Na já longa discografia dos Moonspell, criados em 1992, havia uma coisa que faltava: um álbum escrito integralmente em português. 1755, que chega às lojas no próximo dia 3 de novembro, veio mudar isso. De uma ponta à outra, não é possível encontrar uma palavra que não seja em português. O tema não podia ser mais nacional: o disco é inspirado no Grande Terramoto de Lisboa de 1755 (de onde vem o título), evento com grandes repercussões internacionais (até Voltaire escreveu sobre ele) que serve de ponte para o mundo atual, também ele cheio de pequenas e grandes catástrofes.

Essa ligação torna-se evidente no lyric video do primeiro single, “Todos os Santos”, onde ilustrações da época surgem misturadas com imagens de vários acontecimentos e personagens marcantes do século XX. E isso por si só também é uma novidade: em 25 anos de carreira, os Moonspell nunca se tinham proposto a fazer um disco conceptual, dedicado a um só tema. Isso faz com que 1755 seja, logo à partida, diferente de tudo o resto. Mas será que é mesmo?

O álbum começa com uma nova versão de um tema antigo, “Em Nome do Medo”. A adaptação, desta e de outras músicas, é de Jon Phipps, compositor que há vários anos trabalha com bandas de heavy metal (que vão desde Sepultura a Amorphis) e que já tinha colaborado com os Moonspell em Extinct (2015). Está bem feita, mas há uma coisa que é difícil de ultrapassar e compreender — a escolha de uma canção com cinco anos para abrir um álbum novo, conceptual, supostamente escrito do zero.

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Em entrevista à revista Ultraje, na edição de outubro, Fernando Ribeiro contou que os Moonspell decidiram contratar Phipps depois de lhe terem pedido uma versão orquestral de “Em Nome do Medo”. O resultado foi tão bom que decidiram ficar com os dois. A escolha foi explicada pelo vocalista nestes termos: “Se ouvirem com atenção, muito dos elementos de 1755 estão lá: os coros, as orquestrações… E acabámos por avançar com isto, [mas] não por falta de criatividade — aliás, foi a última música a estar pronta”, acrescentando que “Em Nome do Medo” é “uma coisa como quase todas as coisas em Moonspell: é uma decisão artística, não é pegar num copy/paste e meter lá a música do Alpha Noir — que está bastante diferente até”.

Sim, está. Tem a orquestra, tem os coros e mais um minuto de música, mas continua a ser o tema n.º5 de Alpha Noir (2012). E é complicado ignorar isso. Mas há uma coisa que Fernando Ribeiro disse à Ultrage que é difícil negar: a versão orquestral de “Em Nome do Medo” consegue mais ou menos resumir aquilo que se pode esperar do resto do álbum — orquestras do início ao fim, coros com fartura. Nunca houve um disco dos Moonspell em que os arranjos de orquestra tivessem tanto protagonismo, o que dá a entender que, pela primeira vez, a banda tentou fazer um álbum sinfónico, à semelhança do que os Cradle of Filth (que também já abordaram temas históricos) fazem há várias décadas. Só que, talvez por inexperiência nestas andanças, nem tudo funciona tão bem como seria de esperar. Os coros são excessivos e a orquestra desvia a atenção daquilo que realmente interessa — a guitarra de Ricardo Amorim que, apesar de igual a si mesmo, se esforçou para sair do registo dos últimos álbuns. Mas é difícil prestar-lhe atenção com tudo o resto que se passa à sua volta.

Para uma introdução completa, em “Em Nome do Medo” só ficaram mesmo a faltar os sons mais orientais, a lembrar aqueles primeiros e longínquos tempos dos Moonspell, revisitados em Under Satanæ, álbum de 2007 onde foram reunidos todos os temas que tinham saído (e se tinham perdido) antes de 1995, em demos e Eps, e que podem ser encontradas em temas como “Ruínas” ou no homónimo “1755”. De acordo com Ribeiro, estas ambiências são uma homenagem às diferentes nacionalidades que podiam ser encontradas na cidade de Lisboa do século XVIII.

Se a revisitação de sons de outros tempos pode ser uma surpresa, há um outro pormenor que ainda o é mais — a participação do fadista Paulo Bragança, que empresta a voz ao tema “In Tremor Dei”, o terceiro de 1755. Também em entrevista à Ultraje, Fernando Ribeiro explicou que sempre se identificou com o que Bragança faz no fado, daí ter-lhe dirigido o convite para participar numa das novas canções. Pode ser difícil imaginar como é que as duas coisas podem funcionar, o fado e o heavy metal, mas a verdade é que a voz de Paulo Bragança encaixa que nem uma luva nos riffs melódicos de Ricardo Amorim. E basta mais uma vez recuar aos primeiros tempos dos Moonspell para perceber que a música tradicional portuguesa e os Moonspell sempre andaram de mão dada.

Depois de temas como “Abanão”, “Evento” ou “1 de Novembro”, o álbum termina tal como começou: com uma música antiga. Só que, desta vez, a música não é dos Moonspell — é dos Paralamas do Sucesso, uma banda de rock brasileira criada no final dos anos 80 que ainda hoje anda por aí. A adaptação dos Moonspell de “Lanterna dos Afogados”, de 1989, tem um piano como grande protagonista e quase que faz esquecer o tema original (mas isso não é necessariamente uma coisa má). Além disso, é provavelmente a única música “lenta” de 1755 e é, mais uma vez, uma escolha que pode não satisfazer os fãs mais aguerridos — o magnum opus dos Moonspell termina com uma cover.

Quando anunciaram 1755, os Moonspell prometeram tudo: um grande disco temático sobre o Terramoto de Lisboa, “riffs vibrantes”, “orquestrações épicas”, letras profundas que testemunham a agonia sentida naquele dia, para citar o comunicado emitido pela assessoria de imprensa da banda. Em suma, “uma reflexão poética, musical e filosófica” sobre o evento que marcou profundamente a cidade de Lisboa, que prometia puxar pela criatividade e originalidade e levar os Moonspell a sair da sua zona de conforto. Só que não foi bem isso que aconteceu. Se retirarmos as orquestras e os coros, o que sobra é um álbum que não é muito diferente de todos os outros. É Moonspell, sem dúvida, mas não chega para ser o magnum opus. A obra-prima. Mas, apesar de todas as desilusões, há uma que coisa vale a pena apontar: o esforço que foi feito no sentido de criar uma coisa realmente diferente e de fugir às sonoridades mais ou menos idênticas que têm marcado os últimos álbuns da banda. Houve de facto uma tentativa de levar a música a outro patamar mas, a meio do caminho, alguma coisa se perdeu.