As mudanças que o Governo está a aplicar no emprego público já não têm em vista o corte de gastos na Função Pública, diz a Comissão Europeia, que relembra os aumentos da despesa com os salários de funcionários públicos e as promessas em sentido contrário assumidas pelo Governo português, e pede uma resposta sistemática aos problemas estruturais da Administração Pública.

“O aumento dos custos com salários sinaliza que as reformas do emprego público já não têm como objetivo reduzir custos“, afirma a Comissão Europeia no relatório da sexta avaliação pós-programa publicado esta sexta-feira, lembrando que entre os compromissos do Governo com Bruxelas estava a redução do número de funcionários públicos com a aplicação da regra de apenas uma entrada por cada duas saídas.

No entanto, os compromissos assumido em 2016, e novamente em 2017, não tiveram consequências práticas. Segundo os números avançados pela Comissão, o emprego público aumentou em 0,9% no ano passado, uma tendência que parece ser confirmada pelos números já disponíveis no primeiro e no segundo trimestres deste ano, quando o número de funcionários públicos aumentou (em termos homólogos) 1% e 1,3%, respetivamente. Estes números crescem especialmente devido ao reforço de pessoal feito nos setores da saúde e educação.

Os gastos com a folha salarial também cresceram, fruto da reversão de algumas das medidas que vinham do tempo do programa de ajustamento – como os cortes salariais -, e mais do que se previa inicialmente. Segundo a Comissão, os gastos com salários aumentaram 2,8% no ano passado, “significativamente acima das previsões do orçamento para 2016 e do Programa de Estabilidade”.

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No horizonte, a Comissão não vê quaisquer medidas que possam resultar em poupanças na folha salarial. Pelo contrário. E aponta outras previstas que devem pesar ainda mais nas contas do Estado, casos da integração dos quadros do Estado de cerca de 20 mil precários e do descongelamento de carreiras, com um custo previsto à volta de 250 milhões de euros por ano, durante quatro anos.

Alívio no travão às reformas antecipadas pode comprometer sustentabilidade

A Segurança Social continua dependente de transferências do Orçamento do Estado, apesar das reformas já implementadas para tornar o sistema de pensões autosustentável. A Comissão Europeia avisa que o alívio nas penalizações para reformas antecipadas pode comprometer o objetivo de eliminar as transferências até 2019 e diz que terão de ser encontradas novas instrumentos ou medidas no exercício orçamental do próximo ano.

O relatório de pós-avaliação ao programa de ajustamento diz mesmo que serão necessárias medidas de compensação para assegurar a sustentabilidade financeira da segurança social.

As novas regras que abrem a porta da reforma antecipada para longas carreiras contributivas vão entrar em vigor de forma gradual, a partir de outubro. A medida prevê a eliminação do factor de sustentabilidade aplicado a estas novas reformas, que representava um corte de 14% no valor da reforma. A idade mínima de reforma para estes casos foi ainda antecipada para os 60 anos.

Apesar do compromisso assumido pelo Governo de pretende compensar o impacto financeiro destas mudanças, estas medidas ainda estão em discussão. Bruxelas lembra que o adicional do IMI criado em 2016 só serve para financiar o fundo de capitalização da Segurança Social. Outras possibilidades — a revisão das isenções e desconto nas contribuições para a Segurança Social e do regime dos recibos verdes — parecem ter um alcance limitado.

Banca. “Instituições relevantes” não receberam novo modelo de supervisão

Comissão Europeia classifica como “importante” a criação de uma plataforma de gestão integrada dos grandes créditos em incumprimento que junta, para já, três dos maiores bancos nacionais — Caixa, BCP e Novo Banco. E destaca ainda as medidas legislativas que estão a ser adotadas para facilitar a reestruturação da dívida das empresas. O relatório assinala os passos dados na melhoria do quadro legal e das soluções para resolver o malparado, mas avisa que há ainda dificuldades com o tempo excessivo de reestruturação ou liquidação judicial das empresas e as baixas taxas de recuperação de crédito, abaixo dos 8% do valor nominal.

Ainda no setor financeiro, a Comissão Europeia refere que está em discussão uma proposta para mudar o modelo de supervisão, sobretudo na área da resolução bancária, e regista que até 5 de setembro não tinha sido remetido para as “instituições europeias relevantes” nenhum esboço da proposta coordenada por Carlos Tavares.

É preciso cortar mais nas rendas para eliminar défice da luz

As atenções de Bruxelas viram-se ainda para a eletricidade, onde subsistem incertezas quanto à eliminação completa do défice tarifário até 2025.

A Comissão Europeia nota que o Governo até tem uma previsão mais otimista, que aponta para o fim do défice nas tarifas em 2022. Mas para isso acontecer, não basta evitar novos custos nos preços da energia. “Um corte adicional das rendas que ainda são excessivas poderá facilitar uma eliminação mais rápida do défice tarifário“. Bruxelas reconhece também as medidas já adotadas para assegurar a sustentabilidade do sistema elétrico, como a atribuição da garantia de potência por leilão, mecanismo que será também aplicado ao regime de interruptibilidade dos grandes clientes de eletricidade.

Estão ainda em curso, o processo de acerto de contas com a EDP por causa dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) e a exigência de devolução dos pagamentos feitos em excesso no passado às centrais da empresa. Há ainda outros iniciativas em curso que poderão representar poupanças nos custos para os preços da eletricidade em 2018.

Falta resposta sistemática para problemas estruturais

Apesar de continuarem em curso algumas reformas tendo em vista o controlo de custos na administração pública, Bruxelas diz que falta uma resposta que seja sistemática, que tenha objetivos definidos e calendarizados, e mais abrangente, para garantir que as contas públicas caminham no sentido da sustentabilidade.

Um dos exemplos dados é o da revisão da despesa pública, que o Governo tem em curso em alguns setores – caso da Educação e da Saúde. As poupanças previstas com esta revisão são diminutas – apenas 0,1% do PIB – e sem um calendário especifico. O Governo disse ainda aos técnicos da Comissão Europeia que pretende alargar esta revisão dos custos aos setores da Justiça e Administração Interna, mas sem calendário ou objetivos de poupanças previstos.

A Comissão alerta ainda que a gestão orçamental nos hospitais continua a ser pouco rigorosa e, prova disso, os pagamentos em atraso continuam a crescer de forma significativa, 248 milhões de euros até julho. O Governo terá mostrado confiança que, no final, a meta do défice será alcançada, mas a Comissão alerta que usar cativações e as receitas do imposto sobre as bebidas açucaradas para compensar este desvio apenas mascara o problema.