No estádio ou na redação, estar a acompanhar um jogo de futebol com a possibilidade de ter recurso às imagens televisivas funciona como uma espécie de VAR para os jornalistas, não tanto pelos lances de dúvida nas áreas (até porque aí quem percebe da poda acede às repetições e tem tudo para ajuizar bem) mas pela possibilidade de confirmar quem teve a oportunidade de golo, quem falhou a interceção, quem fez a assistência. Assim, também nós não temos razão para falhar. Nem nos nomes nem no tempo de jogo, que anda sempre lá por cima entre a esquerda e a direita. Esta noite, no jogo particular entre Portugal e Estados Unidos, o que mais interessou foi mesmo ver o número que estava no canto direito do rodapé a crescer ao longo da partida.

Mas afinal o que é isso? A Federação Portuguesa de Futebol, que se profissionalizou a um nível que muitas vezes não se tem noção por cá mas que todos elogiam lá fora (em termos de estrutura e condições, estamos entre os melhores do mundo), montou uma grande operação em torno destes particulares da Seleção Nacional frente à Arábia Saudita e aos Estados Unidos para apoiar todos os afetados dos trágicos incêndios de 15 de outubro e, ao longo da partida, a linha solidária assinalava já um montante acima dos 600 mil euros (por volta dos 60 minutos de jogo, por aí). E essa foi a maior vitória de todas: no jogo “Tudo por Portugal” (o nome da campanha), ganhámos de goleada.

Ficha de jogo

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Portugal-Estados Unidos, 1-1

Jogo particular

Estádio Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria

Árbitro: Anthony Taylor (Inglaterra)

Portugal: Beto; Nélson Semedo, Pepe (Neto, 10′), Ricardo Ferreira, Antunes; Danilo Pereira (Rúben Neves, 62′), Manuel Fernandes, Bruno Fernandes (João Mário, 46′); Gelson Martins (Gonçalo Paciência, 46′), Bruma (Bernardo Silva, 62′) e Gonçalo Guedes (Rony Lopes, 81′)

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, José Sá, João Cancelo, Ricardo Pereira, Edgar Ié, Kévin Rodrigues e André Silva

Treinador: Fernando Santos

Estados Unidos: Horvath (Hamid, 46′); Lichaj (Villafaña, 59′), Brooks (Carter-Vickers, 46′), Miazga, Yedlin; Danny Williams, McKennie (Bedoya, 84′), Acosta, Tyler Adams; Sapong (Dwyer, 78′) e Juan Agudelo (Gooch, 59′)

Suplentes não utilizados: Jesse Gonzalez, Tim Ream e Rowe

Treinador: Dave Sarachan

Golos: McKennie (21′) e Antunes (31′)

Ação disciplinar: nada a registar

Fora de campo, estamos conversados; em campo, ainda há muito para conversar. E o próprio Fernando Santos terá conversado, e muito, com a equipa nacional, que esteve abaixo do que tinha exibido diante da Arábia Saudita. Por várias razões, a principal das quais ligada às muitas alterações e à normal falta de rotinas de jogo.

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Com Manuel Fernandes e Bruno Fernandes à frente de Danilo Pereira no meio-campo e as setas Gelson Martins e Bruma a apoiarem nas alas o avançado móvel Gonçalo Guedes, Portugal começou por sentir algumas dificuldades na sua primeira fase de construção e ofereceu mesmo a primeira oportunidade aos Estados Unidos, com Acosta a receber um passe mal medido de Nélson Semedo mas a disparar ao lado da baliza de Beto.

Aos poucos, o encontro foi ficando mais equilibrado, com a Seleção Nacional a ter mais bola mas os visitantes a saberem melhor o que fazer com ela. Por isso, e logo no minuto seguinte a uma defesa atenta de Beto depois de um cruzamento na esquerda quando um avançado americano ficaria isolado e pronto para encostar, o estreante McKennie coroou o primeiro encontro pelo conjunto americano (que falhou a qualificação para o Mundial na última jornada e atravessa agora o início de um processo de renovação) com o golo inaugural do encontro (21′).

Ricardo Ferreira, central de 24 anos formado no FC Porto que passou depois pelo AC Milan e pelo Empoli antes de voltar a Portugal onde esteve no Olhanense, no P. Ferreira e no Sp. Braga, onde é hoje titular indiscutível após afastamento por lesão, não teve uma estreia fácil. Podia ter feito mais nesse lance, poderia ter feito melhor em algumas bolas na segunda parte. Mas às vezes a camisola pesa. E esta foi a estreia absoluta nas seleções.

Portugal estava em desvantagem no particular, mas Horvath (curioso, mais um nome de um jogador que passou por Portugal, neste caso do médio checo que esteve no Sporting) deu uma ajuda do tamanho do mundo para o empate, atribuído a Antunes mas com grande dose de responsabilidade para o guarda-redes, que deixou passar a bola por entre as pernas num lance digno daqueles compactos dos apanhados de final do ano que nos fazem rir (31′).

Fernando Santos quis mexer ao intervalo na dinâmica ofensiva da equipa, lançando outra estreia (Gonçalo Paciência, o filho do antigo goleador agora treinador Domingos) para ter mais presença na área. No entanto, acabou por ceder nos dois pontos onde a equipa mais falhou em termos defensivos: transições (defesa enorme de Beto após cabeceamento isolado de Adams na área, aos 52′) e bolas paradas (McKennie acertou na trave na sequência de um canto aos 55′, já depois de um golo anulado mesmo no final do primeiro tempo por uma alegada falta).

A Seleção Nacional tremeu, mas conseguiu estabilizar o seu jogo. Um pouco como no primeiro tempo, sem a objetividade e a clarividência normais e necessários para empurrar os americanos para a sua área e ter grandes oportunidades de golo, mas o suficiente para conseguir ir controlando o jogo. E, curiosamente, a melhor chance sairia dos pés de Gonçalo Paciência que, numa remate cruzado na área, acertou na trave (68′).

Ainda houve tempo para mais uma estreia (Rony Lopes), dois ou três pormenores individuais de classe e pouco mais. Portugal acabou mesmo o último jogo particular de preparação para o Campeonato do Mundo em 2017 com um empate a uma bola, daqueles que vale bem mais por ter em ação outras alternativas do que propriamente pelo resultado. Até porque o próximo “jogo” está marcado para Moscovo a 1 de dezembro, quando a Seleção Nacional ficar a conhecer os seus adversários no Mundial. É a partir daí que tudo vai começar mais “a sério”.

Ah, e já agora, como não poderia deixar de ser, deitámos uma última olhadela para o rodapé no canto direito do ecrã para ver como estava aquele número que tanta atenção nos prendeu: mais de 613 mil euros. Houve um empate em campo, mas a goleada dos portugueses fora dele foi o mais importante desta noite em Leiria.