O Presidente angolano, João Lourenço, garante que Angola tem divisas, só que estão fora do controlo do circuito legal, criticando o facto de até agora “ninguém” ter feito “nada” para inverter o cenário. A situação foi utilizada pelo chefe de Estado para explicar as recentes mudanças na direção do Banco Nacional de Angola (BNA) e no comando-geral da Polícia Nacional, com João Lourenço a definir como prioritário o combate à venda ilegal de divisas nas ruas, que atingiu “níveis preocupantes”.

“Há divisas em Angola, pelo menos em Luanda, só que estão fora das instituições próprias que deviam ter o controlo delas”, criticou João Lourenço, no sábado, em Pretória, ao fechar o terceiro dia de visita de Estado à África do Sul, a primeira do género desde que foi empossado no cargo, a 26 de setembro último.

As divisas “não estão nos bancos, mas estão em locais perfeitamente identificados, mas que por razões que desconhecemos, todo o mundo sabe e ninguém faz nada. Então, esta é uma das medidas [orientações ao banco central e polícia] que vai com certeza contribuir para que haja mais divisas disponíveis para a economia, de uma forma geral, e para outro tipo de necessidades”, disse.

O preço para comprar um dólar norte-americano nas ruas de Luanda manteve-se estável na última semana e a divisa estava a ser transacionada, na sexta-feira, à volta de 410 kwanzas (2,10 euros), duas vezes e meia acima da taxa de câmbio oficial. O custo de cada dólar no mercado paralelo chegou a rondar, após as eleições gerais de 23 de agosto, os 370 kwanzas, quando a taxa de câmbio oficial definida pelo BNA está há um ano e meio fixa nos 166 kwanzas (85 cêntimos de euro).

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“O negócio está a apertar muito nos últimos dias, os fiscais estão a fiscalizar muito”, explicou na altura à Lusa uma das ‘kinguilas’ de Luanda, como são conhecidas as mulheres que se dedicam à compra e venda de divisas. Face à possibilidade de uma forte desvalorização do kwanza a curto prazo, o valor do dólar no mercado de rua de Luanda disparou na primeira semana de novembro, até aos 430 kwanzas (2,25 euros), máximos desde janeiro.

Numa ronda realizada na sexta-feira, foi possível encontrar em Luanda cada dólar a ser vendido entre 400 e 410 kwanzas, em bairros de referência da capital, casos do Mártires de Kifangondo, Mutamba, Maculusso e São Paulo. Só a falta de moeda nacional em circulação, relatam estas ‘kinguilas’, está a travar a subida na cotação da moeda estrangeira.

Este negócio, apesar de ilegal e condenado pelo BNA, representa para muitos, angolanos e trabalhadores expatriados, a única forma de aceder a divisas, face às limitações nos bancos, funcionando a cotação de rua como referência para alguns negócios. “O nosso país encontra-se numa situação económica e financeira difícil, resultante da queda dos preços do petróleo no mercado internacional e da consequente liquidez em moeda externa”, admitiu o Presidente angolano na Assembleia Nacional, em 16 de outubro.

Esta conjuntura, recordou João Lourenço, levou as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) do Estado – que estão a ser vendidas aos bancos comerciais para compensar a falta de divisas – a “uma preocupante contração acumulada de 46,4%” entre 2013 e o segundo trimestre de 2017, “como consequência dos sucessivos défices das balanças de pagamentos, devido à diminuição do valor das exportações petrolíferas”.

“Neste contexto, impõe-se a tomada de medidas de política necessárias e inadiáveis, de modo a alcançar-se a estabilidade macroeconómica do país, com a pedra de toque no equilíbrio das variáveis macroeconómicas suscetíveis de garantir os equilíbrios internos e externos do país e as condições necessários para estimular a transformação da economia, o desenvolvimento do setor privado e a competitividade”, disse.

Alguns economistas têm apontado, nas últimas semanas, a possibilidade de uma forte desvalorização do kwanza, moeda nacional, face ao dólar norte-americano, possivelmente à volta de 30%.