Trinta e sete pontos com os Boston Celtics (108-100). 34 com os Cleveland Cavaliers (97-116). 44 com os Portland Trail Blazers (113-110). 32 com os Charlotte Hornets (103-94). 147 pontos nos primeiros quatro jogos, um recorde nos Milwaukee Bucks que supera os números de Kareem Abdul-Jabbar em 1970. Giannis Antetokounmpo fez história. Mas melhor do que essa, é contar a sua. Essa é a verdadeira história.

Há cinco anos, Giannis estava nas ruas perto da Acrópole a vender relógios, óculos escuros, brinquedos e jogos de vídeo, enquanto os pais, nigerianos que se tinham mudado de Lagos para Atenas em 1991, iam tentando controlar a polícia com medo que lhes pedissem identificação e papéis de residência e fossem deportados. Às vezes estava de manhã à noite a ajudar os pais, Charles e Veronica, mas não conseguia juntar o suficiente para o jantar dele e de uma família grande (tinha quatro irmãos, que também jogam basquetebol e futebol). “Não posso colocar isso de parte. Não posso dizer ‘fiz isso, já acabou’. Vou levar sempre isso comigo, porque foi onde aprendi a trabalhar tanto. Os resultados nunca estavam garantidos, mas a verdade é que hoje, se trabalhar, tenho resultados. É o maior sentimento que tenho”, contou numa extensa reportagem à Sports Illustrated no início do ano. E é isso que lhe dá força para sair da sombra na NBA.

O miúdo de 22 anos é a grande revelação da NBA até ao momento. Mas isso não quer dizer que seja propriamente uma novidade: depois de Kobe Bryant, antigo campeão pelos Lakers, ter desafiado o grego a ganhar já este ano o prémio de melhor jogador da temporada (MVP), Kevin Durant, uma das maiores estrelas dos campeões Golden State Warriors, admitiu numa conversa com fãs no Youtube que, “se quiser, Giannis pode ser o melhor jogador de todos os tempos”. Pode parecer exagerado, mas não há ninguém melhor para falar do que quem tem de lidar com ele em campo. Porque é aí que, por mais que se tente, é complicado encontrar respostas para conseguir travar aquele que entretanto se tornou o herói do bairro de Sepolia, onde cresceu.

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“Ele quer ser grande. Ele quer crescer connosco a colocar-lhe mais responsabilidades em cima, mas diria que a sua maior capacidade é ouvir, digerir o que lhe dizemos e traduzir isso no campo. Ele digere tudo, não apenas o bom mas também o mau”, contou ao SB Nation Jason Kidd, antigo base que é agora treinador dos Bucks.

Ouvir é a coisa mais importante. Por norma, quando somos novos, achamos que sabemos tudo, mas não sabemos nada e temos sempre de continuar a ouvir”, destaca o jogador.

Há uma história (longa), mas curiosa, e que explica bem quem é esta personalidade singular com percurso único que está a tomar conta de um mundo de atletas que começam a jogar mal andam e que fazem todo o seu trajeto a pensar nessa possibilidade de chegar à NBA e poder ser alguém no mundo do desporto.

A Sports Illustrated conta uma conversa de John Hammond, o general manager dos Bucks, em 2013, ano em que Giannis começava a aparecer como destaque na Segunda Liga grega e era cobiçado pelas principais equipas europeias (chegou mesmo a comprometer-se com o Zaragoza, mas nunca passou por Espanha). E admitiu que a equipa não podia recrutar uma super estrela, visando outros cenários para isso: ou tinha muita sorte e, no sorteio do draft, conseguia a primeira posição (tinha 1,8% de probabilidades); ou conseguia um jogador de topo sem contrato; ou procurava em mercados mais pequenos e alternativos um golpe de génio. No final, de forma informal, disse que ia sair do país por uns dias. Inquirido nesse sentido, disse onde: Grécia.

Quando assistiu a um jogo do Filathlitikos, onde começou a jogar nas camadas jovens com 13 anos e subiu a sénior em 2012, antes de fazer 18, Hammond percebeu o que tinha ali à frente, apenas não sabia onde iria parar. Ganhou a corrida por dois motivos: coragem, sobretudo; e visão, porque como nem tinha sido convidado para o mediático Nike Hoop Summit, ninguém queria arriscar uma posição na primeira ronda do draft de 2013 com este gigante de 2,11 metros, que era extremo mas tinha características para jogar ou como base ou em zonas mais interiores. Os Bucks tiveram nesse ano a 15.ª escolha e arriscaram em Antetokounmpo. Começava a aventura na NBA.

Giannis Antetokounmpo com o então comissário da NBA, David Stern, no draft de 2013 (Mike Stobe/Getty Images)

Giannis estava com medo. Pensava a toda a hora se tinha feito bem. Receava não conseguir adaptar-se. Tinha pavor de poder falhar com quem confiara nele. Mas houve um momento que o colocou na zona de conforto no dia 1 em Milwaukee: quando desceu do quarto do hotel onde estava e se cruzou com o antigo dono dos Bucks, Herb Kohl, que na altura era também senador de Wisconsin, deparou com a tenente JoAnne Anton, que falava de forma fluente grego. Essa conversa com um jogador que falava mal inglês (e também estava mais tímido por isso mesmo) acabou por proporcionar o contexto ideal para se começar a adaptar à nova realidade.

O helénico que até aos 18 anos não tinha papéis nem nacionalidade, nem nigeriana nem grega, sempre foi muito acarinhado pelos companheiros, que se mostravam impressionados nos treinos e se rendiam à pessoa que tinham pela frente: ajudaram-no a mobilar a casa para onde se mudou com os pais e dois irmãos, andaram com ele a escolher roupa, levaram-nos a jantar e a conhecer a cidade. E também a equipa técnica era muito próxima dele, nomeadamente o coordenador assistente do vídeo, Ross Geiger.

Havia uma diferença entre ele, os companheiros e os próprios adversários. Todos tinham crescido a ver vídeos dos grandes craques da NBA. E queriam ser como eles, quando eram miúdos, quando andavam na escola, quando escolheram uma bolsa universitária. Giannis, rookie dos Milwaukee Bucks que há cinco anos vendia coisas na rua, via sobretudo vídeos desses craques nos dias em que não havia jogos, não para ser como eles, mas para ver como eles faziam para chegar onde chegaram. Achava que nada nem ninguém poderia travar essa ambição. Por isso, teve um pequeno “choque” com Jason Kidd em 2014, quando substituiu Larry Drew no comando técnico.

Nessa primeira época, que terminou com uma média de 6.8 pontos por jogo, apenas por uma vez o grego ficou com as lágrimas nos olhos. E não foi propriamente por saudades da vida que tinha ou da família – foi quando o seu agente lhe disse que um treinador adjunto comentara que não estava a esforçar-se ao máximo nos treinos.

Podem dizer-me que não joguei bem, podem dizer-me que não estou a fazer bem as coisas, mas não podem dizer-me que não me esforço ao máximo, porque isso não aceito”, disse.

Com Kidd, a questão foi outra. Num treino, o treinador proibiu-o de lançar de três pontos. Antetokounmpo não gostou e, como não tinha ninguém de confiança no plano técnico para ampará-lo, começou a duvidar do futuro na equipa. Pior ficou quando foi pela primeira vez para o banco no início de um jogo. E pensou: “Mas quem é este gajo e o que fez na carreira?”. “Vi: rookie do ano, campeão da NBA, campeão olímpico pelos Estados Unidos, segundo nas assistências, quinto nos três pontos, bla bla bla. E pensei ‘Jesus, como posso competir com isso? O melhor é calar-me’”, confessou à Sports Illustrated. Estava a começar a relação que o levou ao patamar atual.

Jason Kidd, um dos melhores bases que passou pela NBA nas últimas décadas, viu as características do “The Greek Freak” (uma alcunha que gosta) e pensou nele para base. Porque tinha habilidade e visão para isso, porque não é normal alguém com 2,11 metros ter essa capacidade de passe e de lançamento.

Arriscou e ganhou essa aposta: os 12.7 pontos, 6.7 ressaltos e 2.6 assistências de média em 2014/15 multiplicaram-se para 22.9 pontos, 8.7 ressaltos e 5.4 assistências na última temporada. Agora, nas primeiras quatro partidas de 2017/18, soma 36.8 pontos, 10.8 ressaltos e 5.3 assistências. São números de MVP. Veremos onde vão parar.

Depois de ter cumprido serviço militar obrigatório na Grécia durante três meses, no ano passado, o jogador que é filho de um antigo futebolista (Charles, que faleceu no mês passado) e de uma antiga atleta (Verónica, especialista em salto em altura) e que guarda os comentários negativos no telemóvel para se recordar deles quando está mais em baixo para reerguer-se é um autêntico fenómeno. Que já fez história, que tem muito mais história para fazer. Mas que se explica por uma história que merece ser contada. E que não quer seja única.

Como se percebeu num trabalho da revista Time publicado este mês, Giannis, que tem Magic Johnson, Muhammad Ali e Nelson Mandela como as principais referências de líderes que o inspiram, contribui para uma bolsa de estudos para miúdos na Grécia que estejam em condições semelhantes às que tinha há cinco anos e tem o sonho de poder construir escolas de raiz para dar outras possibilidades a todos esses casos.

“Pessoas como eu precisam da oportunidade de se tornarem grandes na vida, de se tornarem melhores. Antes de deixar este mundo, vou ajudar as pessoas a terem um futuro melhor”, destacou Antetokounmpo.