Depois do sucesso crítico e comercial da primeira aventura em videojogo mais “a sério” da famosa série de animação de Trey Parker e Matt Stone, “South Park: The Stick of Truth”, que trouxe todo o elenco de South Park para a magia do faz-de-conta das brincadeiras de rua, chega um novo capítulo.

Três anos depois desse primeiro jogo produzido pela Ubisoft (provavelmente o jogo mais importante que a série teve) Cartman, Kyle, Stan, Kenny e dezenas de outros personagens que fazem a controversa história de South Park regressam novamente ao universo dos RPGs, mas deixam a fantasia de lado e abraçam a imaginação dos super-heróis, tão em voga no universo cinematográfico mainstream.

A curiosidade deste “The Fractured but Whole” (sendo que “but” é quase a palavra inglesa para “rabo” e “whole” diz-se da mesma maneira que “buraco”) é a forma como consegue representar as lutas titânicas fictícias passadas nas brincadeiras de rua que as crianças têm (ou tiveram) e com as quais muitos ainda se identificam. South Park é invadido por uma guerra de equipas de super-heróis e vilões super-poderosos que tentam controlar o mundo da única maneira que lhes é acessível: ter o máximo de seguidores possível no Coonstagram, a rede social lá do sítio e que é o medidor da popularidade dos grupos rivais.

Neste jogo voltamos a encarnar o silencioso “Miúdo Novo da Rua”, cujo aspeto físico podemos customizar à nossa vontade. Antes do lançamento do jogo já as redes sociais se incendiavam com uma provocação típica de “South Park”: a escolha do tom de pele decretaria quão difícil o jogo seria: se branco-pálido, o jogo passa a ser Muito Fácil; se negro, o jogo passa a ser Muito Difícil. É claro que depois de muito debate em torno desta opção, os autores acabaram por admitir que isto era apenas uma piada política e social, e que as alterações práticas eram inexistentes durante todo o jogo, e que em nada alteravam o desafio que este representava.

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É neste clima de humor errado que o jogo, assim como a série, se movimenta. Entre o nosso personagem ser aliciado para estar numa arrecadação mal-iluminada com 2 padres católicos, passando pela facto do personagem Jimmy Valmer, um dos personagens com deficiência física da série de animação, ter um alter ego em que é uma espécie de Flash chamado Fastpass.

South Park: The Fractured but Whole parece, no entanto, controlar-se muito em relação ao que nos habituou da série. O humor, ainda que muitas vezes a pisar o risco do politicamente incorreto, é muito mais refreado do que os momentos em que a série de animação esticou a corda, especialmente para o público norte-americano. As piadas aqui parecem sofrer por essa contenção: ficam sempre a meio termo entre o humor pueril e as fart jokes (considerando que o nosso protagonista possui uma flatulência especial que lhe permite dobrar a continuidade espaço-temporal), a piada fácil e recorrente de termos de utilizar todas as sanitas que encontrarmos, o humor mais típico da série de televisão.

Mecanicamente, o jogo sofre algumas diferenças face ao seu antecessor. “The Fractured but Whole” é um RPG em mundo semi-aberto em que podemos movimentar-nos para qualquer sítio de South Park que nos esteja acessível e fazer um conjunto de missões principais e secundárias (que passam por exemplo em arranjar espetáculos como comediante a um dos polícias da esquadra local), a procurar armários e gavetas por componentes que nos permitam fazer novos fatos de super-heróis e outros itens, além de interagir com os muitos cidadãos da pequena vila na tentativa de tirar uma selfie com eles e fazê-los nossos seguidores no Coonstagram.

O combate continua a ser por turnos mas com uma alteração em relação ao jogo anterior: em “The Fractured but Whole” todas as batalhas desenvolvem-se por turnos numa grelha quadriculada com 3 filas, e onde temos de posicionar os nossos personagens para fazer o melhor uso dos seus poderes e habilidades, num sistema mais tático que permite uma maior dimensão estratégica a todo o jogo.

“South Park: The Fractured but Whole” não é apenas um jogo com imenso conteúdo e com mais de vinte horas de diversão, mas é também um tributo a todo o universo de humor, indecência e provocação de “South Park”. O aparecimento de dezenas de personagens conhecidos, de localizações frequentes da série, associado a muitos pormenores que os mais acérrimos fãs da série vão perceber, tornam-no um objeto obrigatório para quem segue religiosamente as criações de Parker e Stone.

A diversão e a ligeireza com que o jogo consegue transportar toda a imaginação das brincadeiras de crianças, o faz-de-conta dos super-heróis com que todos nós ocupámos tardes no recreio, intercalados com momentos deliciosos como algumas lutas serem momentaneamente interrompidas com a passagem de um carro e todos os personagens terem de se deslocar para o passeio antes de resumirem a refrega que os leva ali. Estes são alguns dos elementos que fazem deste “The Fractured but Whole” não só um excelente jogo para os fãs de “South Park”, onde a tecnologia permite confundir visualmente o jogo com a própria animação original, mas também um excelente RPG por turnos com uma boa dimensão narrativa, mecânica e com um humor que só agradará a alguns, e que é, assim como a série de TV, destinado exclusivamente para adultos.

E não precisamos de muito tempo para perceber se e como é que aqueles sacanas vão matar o Kenny.

“South Park: The Fractured but Whole” está à venda para PS4, Xbox One e PC por 59,99€.

Ricardo Correia, Rubber Chicken