Depois da pressão política, vem a pressão económica. Esta sexta-feira, foram várias as grandes empresas espanholas a anunciar a intenção de retirar a sua sede, ainda que temporariamente, da Catalunha. O Caixabank, dono do português BPI, vai trocar Barcelona por Valência, uma mudança preventiva seguida por outras instituições bancárias como o Sabadell que irá para Alicante.

Atrás dos bancos vão as empresas, a Gas Natural, a concessionária Abertis, e até a empresa Freixenet, fabricante das cavas, o espumante típico de Barcelona, estará a ponderar sair. Nos dois primeiros casos — a Gas Natural confirmou já a ida para a Madrid — , o movimento não será alheio ao facto de terem acionistas comuns com o Caixabank. A poderosa fundação La Caixa, é uma das principais, se não a principal, instituição económica da Catalunha.

Caixabank, dono do BPI, sai da Catalunha para Valência

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O Caixabank justifica a decisão de relocalizar com a necessidade de “salvaguardar completamente o quadro legal e remuneratório que é fundamental para sua atividade” e de ficar na zona euro debaixo da supervisão do Banco Central Europeu.

O argumento da segurança jurídica é um dos mais forte, sobretudo para os bancos. Do ponto de vista legal, uma Catalunha independente no atual quadro legal e constitucional significa uma Catalunha fora da União Europeia e da moeda única. E ainda que o novo país tenha intenção de aderir à UE, este será sempre um processo demorado e de futuro muito incerto, até porque a Espanha teria de votar a favor dessa adesão que exige unanimidade.

Para além do vazio que rodearia o novo país, a própria Catalunha não tem neste momento instituições que lhe permitam materializar uma declaração de independência. Sem banco central, sem máquina fiscal, sem constituição, sem exército, o que pode acontecer no dia seguinte? Esse alerta foi deixado esta sexta-feira pelo ex-presidente do Governo regional catalão. Em entrevista ao Financial Times, Artur Mas diz que para ser independente a Catalunha precisa de algumas coisas que não tem:

  • Controlo das infraestruturas
  • Controlo da fronteira e alfândega
  • Cobrança de impostos feita a nível regional
  • Administração judicial que faça cumprir as leis do estado

Até estes aspetos estarem operacionais, a independência não é real, diz Mas.

O mais provável é que nada mude depois da declaração unilateral, reconhecem fontes bancárias ouvidas pelo Observador.

Ainda que possa ser considerado um risco residual, o cenário não pode continuar a ser ignorado pelos principais agentes económicos que dependem da Catalunha. E os bancos estão na linha da frente dessa preocupação porque têm de lidar com a moeda, precisam de um banco emissor, precisam de um supervisor e de um quadro jurídico que assegure a proteção das suas operações e dos seus clientes e precisam ainda de acesso aos mercados financeiros internacionais. Tudo coisas que a Catalunha independente não terá tão depressa.

O acesso à garantia de depósito do Banco de Espanha e às salvaguardas da união bancária e do euro, são assim condições fundamentais para a operação bancária e havia já clientes a retirar o seu dinheiro dos bancos juridicamente vinculados à Catalunha.

O Banco Central Europeu não quis comentar as consequências da independência, quando questionado pela Bloomberg. Uma fonte não identificada adiantou apenas que a instituição estava a monitorizar a situação na Catalunha. Mas em 2015, o governador do Banco de Espanha, Luis Marie Linde foi muito claro nestas declarações reproduzidas pelo The Telegraph, a propósito da independência.

A “saída do euro é automática, a saída da União Europeia está implícita”. Os bancos catalães perderão acesso às linhas de financiamento do BCE, o que cortaria a derradeira ligação ao sistema financeiro e à zona euro.

Mas se o argumento jurídico tem força suficiente, há outro que também pesa: a pressão económica. E aqui os bancos e empresas tiraram partido de uma alteração legislativa aprovada esta sexta-feira pelo Governo de Espanha que agiliza o processo de transferência da sede social para outra cidade, sem exigir que seja aprovada pela assembleia-geral de acionistas. Uma lei “oportunista” de Madrid que está a ser amplamente usada pelas grandes empresas que, ainda que tenham origem na Catalunha, não se podem dar ao luxo de virar as costas à Espanha e à União Europeia. Nem ignorar os avisos do mercado.

As mudanças podem ser temporárias e ainda não se percebe quais poderão ser as consequências a nível de cobrança de impostos e emprego para a região. O ministro da Economia Luis de Guindos manifestou tristeza pela resposta das empresas, mas aproveitou para atirar mais culpas para o Executivo de Puidgemont.

“É muito triste o que estamos a assistir, a saída de empresa extremamente importantes da Catalunha. Mas isto não é culpa das companhias. A culpa resulta claramente da política irresponsável que, no final do dia, gera incerteza e ansiedade”.

É certo que a independência unilateral da Catalunha também não é boa para a saúde financeira e para a economia de Espanha. A Moody’s reconhece que este movimento teria uma implicações vastas e negativas no crédito de muitos emissores espanhóis e da própria região. Ainda que a agência de notação financeira acredite que a Catalunha vai permanecer em Espanha, a Moody’s considera que a capacidade financeira do país vizinho manteria a sua força e o rating deveria permanecer ao nível de investimento — ao qual Portugal só regressou há poucas semanas, mas apenas na Standard & Poor’s.

O elo mais fraco desta separação seria inevitavelmente a Catalunha que hoje reclama ser um das regiões mais ricas de Espanha, contribuinte líquido para o Orçamento do Estado espanhol. Curiosamente. Ao contrário do que sucedeu no caso do Brexit, não há muitos estudos credíveis e reconhecidos sobre o impacto económico e financeiro desta independência, quer para a Catalunha, quer para Espanha ou mesmo para a União Europeia. Talvez porque o cenário não era considerado realista.

Uma fonte que tem acompanhado o dossiê refere que existem estudos feitos por instituições académicas catalãs, mas que partem de pressupostos económicos e financeiros que, no atual quadro legal, não parecem realistas. Para além de não ponderarem o efeito da saída do euro, alguns destes estudos assumem que a Catalunha começará do zero em indicadores como a dívida pública, ignorando o endividamento atual da região. E que passaria a contar com o excedente que neste momento existe entre os impostos que paga e o que recebe do orçamento espanhol. Mas não se conhece a dimensão da fatura necessária para construir todas as instituições que teria de ter como estado independente e de direito.