(este artigo foi originalmente publicado a 13 de outubro de 2017)

Quando jogava no AC Milan, um ano depois de ter sido o melhor marcador da Liga dos Campeões pelo PSG, George Weah estava em final de contrato com a Diadora como marca patrocinadora. Após receber uma primeira proposta para estender o vínculo, no final de 1996, colocou uma condição para renovar e que até lhe poderia retirar dinheiro: tinham de assinar contrato com a seleção da Libéria, tendo em vista a participação na Taça das Nações Africanas, dando algum dinheiro além de todos os equipamentos necessários. Assim foi. Não se sabe se ficou mesmo a receber menos por essa imposição (prontamente aceite), mas o maior objetivo acabou por ser alcançado. E colocou ainda os governantes do país a escreverem à FIFA para também a Adidas poder fornecer materiais desportivos, como foi explicado por Zeogar Wilson, antigo ministro que foi seu companheiro de equipa.

Weah brilhava na Europa, mas queria mesmo era mostrar-se ao mundo a jogar pelo seu país. Nunca conseguiu e, a par de nomes como Di Stéfano, George Best ou Ryan Giggs, não chegou a participar num Mundial. Ainda assim, aquele que a FIFA descreveu como “um dos precursores dos avançados multifuncionais dos nossos dias” continua a ser o único jogador africano a conseguir ganhar uma Bola de Ouro, em 1995 (e não se vê grande margem a breve prazo para que essa façanha deixe de ser apenas sua). Foi um dos melhores dianteiros da década de 90, jogando em França, Itália e Inglaterra. Agora, pode estar a caminho da presidência da Libéria.

George Weah exibe a Bola de Ouro ganha em 1995 num jogo entre antigas estrelas africanas (STR/AFP/Getty Images)

Arsène Wenger, treinador que já leva mais de duas décadas no comando do Arsenal, foi um dos mais entusiastas a essa possibilidade, de tal forma que deu os parabéns ao antigo jogador mesmo não havendo ainda resultados finais oficiais (longe disso). Mas entende-se: afinal, foi o francês que o contratou para o Mónaco em 1988, naquela que foi a primeira etapa de uma aventura de 14 anos no futebol europeu. Como se explica então a gaffe? Segundo explica a BBC, os números apresentados pela Comissão Nacional de Eleições da Libéria coloca Weah na frente em 11 dos 15 distritos do país, ao passo que o principal adversário, Joseph Boakai, lidera apenas num. No entanto, caso o ex-avançado não atinja os 50% (a maioria), haverá uma segunda ronda eleitoral, no próximo mês.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A chegada a França, os golos maravilha e o nariz partido a Jorge Costa

George Weah nasceu em Monrovia, numa das zonas mais pobres da Libéria. Ia acumulando trabalhos atrás de trabalhos depois de sair das aulas, mas foi no futebol que, com o tempo, começou a ver uma luz ao fundo do túnel entre as dificuldades de uma família muito humilde. Ainda na formação, passou por clubes como Young Survivors Claratown e Bongrange Company (que escrevemos por mera curiosidade, porque verdade seja dita ninguém algum dia saberia deles se por lá não tivesse jogado Weah), antes de se estrear como sénior no Mighty Barrolle. Seria campeão aí e no Invincible Eleven, antes de ter as primeiras experiências fora da Libéria na Costa do Marfim (Africa Sports) e nos Camarões (Tonnerre Yaoundé), de onde se mudaria para o Principado pela mão de Wenger.

Durante quatro anos, ganhou apenas uma Taça de França, tendo depois rumado à primeira versão de PSG capaz de lutar com os maiores da Europa que tinha o português Artur Jorge como treinador de estrelas como Bernard Lama, Ricardo Gomes, Le Guen, Valdo ou Ginola. Ganhou todas as provas em termos nacionais e brilhou na Champions, onde foi o melhor marcador em 1994/95, quando caiu aos pés do AC Milan nas meias-finais. No final dessa época, acabaria mesmo por mudar-se para os rossoneri, onde tinha outra constelação de estrelas comandada por Fabio Capello à espera com nomes como Maldini, Desailly, Costacurta, Albertini, Donadoni, Savicevic, Boban, Roberto Baggio, Savicevic, Simone ou Paulo Futre (e muitos outros ficaram de fora desta listagem).

Foi campeão nesse ano de estreia mas, no ano seguinte, onde curiosamente até ganhou o Prémio Fair Play da FIFA, teve um dos pontos mais baixos da carreira: no final do jogo frente ao FC Porto nas Antas, e depois da eliminação do AC Milan da fase de grupos, o avançado esperou por Jorge Costa no túnel e partiu-lhe o nariz com uma cabeçada. Na altura, o liberiano alegava que o central lhe tinha partido um dedo da mão de propósito no jogo em San Siro com uma pisadela e que tinha feito comentários racistas, algo que o internacional português desmentiu de pronto, tendo mesmo levado Weah a tribunal por causa dessas declarações. Mais tarde, o antigo avançado quis pedir desculpas ao central dos azuis e brancos, que nunca aceitou não tanto pelo gesto mas pela acusação que fizera.

“O Weah era extraordinário, dos melhores jogadores do mundo. Tive de aumentar um bocadinho as minhas doses de agressividade porque ele era forte, rápido, um bicho. E assumo que fui mais agressivo com ele durante o jogo, tinha de ser porque não tinha outra forma de pará-lo”, comentou Jorge Costa mais tarde numa entrevista ao Porto Canal. “Acaba o jogo, ficamos ali a festejar e depois fazer uma espera por mim uns dez minutos… Foi uma cobardia. Se é no campo, perdeu a cabeça; assim, é uma ação premeditada”, acrescentou. O africano foi detido na altura pela PSP, teve julgamento marcado no Tribunal Criminal do Porto mas nunca chegou a ser notificado.

Esteve em Milão até final de 1999, altura em que acertou o empréstimo com o Chelsea. No entanto, a passagem por Inglaterra, onde esteve ainda no Manchester City, já não teve tanto fulgor (ganhou uma Taça, pelos blues), tal como o regresso a França pelo Mónaco. Terminou a carreira aos 37 anos nas Arábias, pelo Al Jazira, a troco de uma verdadeira fortuna e com condições ao nível de um qualquer emir. Foi nessa fase que se converteu ao islamismo.

https://www.youtube.com/watch?v=LOCHwYTTOJ0

O vendedor de donuts e pipocas que saltou para a política depois do futebol

George Weah perdeu o pai muito novo e foi criado sobretudo pelos avós. Como confessou numa entrevista, a vida não era fácil e só comia uma vez por ano frango: no Natal. Ciente das dificuldades, aquele que viria a ser um dos melhores futebolistas africanos de sempre ia tentando ganhar alguma coisa para ajudar e, depois de ter vendido donuts e pipocas a seguir às aulas, passou também pela Liberia Telecommunications Corporation, onde foi telefonista mas também aprendeu umas coisas noutras áreas mais ligadas à parte elétrica.

Ligado há muitos anos à UNICEF pelos trabalhos humanitários, chegou mesmo a receber um Arthur Ashe Courage Award entre os vários projetos ligados ao futebol como veículo para travar o insucesso escolar. No ano passado, naquele que é ainda agora o maior investimento nessa área, assinou um acordo com o empresário indiano Nirav Tripathi, figura de proa do Diya Group, para a abertura de uma série de academias de futebol pelo mundo.

Mas é na política que tem feito carreira. Ou tentado, pelo menos.

“Apenas metade de todas as crianças da Libéria vão para a escola primária. As crianças estão nas ruas e não nas salas de aula. Não têm a oportunidade para aprenderem e depois sentem dificuldades em encontrar trabalho”, defendeu numa das várias ações de campanha

Weah concorreu pela primeira vez à presidência do país em 2005, sendo o principal opositor de Ellen Johnson Sirleaf. Mais do que um choque de personalidades, era uma escolha de paradigmas: de um lado estava uma figura mediática, conhecida em todo o mundo, que fez sempre questão de “promover” a Libéria mas que foi aprendendo sobretudo na “escola da vida”; de outro estava uma personalidade conhecida pelas posições de relevo no Citybank, no Banco Mundial e nas Nações Unidas depois de se ter formado em Harvard.

O nigeriano Jay-Jay Okocha cumprimenta a líder da Libéria desde 2005, Ellen Johnson Sirleaf (STR/AFP/Getty Images)

Apesar de ter sempre respondido contra aqueles que diziam não ter condições para o cargo (“Com toda a educação e experiência, governaram esta nação por centenas de anos e nunca fizeram nada por ela”, disse), cometeu o erro de dizer que tinha um bacharelato em gestão desportiva na Universidade de Parkwood quando, na verdade, o mesmo não era reconhecido. Se as hipóteses já não eram famosas, pior ficaram. E depois dos 28,3% da primeira volta, ficou-se pelos 40,6% na segunda e decisiva votação. Houve protestos, rumores de fraude em surdina, mas as instituições que acompanharam essa eleição defenderam em todos os relatórios a total isenção de irregularidades nas urnas.

O ex-avançado aprendeu a lição. Rumou a Miami, onde tirou gestão de empresas na DeVry University, e começou a preparar as eleições de 2011. Chegado à altura da verdade, “leu” 0 jogo, percebeu que não teria hipóteses como número 1 e avançou como “vice” de Winston Tubman. Foi de goleada: Sirleaf, que tinha entrado para a história em 2005 como a primeira chefe de Estado em África, ganhou de forma convincente com 90%.

Eleito em 2014 para o Senado pelo seu partido de sempre, o CDC (Congress for Democratic Change), Weah surge agora com legítimas aspirações de vencer mesmo este ato eleitoral. Porque, de forma resumida, reforçou-se naquilo que tinha a menos (estudos e preparação para o cargo) e potenciou aquilo onde já estava acima de todos os outros: a proximidade com o povo, que o vê como um Deus pelas duas décadas de futebolista profissional. Daí que tenha sido o candidato que menos investiu em outdoors e outros mecanismos de promoção – ao invés, andou pelo país.

“A educação é um processo contínuo como uma bicicleta, se deixarmos de pedalar não vamos para a frente”, foi vincando ao longo da campanha eleitoral

Não há muitos desportistas que tenham chegado a este ponto de preponderância num país. Nos cargos mais altos, o melhor exemplo será talvez o de Kaj Leo Johannesen, antigo guarda-redes internacional que foi primeiro-ministro das Ilhas Faroé entre 2008 e 2015. Mas o mais curioso é que Weah pode vir a ser eleito presidente da Libéria sem o apoio daqueles que, à partida, estariam de certeza com ele: um grupo de antigos futebolistas.

Como escreveu o GNN Liberia, o “Unity Party Soccer Legends”, formado por antigos futebolistas internacionais do país como Sebwe, Boy Charles, Ezekieh Doe e Kelvin Sebwe, entre outros, decidiu apoiar Nyuma Boakai, número 2 de Ellen Johnson Sirleaf e principal opositor de Weah. Razão? Enquanto senador, o ex-avançado não fez nada pelo desenvolvimento do desporto no país. E acrescentam mesmo que, como seus amigos próximos e que o conhecem bem, Weah não tem as qualificações necessárias para o cargo.

George Weah a exibir a Bola de Ouro conquistada em 1995 em pleno San Siro, num jogo do AC Milan (CARLO FERRARO/AFP/Getty Images)

Os resultados definitivos serão apenas conhecidos daqui a cerca de duas semanas, mas, confirmando-se mesmo as indicações provisórias, George Weah poderá mesmo ser o próximo presidente da Libéria aos 51 anos.