José Sócrates guardou em casa o original da carta de demissão do antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha, quebrando as regras do arquivo da Presidência de Conselho de Ministros (PCM). Luís Campos e Cunha demitiu-se ao fim de pouco mais de quatro meses, depois de se queixar de “pressão sistemática” por parte de José Sócrates, que terá insistido na demissão da administração da Caixa Geral de Depósitos de maneira a abrir caminho para o amigo Armando Vara entrar no banco público.

Segundo as normas vigentes na PCM, os originais de todas as comunicações recebidas por ministros ou pelo primeiro-ministro devem ser guardadas, sem exceção, no arquivo. Para além disto, cada gabinete deve guardar uma cópia física e outra digital do documento. Posteriormente, os ministros, ou o primeiro-ministro, podem guardar uma cópia para o seu arquivo pessoal — mas nunca, em qualquer ocasião, devem ficar com um original.

Não foi, porém, isso que José Sócrates terá feito com a carta de demissão de Luís Campos e Cunha, que esteve apenas 131 dias à frente do Ministério das Finanças. Segundo o despacho de acusação da Operação Marquês, a que o Observador teve acesso, “o original deste documento encontrava-se na posse do arguido José Sócrates, no dia 22 de novembro de 2014 [um dia após a sua detenção no aeroporto de Lisboa], na sua residência pessoal”.

Nessa carta de demissão, que é citada no processo, Luís Campos e Cunha, queixa-se de sofrer da parte de José Sócrates uma “pressão sistemática relativa à substituição da Administração da CGD” e refere que uma ascensão de Armando Vara ao Conselho de Administração do banco público “é contrária às reformas de que este Grupo necessita”. “Recuso-me a alterar pessoas sem uma estratégia”, acrescentou Luís Campos e Cunha.

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Sócrates terá pressionado Campos e Cunha para demitir a administração da CGD – o objetivo era fazer entrar Armando Vara

Em 2017, Campos e Cunha confirmou pressões, Sócrates negou

Em janeiro deste ano, Luís Campos e Cunha quebrou o silêncio quando foi chamado a depor numa sessão parlamentar de inquérito à gestão da CGD. “Desde o início, como ministro das Finanças, fui pressionado pelo primeiro-ministro [José Sócrates] para demitir o presidente da CGD e a administração da CGD”, disse, a 6 de janeiro de 2017.

No mesmo dia, José Sócrates reagiu em comunicado, defendendo que as declarações de Luís Campos e Cunha “são falsas e sem nenhuma correspondência com a verdade”. “Nunca fiz qualquer pressão para demitir a administração daquele banco”, garantia naquela nota enviada às redações, dizendo ainda que o ministro das Finanças é que tinha “vontade de substituir a referida administração” porque “na altura considerava que não estava à altura da missão do banco”.

“Quanto às razões da sua exoneração do cargo de ministro das Finanças, eu e todo o Governo da altura as conhecemos”, rematou Sócrates.

Em entrevista ao Observador, Luís Campos e Cunha reagiu ao comunicado de José Sócrates, reforçando aquilo que tinha dito à comissão parlamentar de inquérito. “Por amor de Deus, estive quatro meses no cargo e não demiti a administração da CGD. Mas, quando saí, esta foi demitida no dia seguinte por outra pessoa”, disse, igualmente a 6 de janeiro de 2017.

Luís Campos e Cunha foi sucedido no cargo de ministro das Finanças por Fernando Teixeira dos Santos, que desempenhou esse cargo até ao fim do segundo e último mandato de José Sócrates, em 2011. Depois de Fernando Teixeira dos Santos ter sido nomeado para liderar o Ministério das Finanças, a administração da CGD foi demitida e passou a contar com Carlos Santos Ferreira, próximo dos socialistas, e Armando Vara, ex-secretário de Estado e ex-ministro de António Guterres e amigo de José Sócrates.

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