A visita do Papa Francisco a Myanmar, que começou esta segunda-feira, é a primeira de um pontífice católico ao país do sudeste asiático, que é maioritariamente budista. O clima é de excitação entre a pequena comunidade de católicos (são cerca de 650 mil), mas não só: acima de tudo, paira a incerteza sobre a visita de Francisco.

Myanmar enfrenta inúmeras acusações de limpeza étnica e repressão dos Rohingya, a minoria muçulmana de Rakhine, que fogem do país rumo ao Bangladesh em busca de refúgio e proteção da perseguição militar. Em Myanmar, contudo, não usam o termo Rohingya, mas antes ‘Bengali’, que implica que estes são imigrantes ilegais do Bangladesh.

O Papa já o usou para abordar o tema, quando denunciou a perseguição — “irmãos Rohingya”, foi o que lhes chamou, em agosto deste ano. Em Myanmar pedem que não o torne a fazer com medo de que gere uma nova onda de violência.

Os rohingyas não são considerados cidadãos de Myanmar apesar de muitos viverem no país há gerações. Além de não terem acesso ao mercado de trabalho, às escolas e aos hospitais, os rohingyas não têm liberdade de movimentos.

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A possível abordagem do tema, em geral, está a deixar os myanmarenses desconfortáveis. Ao The Guardian, um padre disse ter “medo do que [o Papa] vá dizer sobre o estado de Rakhine”. De lá fugiram mais de 600 mil muçulmanos — quase o equivalente a toda a comunidade católica do país –, do massacre, de violações e de casas queimadas pelos militares e por budistas. Os católicos temem que palavras do Papa sobre o tema possam torná-los num alvo de perseguição nacionalista.

Francisco disse na semana passada que a visita servia para “confirmar a comunidade católica em Myanmar” e recebeu recomendações, tanto de um cardeal myanmarense como de Kofi Annan, antigo secretário-geral da ONU, para que abordasse o tema com cautela. Mas o primeiro papa jesuíta não é conhecido por seguir recomendações: em 2014, numa visita a Israel, Palestina e Jordânia, Francisco saiu do ‘Papamobile’ em Belém para rezar no muro que separa a cidade palestiniana de Jerusalém.

A visita de Papa Francisco a Myanmar já estava marcada desde antes da crise no país. O pontífice vai reunir com a líder do país, Aang San Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz que tem sido altamente criticada pela sua passividade e silêncio face à perseguição dos rohingyas, e com o comandante-chefe das forças militares, Min Aung Hlaing, que é acusado pelas organizações de defesa dos direitos humanos de ser o principal responsável pela campanha de repressão.

O Papa vai ainda dar duas missas no país e reunir-se com o Conselho Superior Sangha dos monges budistas (órgão que reúne os líderes máximos da religião) antes de viajar para o Bangladesh, onde se vai encontrar com refugiados muçulmanos e com responsáveis políticos e religiosos.

A viagem está ainda marcada por uma série de restrições, em especial para quem acompanha a visita papal.

Myanmar impõe restrições à imprensa internacional durante visita do Papa

Milhares de católicos acolhem Papa em Rangum

Católicos vindos de todo o país emocionaram-se quando o Papa surgiu em público, tendo sido saudado pelos líderes católicos locais, que representam os cerca de 650 mil cristãos residentes no país, um pouco mais de 1% dos cerca de 51 milhões de habitantes de Myanmar.

“Vi o papa. Estão tão emocionada que até chorei. O ar tornou-se agradável e doce. Francisco vem pela paz”, declarou Christina Aye Sein, funcionária de um banco católico em Rangum, à passagem do cortejo papal, usando uma “t-shirt” com uma fotografia e Francisco e uma frase: “paz e amor”.

Genevieve Mu, residente no Estado de Karen (leste) e que veio a Rangum para ver o papa, também se mostrava entusiasmada com a visita do Papa.

“Vieram pessoas dos quatro cantos do país, mesmo para ver o papa apenas por alguns minutos. Estou orgulhosa dos católicos e do nosso Governo que permitiu a visita [de Francisco a Myanmar]”, sublinhou.

Centenas de crianças em vestes tradicionais também saudaram o papa, gritando “vivas” a Francisco, agitando pequenas bandeiras de plástico com as cores dos dois Estados e cantando temas locais ligados à igreja católica.