— Oh Pedro, pede por favor um elástico à Inês. Vim aqui de cabelo solto cheia de confiança e agora estou morrendo de calor…

Elástico entregue, cabelo amarrado, vamos lá. Mallu Magalhães ainda só tinha tocado umas quatro músicas, mas já estava a aquecer por dentro. Afinal, a menina com “olhos cor da terra” tem mesmo “coração vulcânico”. Mais duas músicas e um golo de água.

— Ah! Agora que bebo água é que percebo que me esqueci de passar batom… Bom, se a minha boca parecer muito pequena vista daí, é só impressão, viu?

E ri-se. Ri-se sempre. Ou de nervoso miudinho, igual aquele de quem não sabe bem onde pôr as mãos, ou de felicidade. É que Mallu está “muito feliz” de estar no Tivoli, em Lisboa, com a sala esgotada na reta final da digressão do “Vem”. E faz questão de o dizer muitas vezes. “Acho que já declarei a minha felicidade umas 30 vezes hoje, mas é bom demais estar nesta sala linda com vocês. Fazer o quê?”

Fazer nada, não. Só cantar, com o seu jeitinho de menina-mulher, de 24 anos, que põe um sorriso enternecido na cara de qualquer um. Mallu já não precisa sequer de soltar o cabelo e passar o batom — apesar de os primeiros acordes de “Velha e Louca”, (que não deixa que lhe tirem o riso frouxo com nenhum conselho porque ela passou batom vermelho), ainda fazerem muito sucesso na plateia. Mallu Magalhães tem um álbum firme e um concerto bem estruturado, que lhe dá a dose de confiança necessária para a deixar fazer aquilo que sabe fazer melhor: ser genuína.

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O arranque “Pelo Telefone” até nem foi o melhor do mundo. Talvez tenha sido “Culpa do Amor”, ou só uma “briga de aluguer”, mas como “nem tudo o que foge dos planos dá errado”, depois de dar as boas noites ao público e de sentir o calor de volta, Mallu respira e sente-se em casa. Afinal, Lisboa, como São Paulo, também é a sua casa, onde mora há cerca de quatro anos. Já passou. Põe o microfone ligeiramente mais alto do que seria apropriado para a altura que tem: adora esticar o pescoço, pôr-se em bicos de pés, ondular o corpo, puxar as mãos para o cabelo e balançar. “Me sinto óptima”, canta agora. “Cansei de carregar milhões de medos (…) Eu gosto do gosto da coragem”. Por isso se perguntarem por ela, digam que está “óptima”.

E está mesmo. O que tínhamos ouvido no disco é o que vemos em palco: menos melancolia gratuita, mais entrega aos outros. Mais destaque na banda de seis homens que a rodeiam e que vão trocando de instrumentos à medida que a música gira. Há saxofone, percussão, pandeiretas, maracas e mais sopros. Além das guitarras, viola ou violão, que a própria troca a cada instante. Há Mallu a flirtar com as palavras e a seduzir a bossa nova. “Linda!”, ouve-se da plateia num momento de silêncio. E aí vêm as covinhas nas bochechas e o riso nervoso outra vez: “Obrigada…”.

A felicidade de Mallu Magalhães “está nos microssegundos”, como diz uma das canções mais aguardadas da noite (“Vai e Vem”), que só veio no encore. Mas dizer isso é dizer que a felicidade está em toda a parte, nas pequenas coisas como nas grandes. Está nas canções mais sofridas de Pitanga, como a “Cena” (“vou fazer cena amor/p’ra ver se vale a pena a dor”), ou aquela que diz “Olha só, moreno do cabelo enroladinho, vê se olha com carinho p’ro nosso amor”, e que tem o nome de Marcelo Camelo (o marido, também músico) escrito em toda a parte. Mas também está nas canções mais brasileiras e mais corajosas do Vem: em “São Paulo”, onde a voz lhe falha enquanto redescobre os pequenos prazeres de casa, na “Linha Verde”, a sua preferida, ou na “Você não Presta” e “Será que um dia”, as mais dançáveis que obrigam duas ou três pessoas a levantar-se das cadeiras do Tivoli.

É que com o “Sambinha bom” no “pé descalço de pescador”, Mallu tem mesmo a “alegria como dom”. “Em cada canto” vê “o lado bom”.

Só lhe faz impressão ser a única a ter de falar e de se mexer numa sala tão apinhada. “Vocês estão aí tão quietinhos…”, lamenta, tanto para o público que está sentado, como para a banda que, bom, não é suposto que saia dos seus lugares. Fred, o baterista de Orelha Negra que a tem acompanhado em todos os seus projetos musicais recentes, é a sua bengala. Olha para ele várias vezes em busca de auxílio. “Vai Fred, começa aí”. A descontração faz parte do charme, e desta vez Mallu trouxe “muitos amigos de São Paulo” para a plateia. Um deles até é o compositor de um das canções (“Culpa”) que vai ali cantar — “puxa, que responsabilidade”.

É. Mallu Magalhães “convidou todo o mundo para a sua festa” e até deu um bombom como reverso da medalha: logo a seguir a dizer que “Você não presta”, ofereceu de bandeja a tão acarinhada “Mais Ninguém”, do projeto Banda do Mar, onde se ouve dizer que “só espero que não venha mais ninguém, assim eu tenho você só p’ra mim… Fazemos a festa, somos do mundo, sempre fomos bons de conversar”. Mallu Magalhães está feliz, está em casa, e apesar de teimar em pôr-se em bicos de pés enquanto dança, já não precisa. Agora já “não há mesmo quem segure a coragem dos seus 24”.

P.S. Mallu despediu-se, não tendo mais nenhum concerto agendado, para já, em palcos portugueses. Mas o agradecimento a Lisboa já o tinha feito umas horas antes de pisar o palco do Tivoli: uma aguarela da cidade, pintada por ela, em jeito de despedida. “Deixo essa pintura feita com o carinho que há na gratidão desse amor que já dura. Muito obrigada, Lisboa”. “Até do teu frio aprendi a gostar”.