O juiz desembargador Neto de Moura, autor do polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto sobre violência doméstica, volta a defender-se das acusações que sofreu nos últimos tempos, desta vez numa entrevista à revista Visão. “Não sou retrógrado. Muito menos sou tolerante com a violência doméstica, que continua a ser um grave atentado à condição da mulher e cujas versões [das mulheres vítimas de agressões] são, muitas vezes, desvalorizadas em tribunal.”

Na mesma linha do que já tinha dito ao Público, Neto de Moura garante estar “incrédulo” com as reações ao acórdão, dizendo que o mesmo ganhou “proporções inacreditáveis” na opinião pública.

Dado estar a decorrer um inquérito — aberto pelo Conselho Superior de Magistratura — à decisão e, sobretudo, às razões invocadas por Neto de Moura no acórdão que manteve a decisão de pena suspensa para um homem que agrediu violentamente a mulher com uma moca com pregos, este recusa-se a comentar o caso “por dever de reserva”. Mas garante à Visão: “Já relatei duas dezenas de acórdãos sobre casos de violência doméstica e não me lembro de ter promovido qualquer absolvição. Tenho decisões em que é inequívoca e severa a minha condenação dessa conduta”.

Leia aqui o acórdão do juiz que desvalorizou agressão por causa de adultério

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Recorde-se que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto justifica a pena suspensa atribuída a um homem que agrediu a mulher com uma moca de pregos com o argumento de que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou (…) e, por isso, vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.

O acórdão é de outubro mas o caso remonta a 2014: um ex-marido que agrediu a vítima porque esta tinha mantido, alegadamente, um relacionamento extraconjugal durante o casamento. O Tribunal de Felgueiras, localidade onde vivia o ex-casal, condenaria o agressor a uma pena de um ano e três meses de prisão suspensa. O Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, reclamando uma pena mais pesada e efetiva — de três anos e seis meses de prisão –, mas a pena suspensa foi mantida, num acórdão polémico que se tornou agora público.

O acórdão redigido pelo juiz desembargador Neto de Moura (e assinado por Maria Luísa Arantes) fundamenta a decisão citando, por exemplo, o Código Penal português que vigorou entre 1886 e 1982 — em que o agressor era punido com uma pena meramente simbólica se matasse a mulher adúltera –, e também a Bíblia.

Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”, lê-se no acórdão.

Ainda à Visão, Neto de Moura garante que o catolicismo não teve qualquer peso na hora de redigir o acórdão. “O meu pai — tal como a minha falecida mãe — é católico praticante e, naturalmente, fui educado segundo os cânones católicos. Conheço um pouco da Bíblia porque me interesso pela sua leitura. Tal como leio Saramago, que conhecia a Bíblia bem melhor do que eu.”