha (ex-Rio Maravilha, Casa de Pasto e Pedro e o Lobo). Em menos de nada, recebe um guloso filete vermelho.

A conversa com o Observador decorreu uns dias antes deste episódio, quando tudo estava mais calmo. Nesse dia, quando o stress ainda era só ansiedade pela estreia, Diogo Noronha e Fernão Gonçalves (o barman principal do espaço), explicaram um pouco melhor a ideia por trás deste Pesca, restaurante de autor que só inclui peixe na ementa.

O pátio exterior do Pesca leva 32 pessoas. A cobertura retrátil faz com que seja confortável tanto no verão como no inverno. © Diogo Lopes/ Observador

“Segundo dados da União Europeia, o sector da restauração é responsável por cerca de 20% do consumo de recursos”, começa por explicar Fernão. Perante uma realidade destas, a ideia de criar um projeto ambientalmente responsável faz todo o sentido, ainda para mais sendo Diogo Noronha um forte defensor de um estilo de vida mais sustentável e amigo do ambiente — o chef foi vegetariano e vegan durante vários anos, antes de ingressar na cozinha do Per Se, célebre restaurante de Thomas Keller, em Nova Iorque. Contudo, era preciso perceber como é que se contrariam esses dados.

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“Trabalhamos com cerca de 20 pequenos produtores”, explica o chef, que, entretanto, tinha começado a provar o arroz do Sado doce, uma das sobremesas na carta que leva puré de limão e sorbet de coco (9€). Dos vegetais ao peixe, passando pelo vinho e o café, quase tudo o que aqui pode provar é criado em pequena escala, feito com recurso ao cultivo biológico e comercializado em regime de comércio justo, tudo características que, segundo o chef, fazem com que a qualidade de cada prato seja a melhor. “Criamos uma relação de confiança com estas pessoas [produtores], eles percebem a minha cabeça e eu a deles, assim tudo corre melhor”, explica.

Esta forma de trabalhar, no entanto, não traz só coisas boas. “Como os cultivos e a produção são mais pequenos, e não usam pesticidas ou outros produtos do género, tudo fica muito mais exposto à imprevisibilidade”, conta Diogo Noronha. A poucos dias da abertura, essa “imprevisibilidade” deu um ar de sua graça: “Um produtor ligou-me a dizer que a geada tinha destruído a plantação de acelgas. Quis que eu fosse lá para arranjarmos uma maneira de contornar o problema. Este género de coisas não acontece com grandes fornecedores…”

O chef Diogo Noronha a empratar o prato de salmonete. © Diogo Lopes/ Observador

A ideia da sustentabilidade e do desperdício zero (o barman Fernão explicou que num dos cocktails que servem, usam um abacaxi, das folhas à casca, por exemplo) reflete-se até na decoração do espaço, pois o chão, por exemplo, foi feito com sobras de pedras coloridas. Também as mesas do Pesca foram feitas com restos de madeira antiga de um prédio pombalino.

Peixe, peixe, peixe, peixe

O Pesca pode só ter aberto agora, mas Noronha diz que a sua paixão pelo peixe vem de longe. “Sempre gostei muito de peixe, até mesmo antes de assumir a chefia de cozinhas”, conta, antes de acrescentar que, por causa disso, sempre sonhou ter um restaurante dedicado ao mar. A concretização deste sonho chegou através de Rui Sanches, patrão do Grupo Multifoods (que tem no seu portefólio restaurantes que vão do Vitaminas ao estrelado Alma, de Henrique Sá Pessoa): “Ele desafiou-me e eu aceitei logo.”

Durante um ano, Diogo, o seu chef pasteleiro Claiton Ferreira e o barman Fernão dedicaram-se a explorar e a testar pratos, ingredientes e peixes. “Visitámos muitas lotas ao longo desse tempo”, explica. Com o objetivo de conhecer melhor as espécies, calibres e ciclos reprodutivos dos animais que seriam servidos no Pesca, os três vasculharam um mar de hipóteses e variáveis essenciais para garantir que nunca faltaria “aquele peixe” e que o mesmo teria sempre “o calibre certo”. Hoje, esse tempo é tido como muito bem empregue.

Fornecedores como a Fat Tuna, por exemplo — empresa nacional que vende peixe português, pescado à linha e morto segundo a técnica japonesa de ikejime — que não só causa menos sofrimento ao animal como garante que a sua carne fica menos tensa — dão-lhe confiança de que vai ter sempre aquilo que precisa. Caso isso não aconteça, o chef é claro: “Nesse caso prefiro tirar o prato da carta em vez de inventar qualquer coisa em cima do joelho”.

O polvo assado na brasa com puré de batata doce de Aljezur, alface romana e vinagreta de abacate (25€). © Nuno Correia

Tudo isto culmina, portanto, na ementa que a partir de hoje está disponível ao público e onde se podem encontrar pratos como o lombo de bacalhau com sapateira, queijo terrincho, brocolinis e citrinos (25€) ou o salmonete braseado com migas de pão, puré de alcachofra, favas, tomatada e ovo a baixa temperatura (39€). Fãs do mar que gostam de ir para lá do peixe também podem encontrar a felicidade no arroz de lavagante com trigo sarraceno tostado, ervas frescas da Ria Formosa (49€) ou o carabineiro com jus de frango, soubise de cebola — molho cremoso –, geleia de ruibarbo, manjericão thai e alga codium (35€).

Uma nota importante: a zona de bar do Pesca não serve só de apoio ao restaurante, mas também terá vida própria. Durante todo o dia (o horário é das 12h às 24h) vai poder provar cocktails como o zombie mexicano ( custa 14€ e leva puré de pimentos assados, malagueta, canela, mezcal, tequila e espuma do mar) ou depenicar do bar de ostras.

De olhos postos no futuro

O chef não hesita em afirmar que “nunca esteve à frente de um restaurante como este”, com “um conceito tão bem definido e estruturado”. Isso, para ele, é entusiasmante e permite “explorar a criatividade”, “trabalhar produtos diferentes” e “continuar a evoluir”. Os menus de degustação estão, como a terra, à vista.

Num patamar mais ideológico, o chef espera que o tipo de trabalho que irá realizar neste novo Pesca (e que tem por base a sustentabilidade), possa contribuir para que, aos poucos, “alguma coisa comece a mudar” na indústria.

Nome: Pesca
Morada: Rua da Escola Politécnica, 27, (Príncipe Real) Lisboa
Horário: De terça-feira a domingo, das 12h às 15h e das 19h às 24h (fecha à segunda-feira)
Preço Médio: 60€
Reservas: Aceitam
Site: www.restaurantepesca.pt