Alguns milhares de pessoas formaram neste sábado um cordão humano ao longo de várias centenas de metros na ciclovia da Estrada Atlântica, na Praia da Vieira, concelho da Marinha Grande, distrito de Leiria, em protesto contra os incêndios no país. A iniciativa criada individualmente por uma moradora em Leiria ganhou dimensão na internet. A partir da manifestação na Praia da Vieira de Leiria, outras foram lançadas na região, fortemente atingida pelos incêndios de 15 e 16 de outubro, em que foram consumidos mais de 18 mil hectares de floresta.

“A ideia surgiu porque sou mãe e fiquei muito indignada com a quantidade de mortos e por não haver ninguém responsável por isso”, disse Alexandra Cabral, nos primeiros minutos do protesto silencioso. A responsável pela iniciativa lembrou a “zona desoladora” em que se transformou o Pinhal de Leiria e assumiu esperar que o cordão humano ajude a encontrar respostas.

“Se fizer alguma coisa de mal a alguém, sou responsabilizada. Aconteceram muitas coisas más aos portugueses e ninguém é responsabilizado por isso. Eu preciso de respostas, preciso de responder aos meus filhos”, disse Alexandra Cabral, que ficou surpreendida com a resposta à iniciativa. “Interessa sobretudo que nos estejamos a manifestar. Quero que vejam que somos muitos. Entre a Foz do Arelho e Osso da Baleia há grupos concentrados para o mesmo evento. Precisamos de respostas”, recordou.

Presente na manifestação, o presidente da Câmara da Marinha Grande, Paulo Vicente, considerou a iniciativa popular “louvável para dar a conhecer o que sucedeu”. “O que aconteceu foi por algum desleixo nas nossas propriedades, umas do Estado, outras particulares. Assim chegámos a este desastre que aqui tivemos. Que saibamos tirar daqui ilações, para que não se cometem erros no futuro. Nesta geração já não vamos ter o pinhal como era”, lamentou o autarca.

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O investigador e estudioso no Pinhal de Leiria, Gabriel Roldão, também engrossou a multidão que alinhou ao longo da Estrada Atlântica. “É um momento grave e doloroso. Esta é uma manifestação que mostra como reage uma população que ama este território”, sublinhou.

Gabriel Roldão, que reuniu com o ministro da Agricultura há dois dias, censura o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) por estar “a tomar uma atitude de avestruz” face ao incêndio. “Os senhores do ICNF têm de tirar os casaquinhos escuros e vir para o terreno falar com as populações, que conhecem a floresta. É uma organização que se portou muito mal com as florestas nacionais e tem de pagar por isso. Pedi ao senhor ministro que demita todos os poderes em funcionamento no ICNF. Não pode ser de outra maneira”.

A manifestação serviu também de homenagem aos bombeiros, recebidos com salvas de palmas à chegada de cada viatura. O comandante dos Voluntários da Marinha Grande agradeceu o momento. “É muito bom sentir que a população demonstra a sua gratidão. É um misto de alegria e tristeza, porque era preferível não estarmos aqui. Isto é sinal do carinho que sentem por nós. Mas se isto não existisse, era sinal de que nada disto tinha acontecido”, disse Vítor Graça.

O responsável dos bombeiros da Marinha Grande avisou ainda que o incêndio do Pinhal de Leiria não terminou. “As pessoas julgam que o incêndio deu tréguas, mas não. A chuva minimizou as coisas, mas continuamos a ser chamados por reativações”, sublinhou. No coração do pinhal há ainda muitos pontos onde se vê fumo. Para Vítor Graça, os bombeiros estão “a fazer o serviço que não nos compete a nós e que competiria a outras entidades ter feito”.

O comandante dos bombeiros da Marinha Grande deixa para mais tarde as acusações. “Quais? Não é neste momento ideal nem oportuno. Mas os bombeiros têm razão de queixa, a população marinhense tem razão de queixa. Toda a gente tem razão de queixa quanto ao que se passou nas matas nacionais”.