A PSP esteve na tarde desta terça-feira nos velórios das duas vítimas do surto de legionella no Hospital São Francisco Xavier para recolher os corpos a pedido do Ministério Público, que abriu um inquérito e ordenou que fosse feita uma autópsia médico-legal no Instituto de Medicina Legal. A informação foi confirmada ao Observador pelo Comando Metropolitano da PSP de Lisboa. “Recebemos a ordem do Ministério Público hoje e tentámos resolver o mais rápido possível dada a sensibilidade da situação. Foi difícil para as famílias e é uma situação desconfortável para nós”.

Um dos corpos estava a ser velado na casa mortuária junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e outro na Igreja de Santo Condestável, em Campo de Ourique, após terem sido libertados do Hospital Santa Maria e do Hospital dos Lusíadas. Ambos os corpos já foram encaminhados para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa.

A PSP diz ainda que este tipo de situações “não é comum” e que “desconhece em absoluto” porque razão o processo decorreu “desta maneira”. “Limitámo-nos a cumprir a ordem do Ministério Público”.

O Observador questionou a Procuradoria-Geral da República que justificou: “O Ministério Público decidiu ordenar as autópsias, diligências que considera essenciais para a investigação em curso”.

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Ministério Público abriu inquérito ao surto de legionella que causou dois mortos

O Ministério Público pode ordenar a realização de autópsias quando tem dúvidas sobre a causa da morte, essencial para a investigação. Segundo o advogado Rogério Alves, embora se compreenda a decisão do MP, as circunstâncias em que a PSP acabou por ter de agir não são um caso comum. “A forma insólita como tudo se processou, in extremis e que é complicada para as famílias, é anormal” embora “tenhamos de compreender as razões do Ministério Público que não terá ficado satisfeito com as certidões de óbito passadas pelos hospitais”. O advogado frisa mesmo que há situações em que é necessário exumar cadáveres.

Nas autópsias médico-legais é necessário recolher várias provas físicas que podem ser consideradas determinantes para a investigação. O mesmo já não é exigido aos hospitais, que nem em todos os casos procedem a autópsias, limitando-se em alguma situações a esclarecer a causa de morte nas respetivas certidões de óbito. Como aconteceu no caso destas duas vítimas mortais.

Graça Ribeiro, a mulher de 70 anos que morreu no Hospital de Santa Maria na manhã de segunda-feira, estava a ser velada na casa mortuária da igreja do Santo Condestável em Campo de Ourique e tinha funeral marcado para esta quarta-feira, às 15h30, mais tarde do que inicialmente previsto, uma vez que aguardava familiares que viviam na Suíça. Eram cerca das quatro da tarde desta terça-feira quando a PSP interrompeu o velório para levar o corpo.

Segundo uma das filhas, a PSP terá dito que o hospital devia ter avisado o Ministério Público de que estava a libertar o corpo e que a autópsia era obrigatória, visto tratar-se de um caso de saúde pública. Já o filho contou que tinha ido a Santa Maria onde o informaram que o cadáver da mãe tinha sido já levado pela funerária e que, segundo um enfermeiro, não seria necessário fazer qualquer autópsia.

Na casa mortuária, a PSP terá tentado levar o corpo num saco plástico preto, segundo contaram as filhas ao Observador e denunciou a neta Joana Araújo num post na sua página do Facebook.

A indignação tomou conta da família, como contou uma das filhas à SIC Notícias. “Eles disseram que a única coisa que nos sabiam dizer é que tinha de ser feita uma autópsia porque trata-se de um caso de saúde pública. Depois de falarmos em família, concordámos. Tinha de ser, se não fosse a bem era a mal. Esperámos um bocadinho, entretanto aparece a PSP com um saco de plástico como se a minha mãe fosse um cão, como se a minha mãe fosse um objeto… Isso é que não, levem as mães deles num saco de plástico! A minha mãe não sai daqui num saco de plástico. A minha mãe sai daqui com o nosso consentimento, mas como entrou. Entrou num caixão, sai num caixão. E assim foi. Batemos pé”, disse.

O cadáver de Graça Ribeiro acabou por ser transportado para o Instituto de Medicina Legal pela funerária no respetivo caixão e acompanhado pelas duas filhas. Foi dito a ambas que iriam ser feitos os possíveis para acelerar o processo e libertar o corpo para que fosse possível fazer o funeral ainda esta quarta-feira, conforme previsto. Mas a informação prestada ao filho da vítima foi bem diferente: o processo pode ficar concluído apenas na sexta-feira.

Simão Santiago retirado dos Jerónimos com consentimento da família

Quanto à outra vítima mortal, o advogado Simão José Santiago, de 77 anos, ex-chefe de gabinete do secretário de Estado da Indústria do IV Governo provisório de Vasco Gonçalves, o seu corpo foi levado pela PSP, com autorização da família, da capela mortuária do Mosteiro dos Jerónimos. Ao final da noite foi afixado no local um nota a informar que o funeral tinha sido adiado e a nova data seria comunicada mais tarde.

A família viu o procedimento do Ministério Público e da PSP como normais. Como vários familiares e amigos têm formação em advocacia, sabem que uma investigação deste género obriga a existência de uma autópsia. Também eles questionaram o hospital sobre tal procedimento, tendo sido informados que tal não seria necessário porque a causa de morte era clara e estava inscrita no atestado de óbito.

Graça Ribeiro, de 70 anos, morreu em Santa Maria, para onde se dirigiu depois de uma primeira ida ao Hospital de S. Francisco Xavier. Simão Santiago, de 77 anos, morreu no Hospital dos Lusíadas, onde foi internado depois de se queixar de um forte má disposição dias depois de ter estado a fazer exames no S. Francisco Xavier.

Advogado Simão Santiago é uma das vítimas da legionella. Número de infectados sobe para 34

Simão Santiago exercia advocacia no escritório onde trabalhava há 37 anos com o advogado Francisco Teixeira da Mota. Em 1975 desempenhou funções públicas, num dos governos provisórios chefiados por Vasco Gonçalves, como chefe de gabinete do então secretário de Estado da Indústria, João Martins Pereira.

O corpo de Simão Santiago estava a ser velado na capela mortuária do Mosteiro dos Jerónimos quando foi recolhido pela PSP com autorização da família.

35 infetados, dois mortos

O surto de legionella no Hospital S. Francisco Xavier já fez duas vítimas mortais, há 35 casos confirmados e um outro doente com suspeitas de ter a doença. O surto foi detetado na última quarta-feira, 31 de outubro, embora os doentes tenham apresentado sintomas pela primeira vez cinco dias antes. O primeiro doente foi identificado nesse mesmo dia e é um funcionário do centro hospitalar S. Francisco Xavier, tem 44 anos e problemas respiratórios, mas já teve alta. Três dias mais tarde surgiram mais dois casos, altura em que o hospital deu o alerta sobre um surto que haveria de infetar 35 pessoas.

Mais três casos de Legionella confirmados. São já 38.