Além dos vários registos em que era conhecido na comunicação social, Pedro Rolo Duarte escrevia de forma regular no seu blogue em nome próprio. Nele, ao longo de dez anos — no passado dia 15 de novembro, quando o jornalista já estava internado, o blogue atingiu o seu 10º aniversário —, Pedro Rolo Duarte escreveu de forma frequente, por vezes várias vezes ao dia.

Se em muitas ocasiões as entradas no blogue eram a republicação das suas crónicas no portal Sapo, na revista Lux Woman e noutras publicações onde colaborava, também foram vários os posts que escreveu num tom mais intimista, dando a conhecer episódios da sua vida, histórias que partilhava com os mais próximos e homenageava familiares, amigos e colegas — homenagens feitas em vida e também quando chegava a notícia das suas morte.

[Recorde neste vídeo o jornalista a contar uma história sobre a verdade, a propósito do “programa da montra” na RTP]

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Sobre o filho e o pai

Não há pessoa sobre a qual Pedro Rolo Duarte tenha escrito tanto como sobre o seu filho, António. Do jovem que hoje tem 21 anos de idade, destacava num post de fevereiro 2008 que ele “pode ter nascido com talento e gosto” para a escrita, dom que alguns podiam considerar “natural”, tendo em conta a árvore genealógica (os avós também eram jornalistas). “Mas há sempre o empurrãozinho que nos cabe a nós, pais, dar no momento certo. O resto correrá por conta dele e da sua vontade”, escreveu.

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Noutro post, onde assinalava a passagem de 850 dias sem fumar — um feito que viria a assinalar todos os anos que se seguiriam —, dizia ter dado “uma grande alegria” ao filho. “Estou fisicamente mais perto do meu filho”, congratulou-se.

Anos mais tarde, em outubro de 2011, escreveu sobre a festa do 16º aniversário do filho, onde acabou por ser árbitro de quatro jogos de futebol.

Ontem arbitrei quatro jogos num torneio de futebol entre este grupo de adolescentes. O pretexto eram os 16 anos do meu filho. Fui acusado de ser árbitro ‘de menos’ – porque pedagogicamente deixei que a auto-regulação fosse a regra, e o meu apito a excepção”, escreveu à altura.

Meses mais tarde, em janeiro de 2012, dava conta de que António Rolo Duarte se preparava para ir estudar para fora do país. “Não tem nada a ver com a crise, nem com a troika – mas calha que o meu filho decidiu ir estudar para fora de Portugal, e os pais acharam que não era má ideia, e lá se entenderam para concretizar o sonho dele. Parte esta sexta-feira, e é para bem longe”, escreveu.

Mais tarde, explicava que tinha sido para a Austrália que o seu filho se tinha mudado, levando com ele as cores clubísticas, que partilhava com o pai:

“Quando fez a mala para a longa viagem teve de ser comedido na bagagem, não cabia tudo. Mas é claro que couberam o cachecol, a bandeira e a camisola do Benfica. Às vezes vejo-o online no Skype nos momentos em que o clube joga – e lá, do outro lado do mundo, é de madrugada…”

Anos depois, em junho de 2014, com o filho já em Portugal, Pedro Rolo Duarte não escondia o orgulho de ir ver o filho António à Praia Grande, em Sintra, onde trabalhou como nadador-salvador:

“Ontem, pai-galo, fui ver o meu filho na sua nova função de nadador-salvador da Praia Grande. Acho que nem ele tem bem a noção do orgulho que é, para mim, vê-lo equipado e atento num dos lugares essenciais da minha vida. A praia que foi a casa de férias, parque infantil, centro de reconhecimento de potenciais namoradas, e jardim de efectivo namoro, desde que nasci até aos 21 anos…”, escreveu naquele verão.

Os posts mais recentes davam conta do novo paradeiro do filho: Manchester, no Reino Unido. Ali, no meio universitário, António seguiu as pisadas do pai e fundou a revista The Manchester Magazine. No post mais recente, dava conta da atribuição de um prémio àquele título por parte da Student Publication Association. “De novo, o orgulho do pai era frequente. “Não tiro falso proveito do sucesso de um filho que me orgulha pelo seu talento, trabalho, esforço, estudo, inteligência, vontade e resiliência. Dele. Desde sempre. Pai e mãe permitiram, apoiaram, e incentivaram. Orgulham-se até às lágrimas dos seus feitos e conquistas. Mas é tudo – e é tanto que não cabe num coração só: orgulho e apoio incondicional, amor e cumplicidade”, escreveu Pedro Rolo Duarte, a 9 de maio de 2017.

Além do filho, há outro António Rolo Duarte que mereceu várias menções naquele blogue: o pai de Pedro Rolo Duarte. “A morte do meu pai, em Fevereiro de 1987, mudou tudo na vida do jovem de 22 anos que eu era, e para quem a vida não tinha a morte incluída”, escreveu o jornalista, que foi buscar o ofício ao pai, em outubro de 2016.

Noutro texto, de 2015, fazia uma crítica dos media, referindo que o seu pai “não seria sinceramente feliz no tempo atual”. “O rigor com que praticava o jornalismo (era obsessivo com datas, idades, factos concretos), o tempo que achava essencial para confirmar um rumor ou o que poderia constituir noticia, não seriam facilmente compatíveis com esta voragem em que vivemos, e que condena na praça pública, com a maior das veleidades, qualquer erro: o humano, o propositado, o negligente, o indigente”, referiu.

Os elogios aos colegas, com Miguel Esteves Cardoso no topo

Os posts sobre jornalismo eram, de resto, frequentes. Nestes, destacam-se as vezes que homenageou amigos e colegas de profissão. Em repetidas ocasiões, elogiou a sua “afilhada” de redação e também de casamento, a jornalista e blogger Sónia Morais Santos. Conheceu-a quando ela dava os primeiros passos na revista que era da sua responsabilidade, a DNa, descrevendo-a então como “uma miúda tímida, mas sorridente e divertida, que se apresentava como uma teenager, camisola com ursinhos bordados, jeans e sapatos de vela, tratava todos por ‘você’.”

Outro desses textos foi sobre a jornalista Joana Stichini Vilela, uma das primeiras pessoas que conheceu na redação do jornal i, aquando da sua fundação, em 2009:

“Como não conhecia ninguém, divertia-me a tentar adivinhar quem seriam os rostos dos nomes que lia no jornal. Acertei alguns, falhei a maioria. Mas a maior surpresa foi mesmo uma miúda muito bonita, sempre de sorriso aberto, porém tímida, discreta, que dado este quadro que vos descrevo não podia de todo ser a jornalista de mão cheia que assinava matérias óptimas, bem escritas, ousadas, inteligentes, com sentido de humor, sob o nome Joana Stichini Vilela”, escreveu.

“Um dia, descobri que era mesmo ela. Um talento enorme, uma modéstia que só lhe ficava bem, e o tal sorriso aberto com um olhar que tanto parecia ser discreto, como podia ser irónico”, disse, sobre a jornalista com a qual viria a apresentar o “Central Parque”, uma magazine semanal da RTP3 que foi o último projeto televisivo de Pedro Rolo Duarte.

Na área do jornalismo, não houve ninguém que lhe merecesse tantos elogios como Miguel Esteves Cardoso, com quem fundou o semanário Independente e a revista K. Frequentemente, assinalava que tinham amizade forte, apesar do silêncio e distância que mantinham. “Falamos quando temos de falar — e não temos de falar, mesmo que queiramos falar, que é o que acontece sempre. Mas temos anos e anos em atraso e sempre que falamos combinamos que não há mais atrasos. Já sabemos que haverá”, escreveu, aquando do lançamento do livro “Em Portugal Não Se Come Mal”, de Miguel Esteves Cardoso.

Em 2015, Pedro Rolo Duarte escreveu sobre a morte da mãe daquele seu amigo, a quem não poupava elogios:

“Agora, que já passaram alguns dias, consigo escrever sobre aquilo a que assisti, em pouco tempo, no enterro da sua mãe: a vida, a lucidez, o sentido de observação e as lições imediatas que o meu amigo maior Miguel Esteves Cardoso conseguiu tirar, racionalizar, verbalizar e partilhar com os que o rodeavam, por breves instantes que fossem, fizeram com que aquele momento triste e sem jeito se transformasse em vida para lá da morte, em prolongamento e consequência, em sentido mesmo do que por natureza não tem sentido. Conseguimos rir, chorar, comover-nos. Conseguimos sentir leveza no peso, e perceber o peso na aparência da leveza.”

Nesse texto, voltou a referir os encontros que faltavam àquela amizade. “Estamos juntos tão menos vezes do que ambos precisávamos. Somos parvos e vamos arrepender-nos. Mas até com isso somos capazes de rir: “À quarta, à uma da tarde, no Saraiva de Nafarros, sempre marcado — quer estejamos ou não. E nenhum de nós tem de avisar o outro”. Só estivemos uma vez, e a combinação semanal tem pelo menos dois anos”, anotou o jornalista.

Os elogios fúnebres e as memórias que ficaram vivas

Pedro Rolo Duarte escreveu várias vezes honra a amigos e antigos colegas que perderam a vida, escreveu elogios onde partilhava as histórias que guardava de cada um deles. Como sobre o jornalista Cáceres Monteiro, diretor da Visão quando Pedro Rolo Duarte era editor-chefe naquela revista. Numa viagem conjunta da redação à Suíça, Pedro Rolo Duarte decidiu desenhar o logótipo da Visão na neve. “Ninguém reagiu a não ser o Cáceres”, conta. “Isso vai derreter e daqui a bocado não se vê nada”, disse-lhe o diretor. “É como o jornalismo, o que fazemos: hoje é importante, amanhã ninguém se lembra”, respondeu-lhe.

Do jornalista Oscar Mascarenhas, de quem foi “vizinho de gabinete envidraçado no DN quase dez anos” e com o qual foi “da picardia ao respeito”, recorda quando o encontrou “pelas alamedas do Hospital Curry Cabral”. “Então, que fazes tu por aqui? Nem estás com ar muito doente…”, perguntou-lhe Oscar Mascarenhas. Pedro Rolo Duarte respondeu-lhe que estava “a acompanhar uma pessoa amiga” e depois devolveu-lhe a mesma pergunta. O ex-provedor do leitor do Diário de Notícias respondeu-lhe: “Meia-dúzia de análises, a ver se vivo mais uns anos…”. O episódio foi recordado por Pedro Rolo Duarte a 10 de maio de 2015, poucos dias depois da morte de Oscar Mascarenhas. “Há uns dias que este encontro, e este diálogo, não me saem da cabeça”, confessou.

Também lembrou o jornalista e político Miguel Portas quando este morreu, em 2012, recordando quando se conheceram:

“Recuei umas décadas e encontrei o Miguel, na sala de convívio da sede da UEC [União de Estudantes Comunistas], na Rua Sousa Martins, a ensinar-me a ler O Capital, de Karl Marx, numa espécie de curso de formação de quadros dos estudantes comunistas. Tinha 14 anos, ele teria 20, era um dos ídolos dos adolescentes que, como eu, por instantes acreditaram naqueles amanhãs a cantar”, escreveu.

Mais tarde, quando já era maior a distância ideológica entre os dois, Pedro Rolo Duarte entrevistou-o para a revista K. “A coisa correu mal, cada um a puxar a brasa à sua sardinha política”, contou.

O seu penúltimo post data de 5 de novembro e é, também ele, uma homenagem a mais um amigo que morreu. Trata-se do jurista Tomaz Bairros, que conheceu já depois dos 40 anos.

“Cheguei a dizer, nas conversas parvas de fim de noite, depois de acabar o gelo, que não queria conhecer mais ninguém, até porque não havia mais ninguém para conhecer”, terá dito, depois de ultrapassada a quarta década de vida. Mais tarde, admitiu ter aprendido “uma lição sobre as certezas”. “Julgava que havia algumas, mas não há uma única. Foi assim que, depois dos 40, e ao contrário do que me parecia óbvio, conheci algumas das pessoas mais importantes da minha vida”, admitiu.

De Tomaz Bairros, Pedro Rolo Duarte destacou “aquele olhar entre o malandro, o ausente e o eufórico”, referindo que recebeu “fsempre, sempre lições (…) de humor, de simplicidade, de inteligência, de cultura, de voar numa única frase de um concurso de karaoke a um estudo aeronáutico improvável”. Acrescentou ainda: “O Tomaz foi a surpresa que já não se espera – e a sua morte, a tristeza funda que não se deseja a ninguém”.