“Esta publicação refere-se a um dos atos mais impressionantes de violência gratuita e sem sentido a que já assisti. Não tenho a certeza se alguma vez me senti tão impotente. As cicatrizes mentais do incidente ainda estão frescas, semanas após o que aconteceu”. É assim que começa a descrição que o britânico Connor McCreesh, um utilizador da plataforma Medium, fez de uma noite deste verão em que diz ter sido violentamente agredido à porta da discoteca K Urban Beach, em Lisboa. No texto, a que deu o título “Cães raivosos em Lisboa”, o autor descreve como ele e um grupo de amigos terão sido atacados pelos seguranças da discoteca lisboeta. E sugere que esse é um acontecimento que se repete “quase todas as semanas”. Ainda na noite de terça para quarta-feira, um grupo de jovens foi agredido por funcionários da mesma discoteca. O caso, desvendado esta quinta-feira, veio à tona com a publicação de um vídeo que mostra a cena de violência.

Vídeo. Seguranças do Urban agridem jovens à porta da discoteca e são despedidos

Numa sexta-feira à noite, Connor encontrou-se com nove amigos na Rua Cor-de-Rosa às duas da manhã para entrar na discoteca K Urban Beach, uma das mais movimentadas da capital portuguesa. Ao fim de 20 minutos de caminhada, o grupo chegou à discoteca apenas para descobrir que não poderiam entrar no espaço porque estava a decorrer “uma festa privada”. Connor não acreditou, mas decidiu que “não valia a pena dizer mais nada”: “Lidei com seguranças em demonstrações de poder demasiadas vezes, sei que há muito pouco a ser feito e não vale a pena motivar qualquer provocação”. Com isto em mente, Connor disse aos colegas para irem para outra discoteca ali perto e afastou-se da entrada. Mas quando olhou para trás, viu os amigos “parados por um segundo antes de começar a ver pessoas a serem empurradas”.

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De acordo com o relato de Connor, um dos seus amigos levou um soco de um dos cinco seguranças no momento em que se virou para trás para ver o que estava a acontecer. O murro terá sido tão violento que o deitou ao chão. Enquanto caminhava novamente para junto dos amigos, mais dois dos seus companheiros terão sido agredidos e deitados ao chão. “Mas o pior ainda está para vir”, descreveu Connor: “Kib leva um grande pontapé no rosto, parece que foi atingido por uma bomba. Vou ter com ele e, quando ainda estava a perceber o que estava a passar, [Kib] leva outro soco no queixo”. Entretanto, conta Connor, mais cinco seguranças juntam-se aos colegas: “Não são dez seguranças, são dez cães raivosos sóbrios, coordenados, claramente treinados para lutar com aqueles pontapés na cabeça”.

Kyle, um dos amigos de Connor atacado na discoteca (Foto: Instagram)

Com todos os amigos reunidos, Connor e os colegas protegem Kib, o mais magoado de todos, enquanto os seguranças gritam, segundo o seu relato: “Tirem-no já daqui! Não podemos deixar ninguém entrar, tirem-no daqui já!”. Connor não queria ir embora: “Estou no chão a dar o meu melhor para permanecer calmo enquanto os meus amigos gritam de medo e raiva. Há um grupo de selvagens a cercar-me e a gritar para o meu amigo quase inconsciente, pontapeando-nos e a atirar garrafas de água fria para a cara dele”. Connor e os amigos decidiram tirar o amigo ferido dali e levá-lo para um muro próximo à discoteca.

Enquanto tentavam reanimar Kib, um dos dez seguranças da discoteca K Urban Beach aproxima-se de Adi, uma amiga que havia filmado todo o ataque, afirma o britânico. “Ele agarrou no telemóvel dela, bate-lhe e atira o telemóvel para a água antes de regressar para a discoteca”, escreve Connor. A rapariga começa a gritar com o segurança que lhe havia atirado o telemóvel. Na tentativa de a proteger, Connor pôs-se à frente do segurança e terá levado quatro muros, apesar dos pedidos para parar e de ter prometido ir-se embora. Enquanto Connor é agredido, três outros seguranças aproximaram-se de Kib — que ainda estava quase inconsciente no chão — e, segundo a descrição do britânico, começaram “a esmurrá-lo no rosto e decidiram apertar-lhe o pescoço” até desmaiar. Connor começou a gritar e os homens afastaram-se definitivamente para a discoteca.

Avisos de violência no TripAdvisor e nas avaliações da Google

No seu texto, Connor explica que chamou a polícia e uma ambulância e levou os amigos feridos para o hospital. As autoridades terão dito ao jovem que aquelas situações acontecem regularmente e que não havia nada que pudessem fazer: “O processo em tribunal demora entre seis e 12 meses e raramente os turistas ficam esse tempo todo” em Portugal. E prossegue: “Estes monstros conseguem fazer isto uma ou duas vezes por semana. A polícia, os motoristas do Uber, as avaliações online refletem tudo isto. E nada é feito”.

Basta uma visita à página da discoteca K Urban Beach no TripAdvisor para encontrar dezenas de avaliações sobre agressões alegadamentte oorridas à porta da discoteca. A 19 de setembro deste ano, um utilizador escreveu que “os seguranças em esteroides tentam arranjar porrada sempre que puderem”. A 25 de agosto de 2017, uma segunda avaliação acusava os funcionários da discoteca de serem racistas: uma mulher conta que, no seu grupo de amigos, os brancos puderam entrar no espaço de diversão noturna, mas que aos negros e asiáticos foi pedida uma entrada de entre 250 e 500 euros. Um português escreveu ainda que ir ao K Urban Beach é “estragar a experiência lisboeta”: “São demasiado racistas, mal educados e estragam qualquer noite divertida”.

É assim ao longo das quase 300 avaliações, com textos com títulos como “Permaneçam afastados deste sítio”, “Não vão” e “Evitem, Evitem, Evitem”. Em abril de 2017, um internauta escreveu no TripAdvisor que os amigos foram violentamente agredidos e deixados inconscientes porque não aceitaram pagar 50 euros de entrada e decidiram afastar-se da porta da discoteca. Cerca de 50% dos utilizadores do TripAdvisor avaliam o K Urban Beach com a classificação “Terrível”. A maior parte queixa-se da violência dos funcionários.

O mesmo acontece nas avaliações feitas no Google Review: são os próprios portugueses a pedirem aos turistas para não se aproximarem do K Urban Beach porque “os seguranças gostam de se juntar como num gangue para atacar gente inocente”: “O staff da porta e da segurança é adepto de violência gratuita e não tem qualquer problema em juntar-se para dar uns murros a um grupo de amigos (mulheres não são excepção), por situações mínimas, como alguém ter perdido o cartão de consumo”. Outro internauta escreveu: “Pessoas são agredidas pelos seguranças constantemente. Grande descriminação quanto à raça, cor de pele e maneira de se apresentar (se não aprovarem a pessoa, não entra)”. Outra utilizadora do Google publicou: “Equipa de segurança que espanca clientes como castigo habitual”.

O Observador está a tentar contactar os responsáveis pelo estabelecimento mas, até ao momento, não obteve resposta.