Quem é Grace Jones? Uma pop star que não gosta de pop, diva que desdenha a categoria, avó que sobe ao palco vestida com pinturas tribais e hula hoop, vibrante e enérgica como uma mulher sem idade. Não é fácil catalogar Grace Jones porque a sua natureza nunca foi encaixar. Beverley Grace Jones, jamaicana, nascida supostamente em 1948, desafia estereótipos desde sempre.

Nos anos 70, negra, esguia e andrógina, não era a modelo perfeita para a indústria da moda na América mas, em Paris, onde viveu com Jerry Hall e Jessica Lange, tornou-se numa preferida de Yves St Laurent, Montana ou Kenzo, apareceu na capa da Elle e Vogue. A sua imagem extraordinária, a ambivalência entre masculino e feminino (que aliás também se manifesta na voz, com Grace Jones a conseguir atingir notas altas e baixas com muita facilidade) fizeram dela um ícone queer, figura exuberante da noite de Nova Iorque da era disco e new wave, emulada por drag queens, admirada por todos, presença habitual no Studio 54.

[trailer do documentário que passa no Doclisboa]

Hoje, com 69 anos, continua a quebrar os tabus de sempre e ainda um novo: o da idade. “Bloodlight And Bami”, documentário de Sophie Fiennes que passa esta sexta feira, dia 20, no Doclisboa, conta a história com detalhes, ou pelo menos parte significativa dela. Esta é uma introdução rápida ao extraordinário mundo desta super mulher.

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Imagem de Marca

A figura de Grace Jones é, em si mesma, maior do que a pessoa. Podemos argumentar que isso é válido para todas as estrelas pop mas, no caso de Grace Jones, isso é especialmente verdade. A sua relação com o fotógrafo, realizador e director criativo Jean Paul Goude também foi uma transformação, uma estilização cirúrgica da sua imagem que acabou por sobrepor-se a tudo.

[“Slave to the Rhythm”]

Goude tornou-a mais alta, mais magra, longilínea e negra, perfeita para as fotografias mas maior, mais mítica do que o real. A sua figura, o boneco criado em seu nome, acabou por estar associado à Citroen numa fabulosa publicidade de Goude que fez de Grace a estrela principal do anúncio ao CX2. Parte desse trabalho foi também aproveitado para o videoclip de “Slave to the Rhythm”, igualmente realizado por Goude.

Mau Feitio

Grace Jones sempre teve fama de temperamental, mas algumas situações são lendárias. Em 1981, num programa de televisão da BBC, Grace Jones atacou fisicamente o jornalista/apresentador Russell Harty, por este lhe virar as costas durante uma entrevista para falar com outro convidado.

Na sua autobiografia ( I’ll Never Write My Memoirs, escrita por Graces Jones e Paul Morley, fundador da ZTT Records e dos Art Of Noise) explica que estava doente, cansada, confusa e que alguém lhe tinha dado má coca antes do programa mas, sobretudo, sentiu-se ignorada e resolveu fazer alguma coisa em relação a isso. Grace Jones foi ridicularizada pela figura que fez em directo na televisão, a sua relevância musical diminuída e votada ao esquecimento mas, por esta altura, começava o seu período criativamente mais interessante.

Recusar Blade Runner

Grace Jones foi convidada para o papel de Rachael, a replicante que não sabe que o é, em “Blade Runner”. Mas recusou devido a uma rivalidade entre o então namorado, Jean Paul Goude, e o realizador Ridley Scott. Goude e Scott disputavam território na publicidade e, segundo Grace Jones, Goude não iria aceitar a ideia de ela fazer um filme importante com outro realizador que não ele, muito menos Ridley Scott, por isso recusou sem sequer ler o argumento.

[Como May Day, no filme “A View to a Kill”]

Acabaria por lê-lo, ficar fascinada e ligar ao produtor para tentar voltar atrás e ficar com o papel mas não conseguiu, que ficou para Sean Young. Aparentemente também recusou um papel em “Flashdance”. “Conan, o Destruidor” (1984), com Arnold Schwarzenegger, e “A View To A Kill” (1985), em que fez de Bond girl, são os seus filmes mais conhecidos.

Amiga dos famosos

Os famosos dão-se com os famosos, mas no caso de Grace Jones, vai do submundo de Nova Iorque à realeza britânica. Além de ter vivido com Jean Paul Goude, com quem teve um filho, foi namorada de Dolph Lundgren. A relação com Lundgren tornou-se tempestuosa no final e uma discussão entre os dois fez com que chegasse três dias atrasada ao estúdio porque estava entretida a destruir a roupa do namorado.

[Grace Jones ao vivo no concerto do Jubileu da Rainha de Inglaterra]

Trevor Horn era o produtor que esperava por ela e as gravações eram de “Slave to The Rhythm”. Grace Jones era muito próxima de Andy Warhol, há muitas fotos que o provam. O rei da Pop Art organizou, com ajuda de Debbie Harry, uma festa de grávida no Garage, um clube em Nova Iorque. Keith Haring também fazia parte do círculo, pintou-a para o video de “I’m Not Perfect”. Quanto à realeza britânica, Grace Jones actuou no Jubileu da Rainha em 2012 e aparentemente ficou íntima o suficiente para fazerem piadas.

Ousadia Musical

Apesar de ter começado a lançar discos em 1977 com protecção do mago disco Tom Moulton, Grace Jones só ganhou de facto relevância com a new wave, com versões para “Private Life” dos Pretenders ou “Warm Leatherette” dos The Normal, e quando abraçou as suas raízes jamaicanas, em Nightclubbing (1981), o álbum produzido pela dupla Sly & Robbie.

[“This is Life”, do álbum “Hurricane”, de 2008]

Slave to The Rhythm (1985), produzido por Trevor Horn (Yes, Buggles, Art Of Noise) é outros dos seus discos mais significativos. O recente Hurricane mostra que quase duas décadas fora do radar não tornaram Grace Jones menos ávida de desafios. Hurricane reforça as ligações ao reggae (tem uma versão dub), mas tem uma visão abrangente, não convencional e serviu de pretexto para um regresso aos palcos onde tem provado que continua uma força da natureza.

Isilda Sanches é jornalista e animadora de rádio na Antena 3