Imaginemos espiões, crianças e adolescentes com menos de 17 anos, órfãos, a serem recrutados de casas de acolhimento para apanharem os vilões e os maus da fita, sob o alto comando dos Serviços Secretos Britânicos. É este o universo da série literária infantojuvenil que Robert Muchamore criou e lançou para o mundo em 2004 com a publicação de “O Recruta”, primeiro livro da coleção “CHERUB”, o nome de código escolhido para esta unidade de espionagem.

Desde o primeiro lançamento, surgiram mais 16 livros da série e todos com tradução para português. O escritor de 44 anos, que em 2005 deixou o emprego como detetive privado para se tornar escritor a tempo inteiro, conquistou a crítica, prémios literários e as vendas. No entanto, a controvérsia nunca ficou verdadeiramente dissociada dos livros de Muchamore. A série “CHERUB” foca temas como a sexualidade, a violência, as drogas e factos históricos como o nazismo e os espiões da Segunda Guerra Mundial.

Apesar de ser uma trama ficcional, o escritor acredita que os livros aproximam-se muito daquilo que as crianças e adolescentes querem ler e que os pais evitam comprar para os filhos. O primeiro livro de “CHERUB”, O Recruta, teve uma versão inicial em que o confronto físico entre duas personagens era mais violento do que o que ficou escrito em 2004. Hoje, Robert Muchamore confessa que tem moderar o que escreve. No entanto, admite que essa moderação veio com a perspicácia que a literatura infantojuvenil exige e com a experiência que ganhou como escritor.

A série “CHERUB”, a celebrar dez anos em Portugal, trouxe Muchamore de volta ao nosso país, onde já esteve na Feira do Livro de Lisboa em 2011 e 2015. O escritor britânico tem ainda mais duas séries publicadas: “Henderson’s Boys”, uma pré-sequela da organização dos jovens espiões, e “Rock War”, que segue cinco grupos de adolescentes que tentam a sua sorte no mundo da música.

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Killer T poderá ser o próximo livro publicado, mas o escritor ainda está a tentar reunir o interesse de algumas editoras estrangeiras. A história é um thriller futurista, onde um jovem casal tenta sobreviver a um vírus que vai atingir toda a humanidade.

Os livros de Robert Muchamore em Portugal são publicados pela Porto Editora.

Desde que deixou o emprego como detetive privado em 2005 para se tornar um escritor a tempo inteiro, a vida tornou-se menos aborrecida?
Tem havido coisas muito entusiasmantes enquanto escritor, como vir a palestras em Portugal (risos), Austrália, França e Alemanha. Ver e estar em sessões de autógrafos com muita gente é obviamente muito enriquecedor, mas a profissão de escritor é também muito solitária. Passa-se muito tempo sozinho a escrever. Portanto, é bom fazer coisas como estas, porque na maior parte do tempo, estou sozinho. Nas sessões deste tipo conheço os fãs e acabo por sair de casa.

Então podemos afirmar que imaginar um mundo de jovens espiões é mais entusiasmante do que investigar histórias de vidas reais?
Sim, acho que podemos dizer isso (risos).

Muitas pessoas perguntam como é que o Robert encontra inspiração e ideias para os seus livros, mais propriamente na série de livros “CHERUB”. Alguma vez utilizou uma história verídica baseada na sua experiência como detetive privado?
Na verdade, não. Não há grande comparação: numa série de televisão há um polícia que descobre tudo, persegue o tipo mau e resolve o crime; na vida real, não acontece nada disto. É apenas trabalho de escritório e fazer algumas chamadas telefónicas. Não se assemelha nada ao que vemos no cinema ou na televisão.

O Robert responde a todos os emails que recebe dos fãs.
Sim, em inglês (ri-se).

Qual foi a mensagem mais engraçada ou estranha que recebeu por email?
Aquelas mensagens que eu gosto mais são as de que os meus livros são um pouco controversos. E uma vez recebi a mensagem de um miúdo que dizia: “Os seus livros desapareceram como um relâmpago desde que o diretor os baniu da nossa escola”. Eu sempre adorei esta frase, acho que é muito engraçada.

No entanto, há leitores que já se queixaram de receber as mesmas respostas, porque talvez tenham feito o mesmo tipo de perguntas. Os leitores do Robert são muito exigentes?
Acho que não. Não são. (risos)

As redes sociais mudaram de alguma forma a relação que tem com os leitores? Quando o livro O Recruta foi lançado, em 2004, a Internet ainda não tinha a mesma influência de hoje.
A coisa mais interessante em relação a isso é a rapidez com que muda. Dantes havia fóruns online para os fãs e isso morreu um pouco desde que o Facebook apareceu. E agora os meus fãs mais novos já não usam Facebook, usam Instagram. É muito difícil manter-me a par e saber exatamente onde é que eles estão. É uma tarefa árdua, mas temos [equipa de Robert Muchamore] feito o nosso melhor. No Twitter, tenho bastante seguidores, mas não são muito jovens. A maioria são bibliotecários ou livreiros.

Os fóruns de fãs do Robert ainda existem?
Sim, existem. Mas já não são muito populares. Os fóruns eram uma grande ferramenta há alguns anos. Os miúdos chegavam da escola e iam logo escrever neles. O que estava a dar, naquela altura, eram o Microsoft Messenger e o Hi5.

Os fóruns podem ser um mundo de muita discussão e debate de ideias entre os fãs, nomeadamente na literatura juvenil. Os leitores do Robert discutem muito as suas opções?
Sim. Quando um livro é lançado e há algum detalhe que é impopular, isso acontece. Como por exemplo, uma personagem tem uma missão e a outra não, a namorada de um torna-se a namorada de outro, um casal de namorados termina a sua relação – “Eles deviam ficar juntos para sempre!”. São este tipo de situações que costumam chatear os leitores. As relações entre as personagens são os temas que os leitores acham mais interessantes, não propriamente quem é o vilão ou qual será a próxima missão da “CHERUB”.

O Robert não gosta de livros de fantasia. Fica irritado quando as pessoas dizem que têm como livro preferido a saga Harry Potter, porque acredita que esses leitores nunca ler mais nada na vida. Admite, no entanto, que a sua audiência é a mesma que a de J.K. Rowling?
Sim, claro. Eu sei que a maior parte dos meus leitores gosta de Harry Potter e se eu disser mal da saga, sei que vai irritá-los. Nada há nada de errado com a saga Harry Potter. Às vezes, só quero atiçá-los um bocadinho.

Os livros da série “CHERUB” têm temas fortes como violência, sexualidade e drogas, o que não é muito usual na literatura infantojuvenil. Acredita que a maior parte dos livros publicados para crianças e adolescentes tende a suavizar ou esconder determinadas realidades?
O que eu acho mais interessante é que me tornei bem-sucedido em certos países, onde os parâmetros são muito diferentes. Nos países escandinavos, eles não têm qualquer problema com o tema do sexo nos livros; são muito mais liberais nesta temática do que, por exemplo, no Reino Unido. Os americanos são muito pudicos no que toca à sexualidade, mas têm uma atitude muito relaxada perante a violência. Livros como a triologia “Hunger Games (Jogos da Fome)” [de Suzanne Collins] nunca seriam publicados no Reino Unido se não tivessem tido sucesso primeiro nos Estados Unidos, porque há realmente muita violência. Os vários países têm paradigmas muito diferentes e tento fazer um esforço para deixar toda a gente contente.

O Robert já disse em entrevistas que achava que os pais tinham alguma reserva em comprar os seus livros. Isto mantém-se ou acha que as vendas que teve vieram provar o contrário?
Acho que é um pouco de tudo. Há miúdos que serão um pouco controlados e não se importam com isso, outros gostam de ler os meus livros porque são “perigosos” e ousados. Os pais variam muito. Haverá certamente pais que acham que um miúdo de 14 anos não deve ler um livro onde estejam escritos palavrões, outros deixam que os filhos leiam Stephen King ou John Grisham. Há tantas opiniões entre os pais que se torna difícil deixar toda a gente feliz. O que eu costumo dizer é que escrevo aquilo que gostaria de ter lido quando tinha 12 ou 13 anos. Se mantiver este pensamento na cabeça, certamente não irei desiludir os meus fãs. Os pais podem ter de se preocupar com isso, mas eu não (risos). Eu preocupo-me com os leitores, apenas.

No entanto, no primeiro livro da série “CHERUB”, “O Recruta”, havia uma versão mais violenta do confronto físico entre as personagens James Choke e Samantha Jennings.
Sim, porque o que aconteceu nessa altura é que era o primeiro livro que eu escrevia. Havia parâmetros e convenções na literatura infantil que eu não podia ultrapassar. Agora já entendo melhor o que é possível publicar e o que não é, e como as pessoas irão reagir a certas coisas. Resume-se tudo a experiência. Quando escrevi esse livro, provavelmente a primeira versão era mais violenta, do que uma editora no Reino Unido alguma vez poderia publicar. Portanto, alguma da violência desceu um bocadinho ou ganhou outra forma.

Mas quando o Robert escreve, sente a necessidade de atenuar algumas características pelo facto de o público-alvo serem crianças e adolescentes?
Sim. Obviamente não posso ter qualquer tipo de conteúdo sexualmente explícito e não posso usar determinadas palavras. Tudo o que seja sexo ou violência tem de ser moderado. Os meus livros poderão ter aquilo que se chama de “conteúdo controverso”, mas ainda é muito diferente de um livro para adultos. Não colocaria muitas das coisas que são escritas em livros para adultos, mais propriamente as partes mais violentas.

O próximo passo para a série “CHERUB” poderá ser um filme. Como está este processo a decorrer?
O filme nunca aconteceu. Estamos a trabalhar no que poderá vir a ser um projeto de uma série de televisão, baseado nos primeiros livros da “CHERUB”. Mas este processo ainda está nos primeiros passos, ainda não há nenhuma cadeia de televisão interessada. Quem sabe? Pode acontecer dentro de um ou dois anos ou talvez nunca (ri-se).

Quais são os próximos trabalhos?
Penso que os próximos livros a serem publicados em Portugal serão o quarto e o quinto livro da série “Rock War”. Escrevi um livro chamado Killer T que vai ser publicado no Reino Unido no próximo ano, mas ainda não temos uma editora portuguesa confirmada para este livro.