Os sucessivos assassinatos de figuras públicas em Moçambique, sem resolução, traduzem a ideia de que o crime capturou os direitos e liberdades fundamentais, disseram nesta segunda-feira à Lusa dois analistas. “Académicos, magistrados, políticos e jornalistas têm estado a pagar com a sua própria vida por expressarem livremente o seu pensamento”, afirmou Borges Nhamire, ativista do Comité para a Proteção da Liberdade de Expressão e de Imprensa, em entrevista à Lusa, em Maputo.

Reagindo ao homicídio, no dia 04, de Mahamudo Amurante, presidente do município de Nampula, norte de Moçambique, Nhamire afirmou que o assassinato obedece a um padrão que tem sido imposto para silenciar o exercício de direitos e liberdades fundamentais no país.

O falhanço do Estado em levar os autores destes crimes à justiça fomenta o sentimento de impunidade e insegurança na sociedade, continuou. “O Estado está a falhar” em “funções essenciais”: “prover segurança aos cidadãos” e assegurar “responsabilização penal dos autores de crimes”, afirmou Borges Nhamire. Para que “a voz do bem não se torne cúmplice dos criminosos”, considerou ser necessário que a sociedade se una na denúncia e na pressão junto das autoridades, visando estancar a criminalidade.

Por seu turno, Baltazar Faela, jurista e investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), disse à Lusa que o ataque às liberdades fundamentais no país é incentivado pela falta de responsabilização penal. “Os autores destes crimes sentem-se encorajados a continuar a sua saga, porque não lhes acontece nada”, declarou Baltazar Faela.

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A impunidade está a disseminar um clima de terror entre os cidadãos moçambicanos, porque sabem que exercer a liberdade de expressão coloca-os numa situação de vulnerabilidade. A morte de Mahamudo Amurane junta-se a uma lista de figuras públicas assassinadas nos últimos anos no país, em crimes que se suspeitam ter a ver com a sua função.

Em março de 2015, o advogado constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac foi morto a tiro junto a um café no centro de Maputo, depois de se notabilizar por defender teses embaraçosas para a Frelimo, partido no poder, a última das quais dando argumentos jurídicos à Renamo, principal força de oposição, para a criação de províncias autónomas. Em outubro de 2016, o conselheiro do Estado Jeremias Pondeca foi mortalmente baleado quando fazia ginástica matinal na Avenida Marginal de Maputo.

Em janeiro de 2016, o secretário-geral da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), Manuel Bissopo, foi baleado e gravemente ferido quando viajava no seu carro no centro da cidade da Beira, província de Sofala, tendo o seu guarda-costas morrido no ataque. Em abril desse ano, José Manuel, membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da Renamo e membro da ala militar do principal partido da oposição, é morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira.

A morte daqueles políticos aconteceu numa altura em que as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas o braço armado da Renamo se confrontavam na sequência da recusa do principal partido da oposição de reconhecer a derrota nas eleições gerais de 2014. Também em abril, o procurador da Cidade de Maputo Marcelino Vilankulos foi assassinado a tiro quando se dirigia de carro para a sua casa, nos arredores da capital.

Marcelino Vilankulos tinha em mãos processos-crime associados à onda de raptos que na altura assolava as principais cidades moçambicanas Em maio de 2016, o comentador político e docente universitário Jaime Macuane é raptado no centro de Maputo e levado para os arredores da cidade, onde os agressores o deixam ao abandono com tiros nos membros inferiores.

Na altura, Macuane era um dos comentadores do “Pontos de Vista”, um programa de comentário essencialmente político do canal privado STV muito seguido no país. Os referidos casos somam-se a outros assassínios mediáticos e que levaram no passado as vidas do jornalista Carlos Cardoso, em 2000, do economista Siba Siba Macuacua, em 2001, e do juiz Dinis Silica, em 2014.

Carlos Cardoso foi assassinado quando investigava uma mega fraude no ex-Banco Austral, enquanto Siba Siba Macuácuá foi morto quando tentava sanear as contas do referido banco. Por seu turno, Dinis Silica tinha sob sua direção processos relacionados com raptos.