Foi preciso esperar quase três horas, mas valeu a pena: na sétima bateria da primeira ronda, Jack Freestone tomou conta da praia de Supertubos em Peniche com a melhor onda do dia, pontuada com 9.00. No final, o australiano assumiu que nem tinha percebido ao certo a avaliação dos juízes porque só ouvia o público que enchia o areal. Um pouco depois, o ex-campeão mundial Joel Parkinson marcou um 8.93 e, chegado à flash, explicou que as condições do mar não eram as ideais, mas ao mesmo tempo conseguiam desafiar a capacidade dos surfistas.

Assim se podia resumir esta primeira ronda do Meo Rip Curl Pro Portugal, que arrancou esta manhã em Peniche. Os principais favoritos, à exceção de Gabriel Medina, passaram todos de forma direta à terceira ronda. E estávamos na 12.ª bateria com Frederico Morais quando Saca Pires falou ao canal oficial do Circuito Mundial. “Acho que nunca tinha visto ondas assim tão grandes na Supertubos, é um grande desafio. Existem ondas fabulosas, mas não são muitas. Há diamantes na água e é preciso encontrá-los. Se estivesse a lutar pelo título mundial, não gostava de estar ali mas as coisas são mesmo assim. Frederico Morais? Tem estado muito bem, está na luta pelo título de melhor rookie e é um grande orgulho para Portugal, onde o surf é muito grande”, dizia o antigo representante português no Circuito Mundial quando, de repente, se ouviu da sua boca “Oh meu Deus, oh meu Deus… Mick Fanning!”. Estava carimbado o outro 9.00 do dia.

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O australiano não deu hipóteses a Kikas. Tricampeão mundial e bicampeão em Peniche, Fanning é uma espécie de grande líder para a geração de surfistas que lhe seguiu, algo adensado pela ausência por lesão de Kelly Slater. E aproveitando a deixa de Saca, se Frederico Morais é, de facto, um diamante em bruto (e que pode conseguir ser o melhor rookie do ano), Mick Fanning é o eterno diamante. E começou a dar show em Peniche, que contou com uma autêntica invasão de fãs que puderam ver um pouco de tudo nesta primeira ronda.

Julian Wilson, que hipotecou as aspirações ao título no último Quiksilver Pro France ao não passar da segunda ronda em La Graviere, foi o primeiro a garantir a passagem direta à terceira ronda no heat inicial. Antigo vencedor da prova em Peniche (2012), o australiano foi o que melhor lidou com a má condição do mar, bastando um acumulado de 4.97 (3.07 e 1.90) para ficar à frente do italiano Leonardo Fioravanti (4.20) e do brasileiro Caio Ibelli (2.03). E tanto que o rookie transalpino precisa de um bom resultado para subir na classificação…

As condições não melhoraram muito para a segunda bateria, composta na totalidade por australianos, mas ainda assim já se conseguiram ver ondas com capacidade para duas manobras (ou pelo menos uma boa). Stuart Kennedy foi liderando durante grande parte da bateria, depois de ter somado um 4.13 que o colocou com o total de 7.90, mas Matt Wilkinson, atual quinto classificado que ganhou este ano o Fiji Pro, fez valer a sua experiência e conseguiu um tubo que lhe valeu um 5.17, num total de 9.84 final. Bebe Durbidge ficou-se pelos 7.44.

O terceiro heat contava com o australiano Owen Wright, que abriu a temporada a ganhar o Quiksilver Pro Gold Coast e ocupa o quarto lugar do Circuito Mundial (embora com quase 12,000 pontos de atraso de John John Florence), mas a história foi escrita sobretudo entre o rookie Ethan Ewing e o finalista vencido no ano passado em Peniche, Conner Coffin. O australiano somou um 3.87 a um tubo que lhe rendera 6.50 (total de 10.37) antes do americano, que já tinha partido uma prancha, arrancar também um tubo e seguir para a praia ainda com dois minutos de bateria. A nota seria suficiente? Não foi (6.17). E Coffin acabou com 9.34 (Wright fez 9.33).

O primeiro candidato ao título, mesmo numa posição ainda de outsider por estar na terceira posição, entrou em ação na quarta bateria. Com a mãe Simone num areal cada vez mais composto de Peniche (até porque as condições do tempo foram melhorando tal como as ondas), Gabriel Medina travou um duelo muito interessante com Josh Kerr: o australiano fez o melhor tubo do dia até esse momento (6.33), o brasileiro respondeu com um ainda melhor (7.67), fez os possíveis e os impossíveis para marcar um 3.20 numa onda que quase não dava para fazer nada mas viu o australiano sacar mais um tubo com uma saída perfeita que lhe valeu um 6.50. No final, Kerr já igualou o melhor resultado da época ao passar diretamente para a terceira ronda (12.83), terminando à frente do campeão mundial de 2014 (10.87). O também brasileiro Wiggoly Dantas teve uma manhã para esquecer (2.90).

Era altura de entrar na água o primeiro português em ação no dia, Vasco Ribeiro. O mesmo que, em 2015, conseguiu fazer uma semana fabulosa em Peniche, perdendo apenas nas meias-finais frente Ítalo Ferreira. No entanto, o tetracampeão nacional tinha pela frente o brasileiro que o tinha derrotado em 2015 e o vice-campeão e atual vice-líder do Circuito, Jordy Smith (que está de tal forma focado na prova que nem foi à Luz ver o Benfica-Man. United, como teria feito em condições normais). Até meio da bateria, não houve ondas e a única nota foi mesmo a segunda prancha partida do dia (Ítalo); depois, o sul-africano puxou dos galões e, mesmo com as condições das ondas a caírem de novo, conseguiu um 5.17 e um 4.03 que lhe deram a vitória com 9.47 à frente de Vasco Ribeiro (3.64, naturalmente comemorados com grande ênfase no areal) e Ítalo Ferreira (2.04).

“O mar está muito complicado, temos de nos tentar adaptar e estar no sítio certo, mas há ondas por todo o lado. Sinto-me bem, é sempre bom estar aqui em Peniche. A estratégia passa por estar ativo e tentar estar no sítio certo, mas o mar está a crescer e há poucas ondas boas. É ótimo sentir o apoio dos portugueses aqui na praia, não há nada como competir em casa. Que venha a segunda ronda”, disse no final Vasco Ribeiro

De seguida, John John Florence na água. Estávamos no heat 6 e, depois da passagem direta de Jordy Smith à terceira ronda, o campeão do mundo e atual líder do Circuito Mundial não ficou atrás, confirmando que está mesmo apostado em repetir o cenário do ano passado em que assegurou o título com um triunfo em Peniche: sempre em vantagem na bateria, juntou ao 4.00 um excelente 7.67, num total de 11.67 que não seu a mínima hipótese ao também havaiano Mason Ho (3.67) e ao americano Kanoa Igarashi, que passou ao lado da ação (0.50).

A meio da primeira ronda, e com a praia cada vez mais cheia (tão cheia que, a certa altura, a maré começou a encher e ainda apanhou alguns mais desprevenidos no areal), havia espetáculo sem grandes ondas. Que é como quem, o mar estava muito longe de ser perfeito mas conseguia sempre colocar à prova a capacidade dos surfistas pelas dificuldades. Mas num heat onde estavam Adriano de Souza e Jeremy Flores, que se dão bem nos tubos (sobretudo o primeiro), Jack Freestone fez o impossível e saiu de um tubo que parecia estar sempre na iminência de fechar. Foi a melhor nota do dia até então, 9.00 (e o próprio admitiu quando saiu da água que o barulho dos fãs no areal era tanto que não conseguiu ouvir o veredicto dos juízes). E decidiu a favor do australiano a bateria, que terminou com um total de 14.90 à frente do brasileiro (12.67) e do francês (4.33).

Seguiu-se mais uma bateria emocionante e coroada com outra grande manobra que se revelou decisiva para encontrar o vencedor: Filipe Toledo, que este ano já venceu duas etapas do Circuito Mundial na África do Sul (uma final com Frederico Morais) e nos Estados Unidos, começou com um 6.67 e liderou grande parte do heat, mas Michel Bourez arrancou uma fantástica onda que lhe valeu um 8.50 e… uma prancha partida. O taitiano passou à terceira ronda com um acumulado de 12.00, contra 7.74 do brasileiro e 4.73 de outro canarinho, Jadson André.

E se as manobras de Freestone e de Bourez tinham impressionado, o que dizer daquilo que fez Joel Parkinson? O antigo campeão mundial em 2012, que procura ainda a sua primeira final em Peniche, conseguiu a segunda melhor onda do dia (8.93) e, quando passou pela flash, deu uma imagem perfeita do sentimento geral entre todos os surfistas: o mar pode ser complicado, mas coloca desafios que quem gosta de surfar não consegue resistir até encontrar aquela onda que possa ameaçar a nota 10. O australiano venceu com 13.50, à frente do americano Nat Young (9.27) e do francês Joan Duru (4.73), que foi pela primeira vez o melhor rookie na última etapa.

O décimo heat quebrou a regra que parecia estar instituída nas baterias anteriores, com ausência de grandes ondas ou notas. Ainda assim, valeu pela emoção: o americano Kolohe Andino, que tinha 6.66 (4.83 e 1.83), acabou por ser ultrapassado a três minutos do final pelo brasileiro Miguel Pupo, que juntou ao 3.67 um 4.33 (8.00). O australiano Connor O’Leary, que luta com Frederico Morais pela posição de melhor rookie do ano (e que ficou pela segunda ronda na última etapa, em França), terminou na terceira posição com 5.17.

Num areal à pinha, já se esperava pela entrada em prova de Frederico Morais, na bateria que ia fechar esta primeira ronda. Mas ainda havia o 11.º heat, que terminou com a vitória de Sebastian Zietz, que conseguiu a única onda boa durante os 30 minutos (6.50). O havaiano garantiu acesso direto à terceira ronda com 9.77, superando o australiano Adrian Buchan (7.90) e o havaiano Ezekiel Lau (3.97). E chegava o momento: Kikas estava na água.

Frederico Morais não conseguiu uma grande onda, terminando com um acumulado de 6.84 (4.17 e 2.67), ainda assim superior ao brasileiro Ian Gouveia (4.50). Já o experiente Mick Fanning, três vezes campeão mundial (e que já ganhou duas vezes em Peniche), conseguiu não só igualar a melhor onda do dia (9.00) como alcançar o melhor total: 15.50. Tal como Vasco Ribeiro, também o cascalense foi remetido para as repescagens.

“Seria muito complicado com qualquer atleta. O mar estava um autêntico totoloto, tanto vem uma onda muito boa como depois não vem nada. Ele [Mick Fanning] apanhou uma ou duas ondas ótimas, uma excelente e outra muito boa, e é difícil combater isso. As condições não estão excecionais, mas há ondas excecionais e se essa onda vier para nós, vai ser a onda da nossa vida. Está difícil, um bocado no limite, mas é para isso que cá estamos, para nos pormos à prova, e acho que tivemos bom surf o dia todo”, comentou Frederico Morais