Duas designers com muito olho, dois anos de experiência a trabalhar com negócios sociais, um economista e uma gestora e um sistema de dez selos que permite avaliar artesãos e criativos dos quatro cantos do mundo consoante o impacto que têm a nível social, ambiental e cultural. Apresentar a DOME num daqueles resumos em números soaria a qualquer coisa deste género. Felizmente, a nova plataforma portuguesa tem muito mais que se lhe diga, a começar pelas mãos que a puseram online.

Nuno Mesquita e Rita Melo, o economista e uma das designers, não acordaram ontem para o tema. O que em 2007 começou por ser uma oficina social de eco-design é hoje a Blindesign, uma consultora de inovação social, cujo cartão-de-visita mais recente é o Mezze, o restaurante que tem como principal objetivo reintegrar refugiados sírios a viverem em Lisboa. Há um ano, apareceu-lhes uma segunda designer no caminho, Rita Cortes, acabada de chegar de Guatemala, mas ainda com o espírito de quem continuava de mochila às costas. Queria arranjar maneira de apoiar e de dar visibilidade a artesãos locais, locais daqui e locais do outro lado do mundo, muitas vezes representados por ONGs. Quando conheceu a Blindesign, viu que alguém já fazia os mesmos planos e que a trabalhar em equipa conseguia chegar mais longe. “Depois de ter estado a desenvolver produtos para várias organizações, percebi que o maior desafio com que se deparam é chegar ao mercado. A parte social está super bem feita, o produto já é bastante interessante, falta-lhes o marketing. Percebi que não vale a pena criar mais coisas, vale a pena identificar as coisas muito boas que já existem”, afirma Rita Cortes.

Os mentores da DOME. Da esquerda para a direita, Rita Melo, Diana Lourenço, Rita Cortes e Nuno Mesquita © Divulgação

Com Diana Lourenço, gestora de projetos na área de e-commerce, o quarteto ficou completo. O primeiro desafio foi escolher as marcas e antes de qualquer outro critério, foi o design das peças o que mais pesou. A DOME estreia-se agora com dez marcas dos quatro cantos do mundo, duas delas são portuguesas. “Parte dos produtos de impacto social ainda está muito conotada com algo que não está tão bem conseguido. O que pretendemos é, precisamente, mudar essa perspetiva e provar que se podem fazer produtos de impacto social com uma estética incrível. Nisso, o facto de sermos designers faz toda a diferença”, afirma ainda Rita Cortes.

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O produto por si só tem que ser bom e justificar a compra. O facto de ter bons valores associados deve justificar a compra ao quadrado. As pessoas estão a comprar um produto mas também estão a comprar uma história”, acrescenta Nuno.

Mas afinal, que impacto social é este na base da plataforma portuguesa. A equipa dividiu aquilo que entende ser a consciência de um pequeno negócio em três áreas: ambiental, social e cultural. Para garantir que todas as marcas cumprem certos critérios foram feitos questionários, entrevistas e cruzadas informações com outras plataformas internacionais. “Arriscámos criar critérios. Do lado ambiental, as formas de medição já estão todas muito definidas. Por não termos encontrado selos de impacto social, nós próprios desenvolvemos estes selos. A DOME é também uma plataforma de sensibilização e de mobilização”, esclarece Nuno.

As marcas e as histórias

No final, as marcas que passaram pelo crivo viram as suas peças classificadas com selos. São dez, estão bem visíveis no site e é mesmo possível fazer compras filtrado os produtos segundo estas categorias. Para estarem na DOME, é preciso merecer pelo menos quatro destes selos. Vão do “Comércio Justo” e do “Produto Inclusivo” ao “Vegan” e à “Emancipação das Mulheres”. Neste último, encontramos as peças da WomenCraft, uma marca que conta com a produção de dezenas de artesãs que vivem em aldeias da Tanzânia e do Burundi. O projeto chegou à zona em 2007, na altura como parceiro de Implementação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados para ajudar a dar resposta à falta de oportunidades na criação de rendimentos, num território afetado pela guerra. Hoje, o cenário é mais feliz. Neste dez anos, estima-se que os artesãos e artesãs englobados pelo projeto já tenham lucrado mais de 100 000 dólares com a venda dos objetos que produzem. Além da história, os pratos e taças tecidos no coração do continente africano têm estado a conquistar pela sua estética. “Em vez de comprarem por pena, queremos que comprem porque as coisas são bonitas”, salienta Rita Cortes.

A WomenCraft é uma das marcas à venda na DOME. As peças são feitas por artesãs em aldeias da Tanzânia e do Burundi © Divulgação

Feitos à mão, com produção local e totalmente vegan, os candeeiros do Studio Vayehi, uma dupla de criativos e artesãos, são as peças mais caras à venda na DOME. Os maiores chegam a custar 1199€. São feitos de folha de madeiras nobres — carvalho, cerejeira, nogueira negra e bambu — e vêm diretamente de Jaffa, uma antiga cidade portuária próxima de Tel Aviv.

Apesar do número modesto de marcas, a oferta da DOME já chega às áreas da decoração, dos acessórios e dos brinquedos. O objetivo é aumentar o número de projetos na plataforma, bem como reforçar a presença de marcas portuguesas, para já limitada a duas marcas, a Orikomi e a Teresa Gameiro.

O projeto não quer ficar apenas no digital. Embora o site esteja preparado para enviar para toda a Europa, é bem possível que, mais tarde ou mais cedo, possamos encontrar estas peças ao vivo num ponto de venda físico em Portugal. No que toca a contas, estamos perante um investimento que ultrapassou os 40 000€, com o apoio do Portugal 2020 a cobrir 40% do valor. Além de continuar à procura de novas marcas e artesãos, a equipa já faz planos para a criação de uma marca própria, mas essa parte ainda pode esperar.

Porque é que o valor das coisas só se mede pelo dinheiro e não pelo impacto que as coisas têm na sociedade e no ambiente? Os projetos de impacto social têm de garantir essa sustentabilidade. Estamos a propor a nossa própria sustentabilidade enquanto empresa, mas estamos a contribuir para a sustentabilidade de quem decidiu arriscar e fazer diferente”, afirma Nuno

No horizonte está um “universo de negócios sociais”, como lhe chama Rita Melo. Mas para isso, é preciso divulgar e informar. Muitos destes conceitos são ainda desconhecidos, mas a estratégia para os próximos tempos é utilizar as redes sociais para fazer chegar este design social a mais ouvidos. Quanto a haver mercado para uma área que, para já e em Portugal, é de nicho, a equipa não tem dúvidas de que o tema chega a cada vez mais pessoas. “Em Portugal, já há um nicho de pessoas que conhece projetos deste género, que começa agora a ser mais falado. Na Europa central e do norte isto já é uma realidade”, afirma Diana.

Os candeeiros da marca portuguesa Orikomi são feitos em papel, seguindo técnicas de dobragem do origami © Divulgação

O Mezze pode muito bem ser um embaixador da nova plataforma, embora os candeeiros que têm feito sucesso no restaurante ainda tenham chegado às montras da DOME, mas parece que está quase. Os quatro defendem que os valores são os mesmos em ambos os projetos, mas que a fusão foi muito mais natural do que propriamente estratégica. Afinal, o que as Ritas, Nuno e Diana querem é ganhar força e inspirar outros com a ideia de que a economia social é o futuro.