[Nota: Artigo originalmente publicado a 1 de outubro de 2017, dia do referendo na Catalunha, e atualizado a 19 de dezembro de 2017, dois dias antes das eleições regionais catalãs]

Os argumentos a favor da independência da Catalunha

Primeiro, a política. À semelhança de todas regiões autónomas de Espanha, também a Catalunha tem o seu parlamento, eleito em eleições autonómicas. As últimas eleições deste tipo aconteceram em 2015. No caso da Catalunha, a campanha foi marcada pela dicotomia do pró e contra um referendo à independência. Tanto que foi formada a coligação Juntos Pelo Sim, que ia desde a esquerda até ao centro-direita e cujo principal consenso era a defesa de um referendo à independência. Ora, nessas eleições, os partidos independentistas acabaram por formar uma maioria de deputados — mas não de eleitores, como explicamos mais à frente —, com os Juntos Pelo Sim a sair em primeiro lugar, mas sem maioria absoluta.

Foi essa maioria que, após a nomeação de Carles Puigdemont para presidente do governo regional, aprovou na Generalitat todas as votações que levaram até à marcação do referendo deste 1 de outubro — mesmo que, a partir de Madrid, e também dos tribunais catalães, fossem levantadas dúvidas quanto à constitucionalidade do referendo. Carles Puigdemont rejeita estar a desobedecer aos tribunais e sublinha antes que está a “obedecer ao parlamento da Catalunha”.

A 1 de outubro, depois de meses de especulação que ia desde o tipo de urnas até à forma como os votos ia ser contados, o governo regional da Catalunha pôs em marcha o referendo para a independência daquela região. Os resultados anunciados pela Generalitat eram claros: apesar dos problemas logísticos e da violência policial que marcou o dia, 43% de cidadãos catalães foram votar e uma maioria de 92% escolheu a independência da Catalunha.

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Os resultados levaram Carles Puigdemont a pedir à União Europeia que mediasse o conflito com o Governo de Mariano Rajoy, mas as únicas palavras de apoio que partiram de Bruxelas foram todas dirigidas a Madrid. Numa primeira fase, Carles Puigdemont declarou a independência da Catalunha e, segundos depois, suspendeu-a para iniciar as conversações com Madrid. E mais tarde, quase um mês depois do referendo, alegando que Mariano Rajoy não estava disposto para negociar aquilo que o referendo catalão tinha trazido para a mesa, Carles Puigdemont entregou a decisão de declarar independência ao parlamento regional.

A votação aconteceu a 27 de outubro e o desfecho já era conhecido à partida. No final, uma maioria de 70 deputados votou a favor da independência da Catalunha, depois de os deputados constitucionalistas terem abandonado o hemiciclo em protesto, recusando reconhecer a validade daquela cerimónia. Porém, para os independentistas, estava a ser feita a vontade dos catalães.

Depois, há a questão cultural. A Catalunha tem a sua própria cultura, distinta de grande parte de Espanha — a proibição das touradas, em 2010, é um bom exemplo disso; e o facto de o Tribunal Constitucional central ter anulado essa decisão em 2016 também não é desprovida de significado.

A Catalunha tem a sua própria língua, o catalão. Além de ser uma forte marca identitária, a língua catalã é um dos principais fatores que compõem a causa independentista. A maior parte dos argumentos remontamà ditadura franquista, responsável por uma discriminação da língua catalã que roçou a proibição. O domínio linguístico do castelhano na Catalunha não foi por acaso, já que esta região foi um dos últimos bastiões republicanos a cair durante a Guerra Civil.

Ao vencer a guerra, dominando assim aquela região, Francisco Franco procurou promover a unidade de Espanha através da língua. “Espanha organiza-se num amplo conceito totalitário, pelo meio de instituições nacionais que asseguram a sua totalidade, a sua unidade e a sua continuidade”, disse numa entrevista em 1939, o último ano da Guerra Civil. “O caráter de cada região será respeitado, mas sem prejuízo da unidade nacional, que queremos que seja absoluta, com uma só língua, o castelhano, e uma só personalidade, a espanhola.”

Com o fim da guerra, o catalão passou fazer cada vez mais parte do quotidiano daquela região. O ensino do catalão nas escolas públicas foi essencial para isso. Porém, também este foi colocado em causa com a LOMCE, a lei para a educação aprovada no primeiro mandato de Mariano Rajoy. Naquele diploma, foi fixada a “obrigatoriedade de serem oferecidas aulas cuja língua seja o castelhano”.

Outro dos argumentos usados pelos independentistas catalães, com particular ênfase para aqueles que alinham no centro-direita e defendem políticas económicas mais liberais, é de ordem financeira. No seu discurso de tomada de posse como presidente do governo regional catalão, Carles Puigdemont disse que os catalães estavam a ser “financeiramente humilhados”. Tudo isto, leva os independentistas a defender que podem fazer uma “auto-gestão” do dinheiro dos seus impostos. “Queremos ser um país europeu como qualquer outro. Queremos decidir o que fazemos com os nosso recursos, como investir, contribuir para a União Europeia, assumir as nossas dívidas”, disse Carme Forcadell, presidente do parlamento regional da Catalunha.

Se todas as regiões de Espanha formassem uma família, a Catalunha era uma espécie de tio remediado — e não um tio rico, como muitos independentistas querem fazer passar. É um facto, porém, que é das regiões com maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita em todo o país. Com um PIB per capita de 28 590 euros anuais, a Catalunha é a quarta autonomia que mais produz por habitante, num total de 17. Acima, só estão Navarra (29 807 euros), o País Basco (31 805 euros) e Madrid (32 723 euros). A média do país é de 23 970 euros anuais. No fundo da lista estão a Estremadura (16 369 euros) e a Andaluzia (17 651 euros) que são, não por acaso, regiões que ao longo do século XX imigraram em várias vagas para a Catalunha em busca de melhores condições devida.

Em 2016, a Catalunha foi a terceira a região cujos cidadãos deram mais dinheiro, pela via dos impostos, ao Estado central. Cada catalão contribui com 2 422 euros. Acima, apenas os cidadãos das Ilhas Baleares (2 460) e os de Madrid (2 830 euros). Ao todo, segundo números de 2017, o balanço fiscal — diferença entre o que se dá e o que se recebe em impostos — é de quase 9,3 mil milhões negativos para a Catalunha. Ou seja, 5% do PIB catalão sai e já não volta.

Os argumentos contra a independência

Primeiro, o argumento político, que também vai beber a um referendo. Em 1978, os espanhóis deram um passo decisivo para pôr em prática a Transição, que levou o país do franquismo para o regime democrático: a aprovação da Constituição de 1978, através de um referendo. A nível nacional, 91,81% de espanhóis disseram “Sim” àquela Constituição. Quanto à Catalunha, o número é praticamente o mesmo: 90,46% votaram favoravelmente. Apenas 4,61% de catalães disseram “Não” à Constituição de 1978.

E o que diz a Constituição de 1978, logo no Artigo 2? Isto: “A Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a integram e a solidariedade entre todas elas”. Desta frase, há que reter estas chaves: as regiões são autónomas, mas devem solidariedade umas às outras, nomeadamente no que diz respeito a aspetos fiscais; a autonomia está longe de significar soberania ou independência; não é possível sair da “pátria comum e indivisível de todos os espanhóis”.

No campo político, há ainda outros argumentos. Um deles é a atual composição do Congresso de Deputados, onde a maioria dos partidos nacionais é contra a realização de um referendo à autodeterminação catalã — um tema que, aliás, dominou grande parte do debate que marcou o impasse político de 2016. Outro, é o facto de o referendo deste domingo ser, além de proibido pelo Tribunal Constitucional, exclusivo aos 7,5 milhões de habitantes da Catalunha. Há quem argumente que os restantes espanhóis — ao todo, 39 milhões — também devem ter uma palavra a dizer sobre a possibilidade de uma parte do seu território ser alterado.

E também as eleições de 27 de setembro de 2015 são utilizados a favor da permanência da Catalunha em Espanha. É que se daquelas eleições regionais resultou uma maioria absoluta para independentistas (Juntos Pelo Sim com a CUP, 72 deputados e 47,8%), também não é de ignorar que 48,05% votaram em partidos que ou não defendem a independência (Ciudadanos, PPC e PSC) ou que são contra a via unilateral (Em Comum Podemos).

Do ponto de vista histórico, apesar de ser uma região autónoma e de ter uma cultura e uma língua própria, a Catalunha nunca foi um Estado soberano. Numa entrevista, o historiador catalão Jordi Canal explica que “o mito da fundação [do nacionalismo catalão] é o próprio mito nacional”. Porém, como explica, a Catalunha juntou-se enquanto condado à coroa de Aragão, que por sua vez se juntou à de Castela. Na guerra entre 1710 e 1714, que os independentistas acreditam estar para eles como Waterloo está para Napoleão, não estava em causa uma questão nacional mas antes uma disputa quanto à sucessão no trono do reino espanhol. A Catalunha acreditava que o rei devia ser Carlos III, que provinha da dinastia dos Habsburgos; ao passo que o resto do reino defendia o poder de Filipe V.

Depois, também há os argumentos financeiros. No primeiro trimestre deste ano, a região autónoma da Catalunha tinha uma dívida de 76,7 mil milhões de euros ao Estado central, o que a torna, em termos absolutos a região que mais deve a Madrid. O número ganha ainda outra dimensão quando se tem em conta que a dívida catalã representa 26% do dinheiro que as regiões autónomas devem ao Estado central.

Além disso, há os motivos económicos. A independência da Catalunha — ou a instabilidade que o processo independentista causou aos olhos de alguns — não agrada às empresas. Estas deram grandes sinais de preocupação antes e depois do referendo de 1 de outubro e, sobretudo, depois de a 27 de outubro o parlamento regional ter declarado unilateralmente a independência da Catalunha. São já mais de 3 mil as empresas que transferiram a sua sede social para foram da Catalunha e outras mil também escolheram sair daquela região.

Depois, há também os argumentos que dizem respeito à Europa. Começando, igualmente pela economia. Ao sair de Espanha, a Catalunha pode estar a erguer dois muros económicos: um para Espanha; outro para a Europa. As relações económicas da Catalunha dependem fortemente daquelas coordenadas: 40% das suas exportações são para as outras regiões e outros 40% são para países da comunidade europeia. É possível que, ao ganhar a independência, a Catalunha esbarre na imposição de tarifas por parte dos seus parceiros comerciais — algo que, acima de tudo, pode ser usado como uma arma política.

Tudo isso poderia, porém, ser anulado com uma entrada da Catalunha na União Europeia (UE), enquanto estado soberano. Porém, o processo levaria o seu tempo — e tempo é dinheiro. “A Catalunha não poderá, da noite para o dia, no dia a seguir à votação, converter-se num membro da União Europeia”, disse Jean-Claude Juncker. “Seria submetida a um processo de adesão, como aconteceu com os membros que aderiram à UE a partir de 2004.”

Além disso, a resposta da Europa e do conjunto da comunidade internacional à declaração de independência esteve longe de ser positiva para os independentistas. Desde Bruxelas, tanto a Comissão Europeia como o Conselho Europeu foram unívocos no apoio a Mariano Rajoy e no não-reconhecimento das aspirações independentistas do parlamento catalão. E também o Parlamento Europeu, com a exceção de alguns parlamentares do grupo da extrema-esquerda e também dos liberais, a reação foi pró-Madrid.