Demitir ou não demitir ministros, eis a questão. O PSD não pede a demissão da ministra e do secretário de Estado da Administração Interna, mas só porque “o PSD não pede demissões de nenhum membro do Governo”. Mas quando, na semana passada, foi divulgado o relatório da comissão técnica independente aos fogos de Pedrógão Grande, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim imputou responsabilidades políticas ao primeiro-ministro e à ministra da área, que ficou “totalmente desconsiderada” a partir do momento em que o relatório se tornou conhecido. Esta segunda-feira, a título pessoal, o mesmo Carlos Abreu Amorim acusou os responsáveis daquele ministério de “colossal incompetência”, e disse que o “responsável máximo” era mesmo António Costa, “culpado por ignorar a realidade e não ter demitido este triste duo por meras razões de orgulho político”.

O CDS não tem essa regra de princípio e tem pedido sucessivamente a demissão da ministra Constança Urbano de Sousa. Desde junho, no seguimento dos acontecimentos de Pedrógão, que o faz. Mas António Costa tem segurado a ministra, que foi uma escolha pessoal sua, na qual o PS pouco teve a dizer. Na madrugada desta segunda-feira, Constança Urbano de Sousa teve a garantia do próprio primeiro-ministro de que o seu lugar estava seguro. Costa disse que era “infantil” falar em demissões. Esta tarde, questionada sobre as condições políticas para permanecer à frente da Administração Interna a ministra tentou a ironia: “Para mim seria mais fácil, pessoalmente, ir-me embora e ter as férias que não tive, mas agora não é altura de demissões”.

Mas vários foram os ministros que, ao longo do tempo, se demitiram por menos. Um deles, Miguel Macedo, da Administração Interna. Outro, Jorge Coelho, por causa de uma tragédia com inúmeras perdas humanas. Eis alguns dos mais emblemáticos casos em que, por razões diversas, foi “altura de demissões”.

Bofetadas e viagens pagas pela Galp. Cai ministro da Cultura e três secretários de Estado

Foi em abril de 2016 e foi a única demissão (até ver) de um ministro do atual Governo de António Costa. João Soares pediu a demissão do cargo de ministro da Cultura depois de ter protagonizado um episódio de troca de galhardetes, via Facebook, com dois colunistas do jornal Público.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Naquela rede social, João Soares escreveu que estava a dever “duas bofetadas salutares” ao crítico Augusto M. Seabra e também ao historiador Vasco Pulido Valente, sublinhando que estava a “reagir a insultos” escritos por aqueles cronistas. “Peço desculpa se os assustei”, diria mais tarde, quando o caso ficou mediático. “Demito-me por razões que têm a ver com o meu respeito pelos valores da liberdade. Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião e palavra”, disse João Soares quando explicou o que o levou a pedir a demissão ao chefe do Governo.

O comportamento facebookiano do então ministro da Cultura levou António Costa a pedir desculpa aos portugueses. O primeiro-ministro lembrou que, apesar de o comentário ter sido numa página pessoal, deveria ter sido mais “contido” e sublinhou que este “não traduz a forma como o Governo se quer relacionar” com as pessoas. Mais: “Nem à mesa do café os ministros podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”, acrescentou, ensaiando uma lição de moral e bons costumes aos membros do executivo. Certo é que João Soares, que apoiou António José Seguro nas primárias do PS, não era próximo de Costa.

João Soares demite-se por não “prescindir do direito à opinião”

Galgate. Três secretários de Estado demitem-se um ano depois, para serem constituídos arguidos. Mas Costa ainda os tentou segurar. Sobretudo Fernando Rocha Andrade, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que se viu envolvido na polémica por ter aceitado um convite da Galp para viajar ao Campeonato Europeu de Futebol em França. António Costa começou por o defender: “Fernando Rocha Andrade pagou a viagem que fez, não vai decidir assuntos sobre a Galp e assim pode concentrar-se na sua missão, que é continuar o excelente trabalho que tem vindo a fazer e trabalhar para termos uma maior justiça fiscal em Portugal. Fernando Rocha Andrade tem dado um grande contributo para que isso aconteça”. Rocha Andrade tem uma longa relação de proximidade com o primeiro-ministro, tendo sido seu subsecretário de Estado da Administração Interna quando Costa era ministro.

Costa segurou Rocha Andrade durante um ano, assim como aos restantes secretários de Estado que estavam na mesma situação, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira, mas só o conseguiu fazer durante um ano. Quando em julho deste ano o processo judicial fez os primeiros arguidos, o primeiro-ministro abriu mão deles. Os três secretários de Estado acabaram por pedir a exoneração ao primeiro-ministro para o Ministério Público poder “exercer o seu direito de requerer a sua constituição como arguidos”, disseram. Costa aceitou a exoneração, mas sublinhou que “não foi deduzida pelo Ministério Público qualquer acusação”.

Galpgate. Três secretários de Estado exonerados são suspeitos do crime de recebimento indevido de vantagem por viagens no Euro 2016

Vistos Gold e falta de força anímica

O Governo de Pedro Passos Coelho ficou marcado por algumas demissões: Miguel Macedo e Miguel Relvas, Vítor Gaspar ou Álvaro Santos Pereira. Miguel Macedo era ministro da Administração Interna e pediu a demissão na sequência da polémica dos vistos Gold — disse que o ministro daquela pasta tem de ter sempre uma forte autoridade para o exercício pleno das suas funções, e essa autoridade tinha sido diminuída na sequência do caso judicial. Logo, pediu a exoneração. Miguel Relvas fez o mesmo devido à polémica sobre a forma como fez o curso universitário por equivalências: deixou de ter “força anímica” para continuar.

Miguel Macedo, então ministro da Administração Interna, anunciou a sua demissão em novembro de 2014, na sequência do caso da atribuição de vistos Gold. Disse que não tinha “qualquer responsabilidade pessoal” no caso mas justificou a saída com a defesa “da autoridade do Estado”. “O ministro da Administração Interna tem de ter sempre uma forte autoridade para o exercício pleno das suas responsabilidades. Essa autoridade ficou diminuída, pelo que tomei a decisão de apresentar ao primeiro-ministro a minha demissão, que foi hoje aceite”. A demissão foi anunciada “em defesa do Governo e da autoridade do Estado”, disse na altura. Miguel Macedo foi apanhado nas escutas e o seu gabinete foi alvo de buscas, devido à nomeação de um oficial de ligação do SEF que era suposto ir para a China, para prevenir esquemas deste tipo, mas cuja nomeação esteve parada no MAI há oito meses. Passos Coelho aceitou a demissão.

O que fez cair Miguel Relvas, por sua vez, foi a polémica da sua não-licenciatura. Foi em abril de 2013: “Saio por vontade própria. E saio, apenas e só, por entender que já não tenho condições anímicas para continuar”, disse Relvas, então ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Miguel Relvas estava envolvido em vários processos polémicos, e na altura disse que “só a história julgará com a objetividade e distância temporal indispensável a história de cada um de nós enquanto agente político”.

Os corninhos e as pressões de Sócrates

Em 2009, no governo de José Sócrates, a demissão de Manuel Pinho do cargo de ministro da Economia foi a mais mediatizada: simulou cornos, com dois dedos na testa, durante um debate parlamentar do Estado da Nação. O gesto, “insultuoso”, foi dirigido a Bernardino Soares, na altura líder parlamentar do PCP, enquanto o então primeiro-ministro respondia a uma questão de Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, a propósito dos empregos nas minas de Aljustrel. Santos Silva, então ministro dos Assuntos Parlamentares, saiu do plenário a pedir desculpa, e Manuel Pinho faria o mesmo: “Peço desculpa, excedi-me”.

Mais tarde, José Sócrates confirmava a saída do ministro da Economia do Governo. “Durante o debate do [Estado da Nação], tive ali umas horas para pensar e pedi ao senhor ministro de Estado e das Finanças [Teixeira dos Santos] que substituísse o senhor ministro da Economia nos próximos meses, até ao final da legislatura”, acabaria por declarar Sócrates aos jornalistas. Mais: “Nada justifica este gesto. Não é admissível e não podia ter acontecido. O ministro tem bem consciência de como isto afeta a imagem de um Governo, quanto isto afeta sua própria imagem como ministro da Economia e, por isso, durante o debate, comunicou-me a sua vontade de se demitir, demissão essa que aceitei”, disse ainda José Sócrates.

Em janeiro de 2008, era Correia de Campos que se demitia do Ministério da Saúde. Estava no meio de uma forte contestação devido à morte de dois bebés e também às supostas falhas no socorro pré-hospitalar. A atuação do INEM esteve debaixo de fogo e a gota de água terá sido um telefonema entre uma operadora do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM e os bombeiros voluntários de Favaios e Alijó. As fragilidades do sistema de emergência médica e a enorme crispação entre doentes e profissionais de saúde estavam à vista de todos e, na véspera de ir apresentar ao Parlamento a rede final de Serviços de Urgência, o ministro demitiu-se. Correia de Campos explicou na altura que abandonou funções pela necessidade de manter “a relação de confiança entre os cidadãos e o Serviço Nacional de Saúde”. Sócrates aceitou e aproveitou para remodelar também o ministério da Cultura, com a saída de Isabel Pires de Lima.

Mas a primeira queda do Governo de Sócrates foi logo no início do primeiro mandato: Campos e Cunha esteve apenas 130 dias na pasta das Finanças e demitiu-se de forma surpreendente. Veio a saber-se mais tarde que o fez porque foi pressionado por José Sócrates a demitir o presidente de então da Caixa Geral de Depósitos, Vítor Martins. Não o fez e essa foi uma das razões para o pedido de demissão — que foi aceite.

Isaltino e as contas na Suíça, Martins da Cruz e as ajudas de Pedro Lynce à sua filha

No Governo de Durão Barroso, de 2002 a 2004, a primeira baixa foi do ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Isaltino Morais. Isaltino pediu a demissão ao fim do primeiro ano de mandato na sequência das suspeitas, levantadas pelo semanário O Independente, sobre rendimentos pessoais do ministro que não teriam sido declarados oficialmente e que estavam numa conta na Suíça. Durão Barroso aceitou o pedido de demissão.

Em outubro de 2003, uma autorização especial dada pelo então ministro do Ensino Superior, Pedro Lynce, para a filha do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, poder entrar no curso de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, sem ter nota para isso, motivou dois pedidos de demissão de rajada: de Pedro Lynce e de Martins da Cruz. O primeiro a cair foi Pedro Lynce. Embora se tenha dito de “consciência tranquila”, Pedro Lynce terá alegadamente criado uma vaga supranumerária ao abrigo dos regimes especiais de acesso ao ensino superior para funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa. Tudo para fazer com que a filha de Martins da Cruz entrasse em Medicina. Martins da Cruz viria a dizer que nunca pediu qualquer favor a Pedro Lynce e apresentou como razões para a sua demissão as “consequências gravíssimas” que o caso estava a ter sobre a sua família, particularmente sobre a sua filha. “Continuo disposto a fazer todos os sacrifícios pelo País, mas não tenho o direito de pedir os mesmos sacrifícios à minha filha”, disse na altura.

Jorge Coelho e a queda da ponte, António Vitorino e a polémica SISA

Por menos se demitiu António Vitorino, então ministro da Defesa de António Guterres. Estávamos em 1997 quando foi noticiado que o ministro da Defesa não tinha pago a SISA (imposto sobre transmissões de imóveis que, em 2004, foi substituído pelo Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) relativamente a um monte que tinha comprado em Almodôvar. Alegadamente tinha declarado um valor inferior ao real, e a SISA só era aplicada na compra de imóveis superiores a seis mil contos (30 mil euros). A notícia estava pronta para ser avançada pelo jornal Público, mas, antes ainda de ser publicada, o socialista convocou uma conferência de imprensa para anunciar a sua demissão.

Em 2001, Portugal assistiu a uma das maiores tragédias com a queda da Ponte de Entre-os-Rios, em Castelo de Paiva, que provocou a morte de 67 pessoas. Jorge Coelho, então ministro do Equipamento Social, pediu logo a demissão, assumindo a responsabilidade política do acidente: “Não ficaria bem com a minha consciência se não o fizesse”, disse na altura. É que o ministro Jorge Coelho tinha visitado há um ano aquela infraestrutura e tinha decidido que era necessário avançar com a construção de uma nova ponte, ao constatar que a antiga, com mais de 100 anos, apresentava “alguma degradação ao nível do tabuleiro”. “A culpa não pode morrer solteira, nesse sentido têm que se tirar as consequências políticas”, disse Jorge Coelho na altura. António Guterres não tentou segurar o ministro, dizendo que o pedido de demissão era “irrecusável”. “É uma atitude de invulgar dignidade de quem seguramente está isento de qualquer responsabilidade pessoal pelos trágicos acontecimentos que enlutam o país”, disse o primeiro-ministro da altura.

Carlos Borrego e a anedota da hemodiálise

Estávamos no Governo de Cavaco Silva, em 1993, quando se deu a demissão do então ministro do Ambiente, Carlos Borrego. Depois de 25 doentes sujeitos a hemodiálise, no hospital de Évora, terem morrido devido a uma intoxicação provocada por alumínio, o ministro ensaiou uma anedota durante uma visita ao Alentejo. “Sabem o que é que no Alentejo – em Évora, melhor dizendo – fazem aos cadáveres das pessoas que morreram ultimamente? Levam-nos para reciclar, para aproveitar o alumínio”, disse, numa piada que lhe custaria uma onda de indignação e lhe custaria mesmo o cargo no Governo.