As restrições alimentares menos intensas, mesmo que signifiquem uma menor perda de peso, podem traduzir resultados mais sustentáveis do que dietas mais restritivas. A linguagem e o foco dos médicos que acompanham doentes com excesso de peso e obesidade não deve incidir tanto na máxima “perca peso”, mas sim numa visão mais abrangente, de estado geral de saúde do doente e gestão de expectativas, envolvendo-o no processo de decisão. São estas as principais mensagens que constam do primeiro manual de orientações para o tratamento da obesidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), lançado esta quarta-feira, dia em que se assinala o Dia Mundial do Combate à Obesidade.
“Não podemos continuar a ter os nossos utentes a fazer todo o tipo de agressões ao seu organismo com determinados padrões dietéticos muito radicais, ou utilização de suplementos que alguns deles podem ter riscos. A nossa ideia era transmitir aos profissionais de saúde em geral que a linguagem não pode ser: “perca peso””, começou por explicar ao Observador José Camolas, o primeiro autor do manual. O nutricionista sublinha que não é possível “continuar a assobiar para o lado” perante um problema em crescendo e que é necessário “homogeneizar intervenções”, de modo a aumentar o sucesso do tratamento da obesidade “muitas vezes marcado por um forte insucesso”.
E esse sucesso pode passar, inclusive, por uma menor exigência em termos de perda de peso. “Perder peso é importante mas não é o objetivo em si mesmo, não o queremos a qualquer custo. Queremos que signifique um melhor estado geral de saúde, uma melhor qualidade de vida e uma melhoria metabólica”, acrescentou o nutricionista, para logo explicar o que é isto da melhoria metabólica.
Para pessoas com excesso de peso e risco elevado de diabetes basta reduzir 5 a 10% do peso para reduzirem para metade o risco de diabetes”. O que numa obesidade de classe 1 ou 2, com índices de massa corporal à volta dos 30 ou 35, significa perder 20 ou 15 kg em excesso.
E vai mais longe até: “No caso da obesidade num doente diabético e sobretudo no idoso, a meta do peso ideal não faz sentido nenhum porque a mortalidade num doente diabético não é maior se ele tiver excesso de peso ou peso normal. Todas essas doenças melhoram substancialmente com pequenas perdas de peso”.
O nutricionista do serviço de Endocrinologia no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e dirigente do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável, com a pasta das doenças da obesidade, defende que “a primeira etapa de todas é parar de ganhar peso”. “E se quiser acrescentar mais ganhos então perder 5 a 10% do peso. E chegando a essa etapa ponderar ir um pouquinho mais longe e pôr a meta no peso ideal para a estatura do doente. Mas é preciso perceber a resposta do doente, traçando isto com a idade, as expectativas, os estilos de vida.”
Trata-se de uma “mudança de linguagem” por parte dos profissionais de saúde que o também vogal da direção da Ordem dos Nutricionistas considera muito importante.
Do lado do Serviço Nacional de Saúde “exige-se uma maior capacidade de resposta para lidar com este problema, nomeadamente através da implementação de consultas de obesidade com intervenções minimamente homogeneizadas nos diferentes níveis de cuidados, em particular nos cuidados de saúde primários e com capacidade de aferição dos resultados e sua análise”, lê-se no documento que estará disponível no site da Direção Geral de Saúde ainda hoje.
A obesidade é um dos principais problemas de saúde pública atuais, e além de ser considerada uma doença crónica só por si, é, ao mesmo tempo, um fator de risco para o desenvolvimento de outras doenças crónicas que constituem as principais causas de mortalidade e morbilidade, como a hipertensão coronária, hipertensão arterial, gota, osteoartrite, diabetes, apneia do sono, e alguns tipos de cancro.
Este manual — que traça o cenário epidemiológico da obesidade em Portugal, reflete sobre os indicadores a utilizar para o seu diagnóstico, e apresenta orientações para o tratamento, em particular no que diz respeito à terapêutica nutricional — torna-se mais importante sobretudo devido ao falhanço no tratamento da obesidade, o que não é exclusivo de Portugal. Nos últimos 40 anos “a prevalência da obesidade nos adultos portugueses aumentou, de forma marcada e consistente”. O excesso de peso atinge já mais de um quarto das crianças e adolescentes portugueses e mais de metade da população adulta, com principal relevo nos indivíduos com mais de 65 anos com uma prevalência de excesso de peso (obesidade incluída) superior a 80%.
Quanto à frequência das consultas, no manual vem referido que uma frequência inferior a mensal “tem pouca evidência de efetividade”. “No entanto, considerando a elevada prevalência da obesidade e a exigência de um aconselhamento especializado, nem sempre os serviços de saúde conseguem assegurar uma frequência otimizada, para as consultas. Este aspeto, representa um desafio adicional para os profissionais de saúde, no que concerne à otimização dos cuidados prestados, nos momentos de contacto possíveis, e para os utentes, relativamente à aquisição de competências de autocuidado.”
O nutricionista José Camolas sublinha também que “qualquer sistema de saúde, quando olha para uma patologia com prevalência tão grande, tem sempre incapacidade de dar resposta. Temos de criar estruturas e nomeadamente na área da nutrição, precisamos de ter mais nutricionistas nos cuidados de saúde primários”.