É tão fácil criticar o mercado mainstream. Mas também é fácil perceber que nas séries que têm “obrigação” de lançar um título anual, a arte e a criatividade são atiradas para trás das costas em nome da linguagem pesada que dita o toque de caixa: o lucro. Assassin’s Creed, da gigante francesa Ubisoft, é um dos casos mais gritantes, e talvez um daqueles que mais acusou o ritmo de lançamento e produção desmedido nos últimos anos.

Depois de reinventarem e definirem o género com o primeiro título, em 2007, as diversas equipas da Ubisoft responsáveis por desenvolverem os 19 jogos lançados nos últimos dez anos acabaram por acusar um certo cansaço criativo, repetindo a fórmula de Assassin’s Creed até à exaustão. Nos últimos três anos, pouca coisa mudou além do cenário histórico. Isso levou à criação de jogos mal recebidos e cheios de problemas técnicos, como foi o caso de Unity, de 2014, ou o também aborrecido Syndicate, de 2015, passado na Londres de Charles Dickens.

O ano passado foi o primeiro em quase uma década em que o mercado não viu chegar um novo título da série. Este hiato de lançamento era uma necessidade urgente de todos: do mercado, saturado pela repetição nauseante da mesma fórmula, e dos criadores, que entraram numa linha de montagem exaustiva que resultou em tantos jogos banais, que dificilmente conseguiram manter a qualidade dos pontos altos da série. Assassin’s Creed: Origins, lançado há semanas, é assim uma espécie de reencontro coletivo com a série. O jogo segue uma fórmula diferente da banalizada, o que mostra que a diminuição do ritmo de produção foi positiva, permitindo aos criadores respirar e reinventar Assassin’s Creed.

Há muito tempo que os fãs de AC pediam à Ubisoft um jogo passado no Antigo Egito, e apesar de alguns dos dirigentes da companhia acharem que este setting não se ajustava à série, a realidade de Origins prova-nos exatamente o contrário.

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Em comum com os antecessores mantém-se a recriação detalhada (e por vezes livre) das cidades e dos períodos históricos, o que permite fazer parkour pelas pirâmides do Egito e pela Grande Esfinge, entre tantos outros monumentos e cidades perdidas no tempo. O jogo passa-se no final da Dinastia Ptolemaica, com Cleópatra, momento histórico que serve como pano de fundo a uma conspiração de organizações secretas, fio condutor de toda a série Assassin’s Creed, onde o enredo faz muitas vezes lembrar um Dan Brown de trazer-por-casa.

A grande joia da coroa deste AC: Origins é indubitavelmente a forma como a exploração do Egito Antigo se mescla tão bem com as acrobacias e o parkour levado a cabo pelo nosso protagonista. A imensidão do mapa — que mostra grande parte das margens do Nilo e das cidades egípcias, desenvolvidas com uma grande riqueza e detalhe — transforma a experiência de encontrar os segredos enterrados nas areias do deserto egípcios ou nos túmulos e altares abandonados num dos pontos altos de toda a série.

O mundo aberto continua, agora com a aproximação total a um RPG ocidental, o que levou a uma transformação definitiva do horizonte de Assassin’s Creed. Longe ficou a quase obrigatoriedade de furtividade, muitas vezes resolvida com mecânicas risíveis que tinham sistemas de combate que se resumiam a carregar em botões nos tempos certos. O facto de Origins se ter despojado de uma vez por todas da sua origem (o que é, por si só, uma ironia), tornou o jogo muito mais imersivo. O combate é mais dinâmico e mais próximo da ação de grandes títulos do mercado contemporâneo, como Dark Souls e The Witcher, o que contribuiu para o elevar acima do aborrecimento das danças automatizadas dos jogos anteriores. Além disso, agora existe a possibilidade de trocarmos de equipamento (e de fazermos upgrades) e de ver o nível dos inimigos e perceber se são mais fortes ou mais fracos do que nós.

É claro que a lógica de encontrar e trocar itens conduziu às loot boxes, o grande aspeto negativo do mercado de videojogos, que levou vários parlamentos, dos Estados Unidos da América à Bélgica, a criar uma legislação para o combater.

Assassin’s Creed: Origins não inova o mercado nem o género, mas muda em muito o paradigma da série e até aquilo que são os mundos abertos criados pela Ubisoft. Com um dos ambientes mais interessantes para explorar, um desenvolvimento narrativo curioso que se vai vislumbrando pelo meio dos clichés, cidades repletas de pessoas e histórias para contar e dezenas de horas de jogo para descobrir todos os segredos escondidos, AC: Origins é o melhor regresso que poderíamos esperar desta famosa série que há um ano teve direito a uma adaptação cinematográfica, protagonizada por Michael Fassbender.

Assassin’s Creed: Origins é um dos grandes blockbusters do ano e a entrada mais fresca numa série (e num universo) que já cansava pela repetição. Naquela que é a viagem mais atrás na História, resta-nos perguntar: onde e quando acontecerá a próxima aventura?

Ricardo Correia, Rubber Chicken