O Orçamento passou o primeiro teste na Assembleia da República, mas ainda tem pela frente uma autêntica corrida de obstáculos que pode dar uma nova face à proposta do Governo – ou mudar o apoio do qual têm beneficiado no Parlamento.

Entre o que está no orçamento e tem de ser mudado, o que não está e que o Governo teria prometido incluir e o que, entretanto, começou a ser negociado — ainda há muito por definir sobre o pacote de medidas que estará realmente no Orçamento do Estado para 2018 que os deputados vão votar pela última vez no dia 27 de novembro.

À esquerda, Bloco de Esquerda e PCP ainda tentam conseguir mais algumas vitórias no penúltimo orçamento desta legislatura e numa altura em que o calendário eleitoral joga a seu favor – ainda é demasiado cedo para o PS poder quebrar com algum destes dois partidos e o PCP ainda pode reclamar vitórias depois dos resultados menos bons das autárquicas.

Para já, eis o que ainda está por definir, antes de se conhecerem todas as propostas de alteração:

Aumento da derrama estadual: as empresas já pagam uma taxa adicional de 7% sobre os lucros acima de 35 milhões de euros. O PCP e o Bloco de Esquerda querem que esta taxa passe a ser de 9%. É uma forma de financiar outras medidas que os partidos querem mais, como o fim dos cortes no subsídio de desemprego, e também dar um sinal de que quem tem mais, deve contribuir mais. Problema (potencial): PCP e Bloco dizem que têm a garantia do Governo que a medida vai ser aprovada na especialidade, mas o Governo evitou sempre comprometer-se, até porque dentro do próprio Executivo a medida não é consensual — Mário Centeno não gosta da ideia, mas há quem a defenda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fim do corte de 10% no subsídio de desemprego: é outra das medidas que o PCP e o Bloco de Esquerda têm dito repetidamente que têm a garantia do Governo que é para avançar na especialidade. É também uma daquelas medidas que o Governo tem dito apenas que vai avaliar, mas não dá garantias públicas de que está disposto realmente a abdicar deste corte. O fim deste corte representaria um custo entre 40 a 50 milhões para os cofres do Estado, segundo as contas do Governo.

Mudanças nos recibos verdes: as mudanças que estão no orçamento determinam na prática o fim do regime simplificado de IRS para os trabalhadores independentes. Para o Governo trata-se apenas de justiça e o Executivo mantém que 90% dos contribuintes desta categoria vão pagar o mesmo ou menos no próximo ano, fruto das medidas aprovadas para o IRS como o alargamento do mínimo de existência. Mas à direita e à esquerda as preocupações têm sido várias e as críticas mais ainda. O Governo para já admite apenas “clarificar e melhorar” a redação da lei, mas sem admitir que estes contribuintes podem vir a pagar mais. Será preciso esperar para ver o que pode mudar.

Cativações, cativações, cativações: até julho deste ano só eram tema de discussão de tempos a tempos, quando um ou outro serviço sofriam de carências tais que viravam notícia. Mas os números do Tribunal de Contas do montante cativado em 2016 mudaram a discussão. O Bloco deixou o aviso ao Governo que o que é aprovado na Assembleia é para executar e que vai pedir mudanças na especialidade. O CDS-PP pediu transparência e a imposição de um limite máximo. Mário Centeno não está para grandes conversas sobre o tema e já deixou um aviso à navegação: as cativações são um instrumento de gestão “do qual o Governo não abdicará”.

Complemento para os ‘Lesados de Pedro Mota Soares’: o jogo de palavras é do Bloco de Esquerda, a proposta também, mas ainda está para se ver o que irá de facto acontecer. Apesar das parangonas nos jornais, para já o único acordo que há é para conversar sobre o tema. A ideia é compensar as pessoas que durante o período de governação PSD/CDS-PP tenham pedido reforma antecipada porque já tinham perdido o acesso ao subsídio de desemprego. O Bloco considera que esta decisão foi tomada numa situação de desespero e que levou a uma perda de rendimento significativa e injusta. Nesta situação estarão cerca de 10 mil pensionistas. Estes, poderiam ver a sua reforma complementada com o Complemento Solidário para Idosos (CSI). Mas nada está fechado, apenas “bem encaminhado”, segundo o Bloco.

Alargar a gratuitidade dos manuais escolares aos 2º e 3º ciclos: os partidos e o Governo já tinham conseguido um acordo, que está em prática, para haver manuais escolares gratuitos no 1º ciclo. Em Lisboa, o Bloco e o PS fecharam no acordo de coligação a gratuitidade dos manuais escolares até ao 9º ano. A nível nacional, o PCP garante que o Governo disse que sim e que vai aprovar a medida, mas o Governo, mostrando abertura, ainda não deu a mesma garantia.

A contagem do tempo para progressão de carreiras dos professores, enfermeiros, militares e serviços de segurança: o Governo tem insistido que as carreiras foram descongeladas para todos, mas nem todos tiveram avaliação durante os anos que se passaram e por isso há mais de 100 mil trabalhadores que não sairão beneficiados. Entre esses estão os professores, que já prometeram luta nas ruas. Os partidos também querem mais, mas o bolo total para o descongelamento poderia superar os 1000 mil milhões de euros se assim fosse (quando estivesse descongelado por inteiro). Os partidos vão forçar na especialidade, mas o Governo não mostra estar inclinado para fazer mais cedências neste capítulo.

Reforço do dinheiro para a Proteção Civil e luta contra incêndios: já estava previsto, desde o Conselho de Ministros extraordinário que se seguiu aos incêndios no centro do país, mas ainda não se sabe a expressão orçamental que terá este reforço. O ministro apenas garante que as medidas não deverão afetar o equilíbrio orçamental, mas as alterações ainda terão de ser feitas aos mapas dos organismos. O Governo deverá beneficiar também de uma benesse de Bruxelas, que não conta com parte destas despesas para o défice, considerando que se trata de uma resposta a uma situação excecional.

Como agradar à Esquerda e à Europa: as regras são para cumprir e a Comissão Europeia fez saber disso mesmo, na carta que enviou ao Governo português a pedir clarificações sobre o porquê da falta de medidas para reduzir o défice estrutural na magnitude que as regras exigem. Parte desta discussão é, tal como em 2016, sobre a forma de classificar algumas medidas — se de caráter temporário ou de caráter permanente. O Governo estava convencido que Bruxelas errou e está, uma vez mais, seguro da sua razão na avaliação que faz. Em 2016 também dizia o mesmo, mas a Comissão Europeia não concordou e forçou o Governo a tomar mais medidas, tais como o aumento do imposto sobre os combustíveis.