A história podia ser a de qualquer Orçamento do Estado na especialidade: a oposição a propor medidas adicionais, o Governo a acusar a oposição de despesismo irresponsável. E voltou a repetir-se. No arranque do debate na especialidade, o Governo até fez genericamente as contas: se as medidas da oposição fossem aprovadas, a despesa adicional seria de mais de 1500 milhões de euros e o impacto podia ser superior a 1900 milhões de euros. Para o PS esta “irresponsabilidade” não passa de uma tentativa de “sabotagem” do Orçamento do Estado para 2018.

O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, afirmou mesmo que “o PSD apresenta-se neste debate para não ser levado a sério por ninguém, mas o CDS não quer ficar atrás: critica a irresponsabilidade mas tem a coragem de apresentar medidas que apresentam uma despesa adicional de 1500 milhões de euros.” Pouco depois, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, apontava que “entre receita e despesa” as medidas da oposição poderiam custar 1900 milhões de euros.

Antes disso o deputado do PS João Paulo Correia já tinha criticado o “comportamento pouco responsável” da oposição ao fazer propostas na especialidade que fariam “disparar a despesa pública”, numa “estratégia de sabotagem do Orçamento do Estado”. Prometia também que o grupo do PS iria, nas votações que se seguem nos próximos dias, “impedir esse assalto à despesa pública“.

Do lado da oposição, a “irresponsabilidade” está na estratégia do Executivo para este Orçamento. António Leitão Amaro, do PSD, reiterou que o Orçamento demonstra que o país “merece um Governo diferente”, que não gaste “as fichas todas no consumo interno“. O deputado social-democrata voltou a acusar o executivo socialista de ter uma política de “chapa ganha, chapa gasta“, a que, lembrou, o Governo diz ser de “chapa ganha, chapa distribuída”. Porém, deixou o aviso: “Para distribuir riqueza é preciso que ela seja criada, de forma sustentada“.

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A deputada do CDS, Cecília Meireles, insistiu que este Orçamento traz uma “austeridade dissimulada“, que, simultaneamente, “promete tudo a todos e ao mesmo tempo“. Tanto CDS como PSD criticaram a proposta do PS para o regime simplificado dos “recibos verdes”. Leitão Amaro disse que o regime simplificado é “super complicado” e Cecília Meireles acrescentou que é absurdo ter essa designação, já que “não podia ser mais complexo”.

O deputado comunista, Paulo Sá, elogiou os progressos que foram feitos neste Orçamento, embora o PCP considere que “é possível ir mais longe na reposição de rendimentos”, daí que tenha apresentado “mais de uma centena de propostas de alteração” para eliminar esses “aspetos negativos” do orçamento.

A bloquista Mariana Mortágua afirmou que a “negociação respeitou acordo que existe entre Bloco de Esquerda e PS”, mas destacou que “a especialidade do Orçamento do Estado não vai apagar as limitações deste orçamento mas deve e pode aprofundar as soluções que são fruto da negociação”. O Bloco acusa ainda direita de querer proteger interesses particulares quando “propõem mais benefícios fiscais para a especulação bolsista”.

Mariana Mortágua acusa ainda PSD e CDS de serem “contra tudo”, mas quererem “mais de tudo”, naquilo que considera ser um “oportunismo total”. A deputada acusou ainda a líder do CDS, Assunção Cristas, de “oportunismo político” ao dizer que os “professor têm razão”, lembrando que os professores “também tinham quando o Governo [PSD-CDS] lhes impôs uma reforma humilhante.”

Pedro Nuno Santos disse ainda que o Governo não está a ser “eleitoralista” com as medidas que tomou: “Quando aumentamos pensões não estamos a dar nada a ninguém, estamos a respeitar quem trabalhou a vida inteira e merece ter uma reforma com dignidade. Quando baixamos os impostos para os trabalhadores da classe média e média baixa, não estamos a ser eleitoralistas, estamos a respeitar quem trabalha e ganha pouco em Portugal. Quando descongelamos as carreiras, não estamos a ser eleitoralistas nem a dar nada a ninguém, estamos a respeitar quem trabalha todos os dias. Estamos a respeitar o contrato que o Estado tem com os trabalhadores.” O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares destaca ainda que o Governo fez isto tudo “com o défice mais baixo da história da democracia e baixando a dívida pública.”

Descongelamento não é “reescrever o passado”, avisa secretária de Estado

A manhã de debate aqueceu quando se tocou no descongelamento de carreiras, com o PSD a atirar aos governos socialistas a responsabilidade por ter avançado com o congelamento, em 2011 (a decisão foi tomada em 2010). O deputado social-democrata Adão Silva disse que em 2016, “com o apoio do PS, PCP e BE, as carreiras continuaram congeladas”, atirando essa responsabilidade para o lado de lá: “Chega, basta de cinismo”. Depois classificou a discussão sobre o descongelamento, no âmbito deste Orçamento do Estado, de “uma verdadeira trapalhada”, pedindo que o Governo dê respostas sobre “quantas pessoas abrange? Trava ou não a contagem do tempo das carreiras?”.

A secretária de Estado da Administração e do Emprego Público acabaria por responder: “Descongelar não é reescrever o passado, é remover bloqueios”. Fátima Fonseca admitiu que a proposta do Governo “não é um remédio para o que precisa de ser melhorado, mas tornou evidentes as diferenças que existem”, mantendo a posição quanto à retroatividade: não existirá. Até porque “o processo tem de ser compatibilizado com todas as necessidades que o Orçamento deve abordar”, explicou depois de já ter falado nos custos da medida tal como está na proposta do Governo: “Tem um valor estimado de 650 milhões de euros ao longo de três exercícios orçamentais (…) não fazemos milagres, fazemos as contas”.

À esquerda, a estratégia foi atacar a direita, para não hostilizar os socialistas numa matéria que sabem que têm responsabilidade, tanto assim é que Heloísa Apolónia, dos Verdes, disse que “o congelamento das carreiras foi feito no tempo do PS evidentemente, mas entretanto houve um Governo PSD e CDS que durante um mandato inteiro o manteve”. E foi aqui que se fixaram as intervenções da esquerda, com Rita Rato, no PCP, a dizer que é “tão responsável quem congelou como quem manteve”. Já no PS, o esforço de desresponsabilização dos socialistas foi (como era de esperar) ainda mais longe, com a deputada Vanda Guimarães a dizer que “agrade ou não, a promessa do PS era que o descongelamento das carreiras não era a reposição ou a retroatividade”.