Liliana Castro tem 28 anos e é responsável por uma agência de comunicação do Porto. Principais clientes: startups e projetos tecnológicos. A discrepância entre os sexos feminino e masculino na área da tecnologia — visível em eventos e na liderança das empresas — foi o principal impulsionador para que em março deste ano criasse a comunidade Portuguese Women in Tech.

A poucos dias da grande conferência mundial de tecnologia, Web Summit, que acontece pela segunda vez em Lisboa de 6 a 9 de novembro, a comunidade tecnológica vai organizar um evento de preparação na Invicta. O “Portuguese Women in Tech – The Web Summit Warm-Up” ocorre a 28 de outubro.

“O conceito funciona como elo de referência para as mulheres que estão a fazer algo na comunidade portuguesa tecnológica, dando-lhes palco e servindo também como elemento facilitador para conseguirem promover eventos e dinâmicas”, diz ao Observador Liliana Castro.

O momento de visibilidade feminina pode encontrar palco precisamente na Web Summit. Conscientes de que os eventos de tecnologia ainda têm um público maioritariamente masculino, as mulheres desta comunidade pretendem mudar os paradigmas. “A ideia é que nesta plataforma estejam o máximo de mulheres, para mostrar que têm força enquanto grupo”, afirma.

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Houve 42% de mulheres na Web Summit. “É muito porreiro!”

Na “Portuguese Women in Tech – The Web Summit Warm-Up”, a manhã é dedicada a mostrar o que se está a fazer atualmente no ecossistema tecnológico do Porto. À tarde, as mulheres da comunidade podem aprender com a experiência de oradoras como Cristina Fonseca, fundadora da Talkdesk, Daniela Seixas, fundadora e atual presidente da Tonic App, e Liliana Castro, fundadora da comunidade e responsável pela FES Agency.

Da melhor abordagem aos investidores até aos famosos pitches (apresentações curtas) – para fazer valer as competências individuais e as valências de Portugal no setor tecnológico –, as dicas e conselhos vão permitir o “aproveitamento máximo” da Web Summit. Algumas mulheres da comunidade já foram convidadas para dar sessões de mentoria na edição deste ano da Web Summit. Portanto, a preparação é redobrada.

A app “Cura”, desenvolvida por um grupo de mulheres da comunidade Portuguese Women in Tech, ganhou a segunda edição da Hack For Good © Nelson Rodrigues

Como é trabalhar num “mundo de homens”

Para Liliana Castro, a desigualdade de género na tecnologia é mais do que um ou vários números. “Existem efetivamente mais homens no ecossistema tecnológico, mas a questão é que as mulheres que existem não têm visibilidade. Se fossem em igual número, acabariam por não ter visibilidade na mesma”, explica. Para a fundadora da Portuguese Women in Tech, a realidade é cultural, “determinados trabalhos são para mulher, outros são para homem”, e também se explica pela falta de modelos a seguir no feminino. “Não há assim tantos casos de sucesso de mulheres portuguesas em cargos de liderança”, opina.

No entanto, a também especialista em comunicação acredita que os próximos anos vão mudar as ideias pré-concebidas e permitir a evolução do setor. Esta comunidade tecnológica e feminina reúne um espectro variado de profissionais: de fundadoras e cofundadoras de startups e empresas a marketeers e jornalistas a escrever na área da tecnologia e empreendedorismo.

O único critério para fazerem parte da Portuguese Women in Tech? “O que queremos é que tenham uma ‘perna’ dentro do ecossistema [tecnológico] seja em que área for”, refere Liliana. Outros dos primeiros passos é integrar também na comunidade apenas mulheres portuguesas.

Joana Araújo é uma delas. Tem 28 anos e atualmente testa softwares de aplicações. O exemplo mais prático do que faz é este: “Já existem máquinas de lavar roupa em que conseguimos programá-las a partir do telemóvel. Eu só preciso de criar o código, dizer onde é preciso carregar e a aplicação gera o resultado sozinha”, explica.

Joana entrou na comunidade porque encontrou as Portuguese Women in Tech nas redes sociais e decidiu aderir. “Falo por mim: é um mundo de homens, em que nem sempre é fácil conseguirmos um lugar e sermos ouvidas. Embora o paradigma esteja a mudar, ainda não é fácil”, reconhece. Na empresa onde trabalha com cerca de 30 pessoas, quatro são mulheres.

A comunidade tecnológica tem organizado várias iniciativas desde que foi criada. © Portuguese Women in Tech/Facebook

Por outro lado, Ana Silva, 40 anos, que trabalha na área da inovação na Sonae, sentencia que a diferença entre homens e mulheres vai depender da empresa e da área tecnológica. “Talvez as fronteiras se esbatam um bocadinho, quando se trata do design de serviços ou do desenvolvimento de negócios, que também precisam de muitos conhecimentos de tecnologia, do que nas tecnologias de informação”, diz.

A profissional é também membro das Portuguese Women in Tech e acredita que as comunidades tecnológicas têm a responsabilidade de “criar uma noção mais generalizada e até alguns modelos para outras jovens mulheres a trabalhar nas mais diversas áreas”. O interesse tecnológico instigado em algumas jovens poderá resultar numa maior aproximação das profissões do futuro — que Ana Silva prevê que passem pela análise e tratamento de dados.

A falta de talento tecnológico em Portugal

O recrutamento de recursos humanos na área da tecnologia em Portugal não é uma tarefa fácil. No entanto, a fundadora das Portuguese Women in Tech alarga o problema a ambos os sexos. “O problema de captação de talento é transversal aos homens e às mulheres. Eu lido diariamente com empresas tecnológicas e é um problema que todas se têm queixado: da Farfetch à startup que estás prestes a começar”, afirma Liliana Castro.

O problema adensa-se no feminino e por essa razão, a comunidade está a preparar um guia para ser distribuído pelas escolas de todo o país, de forma a incentivar jovens raparigas a seguirem áreas de estudo como a engenharia e assim fazer face às necessidades do mercado de trabalho. Uma parte deste documento será desvendado na tarde de 28 de outubro no “Portuguese Women in Tech – The Web Summit Warm-Up”.

Cristina Fonseca

Cristina Fonseca vai ser uma das oradoras do “Portuguese Women in Tech – The Web Summit Warm-Up”. © Getty Images for TechCrunch

Cristina Fonseca, fundadora da Talkdesk, que entrou em 2016 para a lista “30 Under 30” da revista Forbes com o sócio Tiago Paiva, vai ser uma das oradoras desta iniciativa. Na sua intervenção, irá focar-se no contacto com os investidores: “Vender Portugal e associar isso à nossa capacidade de construir boa tecnologia e boas empresas”.

Contudo, Cristina afirma que os grandes eventos internacionais de tecnologia como a Web Summit, terão de ser aproveitados com cautela e perspicácia: “Ajuda claramente a posicionar Portugal lá fora, mas também ajuda muita gente que não é a certa. Estamos a atrair empresas internacionais a ficarem cá, a utilizarem a nossa mão-de-obra barata”. Para a fundadora da Talkdesk, o talento terá de começar dentro de portas, porque “se olharmos para as estatísticas, não há startups a nascerem”.

O “Portuguese Women in Tech – The Web Summit Warm-Up” acontece a 28 de outubro, no Porto, tem o apoio do Scaleup Porto e vai percorrer várias empresas e centros tecnológicos da cidade. Tem entrada grátis, mas requer inscrição.