Portugal passou de exportador a importador de eletricidade no mês de outubro. O saldo acumulado das compras e vendas a Espanha nos primeiros dez meses do ano ainda é favorável a Portugal, mas no último mês verificou-se uma inversão da tendência com as compras ao mercado vizinho a ultrapassarem as vendas.

Ainda que a seca, com a redução acentuada da produção hidroelétrica nos últimos meses, tenha contribuído para esta viragem, fontes do setor contactadas pelo Observador apontam outra causa mais imediata: o despacho publicado no final de agosto que revogou uma medida aprovada pelo anterior Executivo. Em causa está a anulação de um mecanismo que permitia às centrais elétricas obter uma compensação em nome da neutralidade das medidas fiscais aplicadas ao setor pelos dois países. As elétricas reagiram de imediato, e perante a incerteza sobre as novas condições (que só esta sexta-feira foram publicadas) e a perda de competitividade face aos preços espanhóis, reduziram a produção nas centrais a gás natural que são as mais expostas à concorrência porque não têm contratos que garantam a remuneração.

As centrais da EDP (Lares e Carregado) e a unidade do Pego, operada pela Endesa, produziram nos meses de julho e agosto cerca de 1.300 GW/hora. Em setembro, baixaram a sua oferta ao mercado para pouco mais de 900 GW/hora e para cerca de 650 GW/hora em outubro, metade do que chegaram a produzir nos meses de verão. Este recuo coincide com o agravamento da seca que fez acentuar a quebra da produção hídrica nas grandes barragens para quase 60%, face ao mesmo período do ano passado.

Neste cenário, as centrais térmicas deveriam estar a reforçar a sua oferta para compensar, mas a maioria das unidades térmica, reduziu a produção em outubro, com exceção dos grupos a carvão do Pego. As quedas são contudo mais expressivas nos grupos a gás natural que estão no mercado. Em agosto estas unidades produziram o correspondente a um terço do consumo mensal e em outubro a sua produção corresponde apenas 16%.

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EDP reconhece o aumento do potencial de importação de Espanha

Contactada pelo Observador, fonte oficial da EDP diz que a empresa “reflete naturalmente todos os custos variáveis das suas centrais na oferta que disponibiliza no mercado Ibérico. A existência de custos que só afetem centrais portuguesas reduz a competitividade destas centrais, aumentando o potencial de importação de eletricidade de Espanha”. Para além das centrais do Carregado e de Lares, a EDP opera ainda a maior central do país, Sines, que passou para o regime de mercado este verão.

A portaria de revogação, assinada pelo secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, teve como objetivo, conforme veio a ser clarificado mais tarde, impedir que os custos impostos às elétricas em Portugal, como a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) e a tarifa social de eletricidade, viessem a pesar nos preços pagos pelos consumidores de eletricidade.

A legislação que enquadra estas medidas proíbe as empresas de repercutirem estes custos nos clientes, mas um diploma aprovado pelo anterior Governo permitiu que as centrais portuguesas beneficiassem de um mecanismo de equilíbrio da concorrência no mercado grossista. Este regime foi inicialmente criado para neutralizar o impacto no preço em Portugal dos impostos cobrados às elétricas espanholas. E nos primeiros anos da sua aplicação, as centrais portugueses devolveram aos consumidores a margem adicional que obtinham face a uma fatura fiscal mais leve do que a aplicada às suas concorrentes espanholas.

Mas em 2015, o anterior Governo permitiu que fosse descontado o impacto da CESE e da tarifa social a essa margem, reduzindo o valor a devolver pelas empresas, num despacho que foi declarado nulo por este Executivo em outubro, levando inclusive à reclamação de 100 milhões de euros — dos quais 90 milhões à EDP — às empresas por benefícios passados.

Governo anula despacho “ilegal” do anterior executivo que beneficiou EDP

Com a interrupção deste mecanismo, as centrais elétricas em regime de mercado passaram a incorporar nos custos de produção a fatura fiscal do lado espanhol com os encargos do lado português, o que fez subir o preço da sua oferta. Ao perderem a competitividade face às concorrentes espanholas, estas centrais — e estamos a falar sobretudo de três unidades a gás natural — cortaram na produção, uma queda na oferta portuguesa que já é visível nas estatísticas de setembro e de outubro e que confirma os avisos feitos pelas elétricas sobre as repercussões desta decisão. O aumento das importações é para já limitado — em outubro o saldo negativo para Portugal foi de apenas 348,6 GW/hora, menos de 10% do consumo, mas pode subir, dependerá da avaliação que as elétricas fizerem dos novos parâmetros.

O recuo na oferta das centrais portugueses fez também aumentar ligeiramente o preço no mercado spot ibérico. O efeito na fatura final do consumidor dependerá muito do tempo e da intensidade do fenómeno, sendo que existem outros fatores a condicionar os preços da eletricidade como a seca. O maior risco é o que um maior recurso a importações esgote a capacidade de interligação, potenciando o fenómeno de segmentação nos preços grossistas entre os dois países, com Portugal a pagar mais por causa das restrições no acesso a uma energia mais barata do outro lado da fronteira.

O Governo publicou esta sexta-feira as novas condições para neutralizar os efeitos de medidas extra-mercado, como os impostos, no preços da eletricidade. O valor de referência de 4,75 euros por megawatt/hora será aplicado com efeitos retroativos à energia produzida a partir de 26 de agosto, quando foi revogado o parâmetro anterior, e até ao final do ano. Para 2018, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos terá de fazer um novo estudo, incluindo do lado português o impacto do fim da isenção do imposto petrolífero sobre o carvão usado para produzir eletricidade. As empresas abrangidas ainda estão a avaliar as implicações deste despacho.