O Banco de Portugal manteve esta quarta-feira a sua projeção para o crescimento da economia portuguesa nos 2,5% em 2017, o melhor desempenho da última década e que permitirá finalmente alguma convergência com a média europeia, mas o forte crescimento da primeira metade do ano deve dar lugar a um abrandamento, fruto de constrangimentos estruturais e de crescimentos expressivos em alguns setores que não se revelam sustentáveis.

O ano de 2017 será finalmente de convergência com a União Europeia. Depois de vários anos a ver o comboio europeu passar, a economia portuguesa deverá finalmente crescer mais do que a média da zona euro e da União Europeia, antecipa o Banco de Portugal no Boletim Económico de outubro, divulgado esta quarta-feira.

As mais recentes previsões da Comissão Europeia preveem que a zona euro cresça em média 1,7%, e a União Europeia 1,9%. A verificar-se o crescimento agora previsto, Portugal irá finalmente encurtar alguma distância face aos seus parceiros europeus depois de anos a divergir.

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O dinamismo da economia na primeira metade do ano deverá garantir o sucesso, explica o banco central, devido em boa parte ao enquadramento internacional favorável. Com as economias a crescer a nível mundial, a procura acelerou de forma significativa – especialmente nas economias emergentes – o que permitiu a Portugal aumentar de forma significativa as suas exportações, e ainda ganhar quota de mercado a nível global.

A instituição liderada por Carlos Costa aponta ainda como decisivos os benefícios que a economia portuguesa continua a retirar do apoio do Banco Central Europeu, através do seu programa de compra de ativos, que tem contribuído baixado para baixar o custo do dinheiro e libertado liquidez para que os bancos possam investir.

Mas há ainda outros sinais positivos: o emprego está a crescer de forma robusta e mais nos setores mais competitivos da economia; os ganhos de competitividade estão a ser conseguidos sem associação à evolução de preços, o que reforça a ideia de que são sustentáveis; as empresas sentem menos obstáculos na hora de investir; e o crescimento robusto foi transversal à economia e não a um setor em particular.

Economia estará abrandar

Mas nem tudo são rosas. A bonança dos primeiros seis meses do ano poderá estar a perder força, segundo o Banco de Portugal, que, apesar de manter as suas projeções para o conjunto do ano, começa a ser menos otimista em relação a componentes como as exportações e o investimento.

O segundo semestre do ano não deverá ser tão bom como o primeiro, mas sem razões para alarme, segundo a instituição. Há alguns efeitos que, pelo seu desempenho extraordinário nos primeiros meses, não se esperava que fossem sustentáveis em continuo, como é o caso do turismo.

“As exportações de turismo apresentaram no primeiro semestre a mais elevada taxa de crescimento das duas últimas décadas. Ainda que seja expetável a manutenção da tendência de abertura crescente da economia portuguesa ao exterior, o ritmo de crescimento das exportações de serviços que caraterizou os últimos trimestres não se afigura sustentável por um período prolongado”, diz a instituição.

Outra razão deverá ser alguma moderação nas importações de mercados importantes para Portugal, como é o caso de Espanha, que no primeiro trimestre estariam a crescer de forma significativa. Isso leva a que os ganhos de quota de mercado que as exportações portuguesas têm vindo a conseguir, percam alguma intensidade.

Reformas têm de continuar

O resultado que deverá ser conseguido este ano é muito positivo, mas não se deverá manter, diz a instituição, que lembra que a economia ainda sofre de constrangimentos que estão a impedir que cresça de forma mais robusta e de forma sustentável.

“O elevado crescimento observado no primeiro semestre não corresponde ao crescimento tendencial sustentável da economia portuguesa. De facto, não obstante o assinalável processo de desalavancagem do setor privado e a melhoria progressiva na afetação dos recursos empregues na economia portuguesa ao longo dos últimos anos, persistem vários fatores estruturais que condicionam o nível e o crescimento potencial da economia portuguesa, de natureza interna e externa”, alerta o banco central.

A mensagem é, de certa forma, já habitual nos relatórios de qualquer instituição, seja nacional ou internacional. A economia portuguesa ainda está muito endividada, especialmente face ao exterior, e esse endividamento não só impede a economia de crescer a um ritmo superior nesta altura, como se pode tornar rapidamente num problema caso exista turbulência nos mercados ou uma nova crise.

Mas não é só o endividamento o problema, diz a instituição. A tendência de diminuição da população deverá continuar no futuro, a recuperação do investimento ainda não se está a traduzir em ganhos significativos no stock de capital – impedindo de certa forma a introdução de novas tecnologias – e o desemprego de longa duração continua um problema difícil de resolver.

Défice em linha com a meta do governo, desalinhado com Bruxelas

O crescimento da economia portuguesa dará um contributo precioso para a redução do défice orçamental este ano, cuja meta estipulada deverá ser “claramente alcançável”, aos olhos do Banco de Portugal.

Mas, prova de que a redução é mais conjuntural do que estrutural, a redução do défice global não deverá permitir que Portugal cumpra aquela que passou a ser a regra orçamental europeia mais importante desde o momento que saiu do Procedimento dos Défices Excessivos, este verão: o saldo estrutural.

O efeito de ciclo (crescimento económico) e as medidas one-off (efeitos extraordinários, como no passado aconteceu com a transferência dos fundos de pensões para a Segurança Social) não contam para a redução do défice estrutural, ao qual Portugal tem de cortar pelo menos uma parcela à volta de 0,6% do PIB a cada ano até conseguir atingir o Objetivo de Médio Prazo, que no nosso caso é ter um saldo estrutural positivo.

O Banco de Portugal não prevê, tal como a Comissão Europeia e o FMI já estavam à espera, que o Governo consiga cumprir esta regra. “O objetivo estipulado para o défice orçamental no mais recente Programa de Estabilidade é claramente alcançável. O cumprimento estrito deste resultado, dado o enquadramento macroeconómico particularmente favorável, não deverá garantir, no entanto, o ajustamento estrutural requerido pelas regras orçamentais europeias atualmente em vigor”, diz no Boletim.

Ou seja, a redução do défice para níveis historicamente baixos deverá mesmo acontecer, mas mais por força do crescimento económico a nível mundial, do que propriamente por contenção do défice pelo atual executivo.

As contas, ainda assim, podem sair furadas no final do ano se a o Eurostat decidir que a operação de aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos tem de ser registada no défice orçamental, uma questão que continua a ser alvo de um intenso debate entre as autoridades portuguesas e as autoridades comunitárias.

Apesar de o Governo insistir que a avaliação da Comissão Europeia, que considerou esta uma operação de mercado, o Eurostat entende que a sua avaliação em nada depende do decidido em Bruxelas.

Caso a Caixa Geral de Depósitos seja registada no défice deste ano, este aumentaria cerca de 2,1% do PIB, tornando-se difícil não ultrapassar os 3% anuais do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Isto não implica, no entanto, um regresso ao Procedimento dos Défices Excessivos, já que se trata de um efeito extraordinário. Se tivesse acontecido em 2016 esse impacto, antes da saída do PDE, ai sim obrigaria Portugal a permanecer mais um ano sob ameaça de sanções e escrutínio mais apertado.