Quem viu o FC Porto-Belenenses percebe, quem não viu consegue chegar lá: esta era aquela noite onde o líder podia perder pontos. Sim, foi melhor, criou oportunidades e ganhou bem. Mas, a perder pontos, era hoje.

Sérgio Conceição tinha quase meia equipa de fora por motivos físicos (Soares, Otávio e Marega não foram mesmo convocados, Corona começou no banco, Brahimi desde cedo mostrou desconforto nas pernas) e a outra metade estava com a bateria mais em baixo do que é normal. E apenas conseguiu matar o encontro em cima do minuto 90, andando à mercê de uma qualquer bola a saltitar na área. No meio desta gestão, houve um elemento que se destacou: Herrera. Esse mesmo que já foi patinho feio mas é agora imprescindível e se tornou capitão. E não foi apenas pelo golo que marcou quase em cima do intervalo, longe disso.

Aos 27 anos, o mexicano é daqueles jogadores com um currículo recheado mas que nos passa facilmente ao lado. Fã de Riquelme e Iniesta (curioso não ter como referência um box-to-box como ele), já foi campeão olímpico, já foi considerado o melhor jogador do famoso Torneio de Toulon, já conquistou uma Gold Cup, já entrou na lista dos 100 melhores jogadores do mundo do The Guardian, em 2014. Mas esta noite revelou as duas características que mais lhe elogiaram quando se transferiu do Pachuca para o Dragão: a entrega e a perseverança.

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O médio que esteve para abandonar o futebol quando era mais novo, para arriscar outras profissões que dessem maior conforto financeiro à sua família depois de saber que a mulher estava grávida, teve uma subida a pulso na Liga mexicana, na seleção e no FC Porto, mesmo depois de atravessar momentos mais complicados perante uma massa associativa que estava habituada a ganhar e que, desde que Herrera chegou, venceu apenas uma Supertaça. Por isso, e tratando-se de alguém discreto em termos públicos mas carismático e unânime no balneário, sempre procurou dar o exemplo aos companheiros. Como esta noite, como se fosse Andrés Espinosa.

E quem é Andrés Espinosa? Espinosa é considerado um dos melhores maratonistas mexicanos de sempre. Nunca passou do nono lugar no Campeonato do Mundo, mas terminou a carreira com um currículo bem maior do que alguém poderia pensar, incluindo vitórias nas carismáticas maratonas de Nova Iorque e Dallas e os pódios em Boston e Amesterdão (além de um primeiro lugar na Meia Maratona de Lisboa, em 1994). E aquela arrancada de Herrera aos 90′ em contra-ataque quando toda a equipa estava feita em fanicos mostrou a entrega e perseverança do maratonista mexicano que teve pernas para entregar de bandeja o 2-0 a Aboubakar.

É certo que, tal como tinha acontecido com o RB Leipzig na quarta-feira, o mexicano inaugurou o marcador de novo após uma bola parada. Mas aquilo que fez hoje não merece ser resumido a um (golo de) canto.

Ficha de jogo

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FC Porto-Belenenses, 2-0

11.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Fábio Veríssimo (AF Leiria)

FC Porto: José Sá; Ricardo Pereira, Felipe, Marcano, Alex Telles; Diego Reyes, André André (Sérgio Oliveira, 76′), Herrera; Hernâni (Corona, 60′), Brahimi (Galeno, 76′) e Aboubakar

Suplentes não utilizados: Casillas, Maxi Pereira, Layún e Óliver Torres

Treinador: Sérgio Conceição

Belenenses: Muriel; André Geraldes, Gonçalo Silva, Nuno Tomás, Florent; Tebda, Bouba Saré (Pereirinha, 32′); André Sousa (Tiago Caeiro, 71′), Diogo Viana (Benny, 60′), Roni e Maurides

Suplentes não utilizados: Filipe Mendes, Cleyton, Jesús Hernández e Miguel Rosa

Treinador: Domingos Paciência

Golos: Herrera (42′) e Aboubakar (90′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a André Sousa (18′)

Com um onze remodelado com Diego Reyes a fazer de Danilo, Hernâni na ala direita e André André a reocupar vaga no meio-campo, o FC Porto projetou-se num 4x3x3 que se desdobrava num falso 4x4x2 com as dinâmicas coletivas da equipa que colocavam um dos médios nos espaços entre linhas mais próximos de Aboubakar. E a estratégia desde o minuto inicial era muito clara: marcar o mais cedo possível num encontro onde o relógio seria um adversário tão grande ou maior do que o Belenenses, depois do desgaste evidente que o jogo com o RB Leipzig tinha deixado.

E essas oportunidades surgiram, três nos primeiros 15 minutos, e de formas variadas: na sequência de bolas paradas (Herrera, ao segundo poste, cabeceou por cima após um primeiro desvio de Felipe após canto da esquerda do ataque aos 7′), de meia-distância (Hernâni rematou forte de pé esquerdo para defesa apertada de Muriel aos 9′) ou através de iniciativas individuais (Brahimi dançou à frente da defesa dos azuis mas disparou na área por cima aos 12′). Pelo meio, na melhor saída em transição, o Belenenses teve uma grande oportunidade com Roni na área, mas o remate demorou demasiado a sair e acabou por passar ao lado da baliza de José Sá (8′).

Domingos montou uma equipa para fazer jus ao nome e ter muita Paciência em termos de organização. E conseguiu: apesar do jogo movimentado e com muitas variações de flanco dos comandados do amigo Sérgio Conceição, os azuis do Restelo foram conseguindo encaixar bem na estratégia dos dragões, tendo também o condão de afastar o perigo da baliza de Muriel em alguns momentos de jogo. No entanto, as linhas subidas de pressão e o bom posicionamento do ‘trinco’ Reyes colocavam a bola em permanência no meio-campo dos visitantes sem grandes resultados a não ser outro remate de Hernâni para Muriel travar (26′) e um tiro de André André por cima (33′).

O intervalo estava já ali, mas as bolas paradas (ou lances de estratégia) voltaram a fazer toda a diferença para os azuis e brancos, numa fotocópia a papel químico do que se tinha passado com o RB Leipzig: aos 42′, após um canto na esquerda, Gonçalo Silva cortou ao primeiro poste, a bola sobrou para um espaço na área onde apenas Herrera acreditou que poderia ser feliz e o mexicano fez o golo, apesar do toque in extremis de Muriel. Na repetição, e só mesmo na repetição, vê-se que a bola após ser aliviada pelo defesa do Restelo vai bater no braço de Reyes e desvia para Herrera. Acreditando que não houve falhas do VAR, foi entendido que o toque foi casual.

Veio o intervalo, mudou o filme. Em que sentido? Por um lado, o FC Porto, até à entrada de Sérgio Oliveira para dar outra força ao corredor central (75′), teve menor clarividência nas ações ofensivas e só raramente conseguiu uma oportunidade flagrante (apesar de algumas vezes andar a “cheirar” a baliza de Muriel); por outro, o Belenenses teve uma estratégia mais arrojada, subindo as linhas e conseguindo ter mais unidades em situações no último terço. Maurides (67′) e Benny (73′) tiveram remates à baliza dos dragões que passaram ao lado.

Aos 70′, o Belenenses conseguia ter mais remates do que o FC Porto na etapa complementar (4-3) e quase a mesma posse de bola (53%-47%). Houve, ainda assim, um problema na ideia de Domingos: só passou a ter mais peso em zonas de finalização (com a entrada de Tiago Caeiro) quando os dragões tinham resgatado paulatinamente o meio-campo, saindo com outra espontaneidade em transições rápidas e contra-ataques. E foi assim que, já depois de uma dupla oportunidade de Sérgio Oliveira no minuto seguinte a ter entrado (77′), os azuis e brancos fecharam o jogo.

Herrera vestiu-se de maratonista e arrancou para entregar a Aboubakar (que fez o primeiro remate apenas aos 62′) o golo do 2-0 que arrumou o resultado e fez esquecer todos os problemas que a equipa atravessou. Agora, com a pausa para seleções, a realidade irá mudar e para melhor. E quando regressarem os jogos (Taça, Champions e Primeira Liga), há duas coisas que Sérgio Conceição tem como certezas: o FC Porto estará sozinho na liderança do Campeonato e Herrera, que irá fazer mais uma maratona de viagens para representar a sua seleção, voltará como novo para as corridas que se avizinham. Para quem não entende o porquê da braçadeira, é assim que se vê um líder. E é destes jogadores que o atual treinador dos dragões não prescinde.

É uma vitória muito importante porque em casa temos demonstrado a nossa força. Quando se começa a sentir o cansaço, há que sacar forças da alma”, disse Herrera no final do jogo.