Um novo estudo publicado esta quarta-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos concluiu que a mobilidade social em Portugal aumentou graças às mulheres (mas continua baixa), as finanças familiares não melhoram há anos e ainda compensa estudar para quem quer ganhar mais e melhor. “Mobilidade Social em Portugal” foi coordenado pelas economistas Teresa Bago d’Uva e Marli Fernandes e tenta responder a uma questão: num país “onde a mobilidade económica e social é tradicionalmente baixa” e onde a igualdade de oportunidades ainda tem um longo caminho por percorrer, que herança social e económica deixam as gerações mais velhas às vindouras? As respostas serão apresentadas esta tarde no Instituto Superior de Economia e Gestão.

De acordo com o estudo, que pode ler na íntegra aqui, estas conclusões foram possíveis analisando a mobilidade social entre gerações — estudando as realidades sociais e económicas dos filhos em comparação às dos pais — e também entre indivíduos da mesma geração. A seguir, compararam-se esses resultados com a realidade da União Europeia. E há dois aspetos que saltam à vista: em Portugal, a igualdade de oportunidades é ainda muito mais baixa do que lá fora, onde também é mais fácil progredir na carreira; mas a realidade social e económica da mulher portuguesa, apesar de muito diferente da do homem, está muito próxima da que se observa na média dos países europeus.

Entenda as 10 coisas que precisa de saber sobre mobilidade social nas 10 conclusões que o Observador resumiu aqui em baixo.

A mobilidade social aumentou graças às mulheres. Mas continua baixa

A mobilidade social entre pais e filhos é menor em Portugal do que na União Europeia, tanto no que toca à escolaridade de pais para filhos como no que toca à profissão de pais para filhos. No entanto, já se observava uma maior mobilidade entre os portugueses nascidos nos anos 70 do que entre os nascidos entre 1940 e 1949. E esse aumento de mobilidade é muito maior por cá do que na União Europeia.

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Entre os nascidos depois de 1970, cerca de quatro em cada dez pessoas atinge um nível de escolaridade superior ao do pai. Comparando esta realidade com a da União Europeia, percebe-se que a distância que ainda separa os nascidos a partir de 1970 do nosso país e lá fora deve-se sobretudo aos homens: entre os homens portugueses, 33% alcança um nível de escolaridade superior ao do pai. Lá fora, essa percentagem sobe para 43%.

A mobilidade social e económica aumentou em Portugal. E isso deve-se sobretudo às mulheres: cá, 48% das mulheres mais jovens já atinge um nível de escolaridade superior ao dos pais. Esse é um número que está apenas dois pontos percentuais abaixo da realidade da União Europeia. No mundo masculino, a diferença entre a realidade portuguesa e a europeia é cinco vezes maior. De acordo com o estudo publicado esta quarta-feira, isso indica “maior desigualdade de oportunidades em Portugal do que na União Europeia”.

As finanças das famílias não melhora há 9 anos

A evolução dos rendimentos das famílias portuguesas é feita de altos e baixos. Até 2008, esse rendimento assistia a “crescimentos positivos”, mas tudo se começou a mudar depois: entre 2009 e 2013, os rendimentos médios contraíram-se “pelo menos 2%”. A situação mais grave ocorreu de 2010 para 2011, quando essa percentagem aumentou para 9%. Estima-se que os rendimentos médios das famílias portugueses tenha encolhido 6% de 2009 para 2012 e 15% de 2011 para 2014. Essa tendência portuguesa acompanhou a europeia, que assistiu às mesmas contrações (embora em menores graus) um ano antes de elas se fazerem sentir por cá. Culpa da crise.

São os mais ricos que estão a sofrer cortes mais profundos nos rendimentos médios familiares: o decréscimo desses rendimentos entre os mais pobres é mais baixo do que o verificado entre os mais ricos, o que pode simbolizar “deslocações ao longo da distribuição de rendimentos”. Apesar destas mudanças no rendimento, entre 40 e 50% da população mantém o mesmo tipo de rendimento de um ano para o outro e mais de 70% não vai além do rendimento imediatamente superior ao seu. Mesmo ao fim de três anos, o rendimento mantém-se o mesmo para entre 30% e 36% dos portugueses. Essa realidade contrasta com a europeia: lá fora é mais frequente mudar o rendimento familiar ao longo do tempo do que cá. Na União Europeia, apenas 43% dos indivíduos no máximo não muda de rendimento de um ano para o outro.

Em termos gerais pode concluir-se que há “um menor grau de mobilidade em Portugal do que na União Europeia”, o que se vem a traduzir numa redução da desigualdade inferior cá dentro do que no resto da UE. A mobilidade dos rendimentos familiares de 2004 para 2005 reduziu a desigualdade em Portugal em 2,2% e na Europa em 5,4%. Mais recentemente, de 2012 para 2013, essa redução foi de 3,5% cá e de 4,2% lá fora.

Ir para a universidade ainda garante salários (e cargos) melhores

Em média, os salários têm sempre crescido, mas cada vez menos: de 1986 para 1989, os salários aumentaram em média 14% mas, de 2006 para 2009, esse aumento foi de apenas 9%, o que se traduz numa tendência de declínio na mobilidade. Ainda assim, são os salários mais baixos que tendem a subir mais proporcionalmente.

Com o facto de as mulheres terem ganho cada vez mais espaço no mercado de trabalho — elas representavam 32% dos trabalhadores em 1986 e 45% dos trabalhadores 23 anos mais tarde — a distribuição salarial também se tem tornado progressivamente mais justa. E embora os salários das mulheres se tenham mantido mais baixos do que os dos homens que ocupam exatamente nos mesmos postos, crescem sempre mais do que os deles.

Os trabalhadores com entre 25 e 36 anos veem a sua posição no mercado melhorar mais de um ano para o outro do que os trabalhadores mais velhos. Embora esse fenómeno possa ser justificado com o facto de ser mais fácil evoluir no início da carreira, o melhoramento é maior agora do que era para um trabalhador que tinha essa idade em 1986. Isso deve-se provavelmente ao aumento da escolaridade, “que diminui a desvantagem dos mais novos no mercado de trabalho, mesmo em início da carreira”.

Os trabalhadores que só têm o ensino secundário completo têm uma posição muito mais desfavorável no mercado de trabalho do que aqueles que têm um grau de ensino superior. Se em 1986 apenas 8% dos trabalhadores tinham um curso, esse valor aumentou para 30% em 2006. São aqueles que têm uma licenciatura, mestrado ou doutoramento que ocupam os lugares cimeiros na distribuição salarial.

Que mundo vai ficar para os adultos de amanhã?

Um ano depois de Axel Gosseries, um proeminente catedrático e estudioso da ética económica e social, ter lançado o livro “Justiça entre Gerações”, a Fundação Francisco Manuel dos Santos apresenta um estudo homónimo que debate sobre que mundo herdámos das gerações anteriores, em que estado o vamos deixar para as próximas gerações e que direitos e deveres temos neste mundo de recursos emprestados.

Através de análises sobre os fundamentos jurídico-filosóficos da justiça intergeracional, teoria constititucional, políticas públicas e política empresarial, o trabalho assinado por advogado Jorge Pereira da Silva e pelo jurista Gonçalo Almeida Ribeiro chama à discussão nomes tão sonantes como a especialista em direito civil Elsa Vaz de Sequeira, o professor Miguel Nogueira de Brito, o advogado António Nunes De Carvalho e o especialista em direito comercial Evaristo Mendes. Ao longo de mais de 500 páginas, todos vão pensar em três interrogações: “Existe uma geração vindoura que possa e deva ser considerado com direitos no presente? Quem deve intervir na definição dos direitos constitucionais dessa geração? E como pode a sociedade conhecer seus valores e refletir sobre os seus direitos e obrigações?”, sintetiza o economista Pedro Pita Barros no prefácio do estudo.

O estudo concentra-se em dois assuntos principais: como são distribuídos os recursos e como é que elas são utilizadas. De acordo com os autores do estudo, que assinam juntos a introdução, “esta questão é particularmente relevante na sociedade portuguesa contemporânea, confrontada com graves problemas demográficos e económicos”. E é o primeiro passo de um programa de investigação sobre justiça intergeracional nas mãos do Centro de Investigações da Católica para o Futuro do Direito. Essa investigação está a ser financiada pela Fundação Manuel dos Santos.