A Coreia do Norte testou mais um míssil balístico, anunciou a Coreia do Sul, citando fontes militares. É o primeiro teste depois de, em setembro, o país de Kim-Jong un ter anunciado um teste bem sucedido de uma bomba de hidrogénio que provocou um sismo de magnitude 6.3 na escala de Richter. Da China, do Japão e da Coreia do Sul, os alarmes soaram pouco depois: sim, houve um teste nuclear perto de Pyongyang. E foi mais potente do que qualquer outro conduzido por aquele país. Mas como podem os cientistas concluir o que se passa a centenas de quilómetros e debaixo dos nossos pés? Com a sismologia forense.

Como funciona a sismologia forense?

A sismologia forense utiliza os princípios científicos do estudo dos movimentos que ocorrem na superfície da Terra para detetar explosões que não tenham sido provocadas pela própria natureza. Baseia-se no facto de que qualquer explosão ou terramoto, seja natural ou de origem humana, produz ondas que se propagam pela Terra, fazendo vibrar as partículas das rochas. Todos esses movimentos podem ser detetados através de máquinas especializadas, os sismógrafos. As características que essas máquinas leem desses movimentos podem ajudar a concluir qual é a sua origem.

Podemos distinguir três tipos de ondas sísmicas: as ondas primárias (ondas P), as ondas secundárias (ondas S) e as ondas superficiais. As ondas P são ondas de compressão porque alternam entre uma fase de compressão e outra de rarefação. Por serem mais velozes, são também as primeiras a serem detetadas e conseguem atravessar tanto materiais sólidos como líquidos. Só depois é que se chegam as ondas S, que conseguem viajar a grandes profundidades no planeta Terra, mas são menos velozes e não se propagam em meio líquido. As ondas S também podem ser chamadas de ondas transversais e têm direção perpendicular. Por último, as ondas superficiais são as que causam os estragos durante um terramoto porque viajam apenas a profundidades muito curtas.

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Estudando o tempo que as ondas demoram a chegar umas em relação a outras, os cientistas conseguem concluir a que distância ocorreu o terramoto ou explosão (epicentro), a que profundidade teve origem (hipocentro) e se foi causado por um evento natural — um sismo normal — ou por um evento artificial — como um teste nuclear. Depois, podem ainda medir a intensidade do sismo, que é a sua magnitude.

Qual é a história da sismologia forense?

Quando os Estados Unidos anunciaram a realização de um teste nuclear subaquático no Atol de Bikini (Oceano Pacífico) em 1946, já os sismógrafos tinham detetado as ondas de choque causadas pela explosão. O registo deixado pelas ondas permitiu aos cientistas passar algum tempo a comparar o sismo causado por eventos artificiais como testes nucleares com eventos naturais como um terramoto. Na década de ’90, já os sismólogos eram capaz de utilizar essas técnicas para se certificarem de que Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares era cumprido. Isto permitiu diferenciar os sismos que todos os dias se detetam na superfície terrestre com as explosões nucleares subterrâneas que violariam o acordo.

O primeiro teste nuclear da História. Os Estados Unidos testaram uma bomba atómica em Bikini Atoll em 1946. Em 12 anos, os Estados Unidos fizeram 67 testes nucleares. Créditos: Keystone/Getty Images

Todos estes avanços foram feitos durante os anos 60 por causa da Guerra Fria. Ao contrário do que aconteceu durante a II Guerra Mundial, os testes nucleares passaram a ser subterrâneos e as ondas sísmicas provocadas por eles tornaram-se mais difíceis de detetar porque são incapazes de viajar para muito longe. Foi por isso que os engenheiros criaram máquinas mais sensíveis e com maior alcance de leitura. O resto do século foi passado a instalar campos de sismógrafos a poucos quilómetros uns dos outros que recolhiam pequenas vibrações de uma fontes muito precisas e mais fáceis de detetar.

Quando foi assinado o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares criou-se também o Sistema de Monitorização Internacional, um enxame de estações sísmicas que conseguiam detetar testes nucleares em qualquer lugar da Terra. Essas estações já tinham instrumentos que registavam sons que o ouvido humano é incapaz de escutar e máquinas que farejavam por gases radioativos possivelmente lançados durante um teste nuclear.

Como é que os sismólogos distinguem um terramoto natural de um teste nuclear?

Os sismólogos distinguem um terramoto natural de um sismo provocado por um teste nuclear através de dois critérios: a profundidade a que tiveram origem as ondas sísmicas e a natureza das ondas que são detetadas pelos sismógrafos.

Os cientistas sabem que nenhum teste nuclear pode ser feito a grandes profundidades porque não há tecnologia suficiente para escavar a litosfera e enterrar uma bomba nuclear muito longe da superfície. Por isso, os sismólogos aprenderam a fazer uma triagem: qualquer movimento sísmico detetado a 10 ou mais quilómetros de profundidade é definitivamente um sismo de origem natural, causado pela vibração das partículas das rochas debaixo dos nossos pés quando libertam ou são atravessadas por ondas energéticas.

Se o movimento sísmico for detetado a menos de 10 quilómetros de profundidade, a única forma de distinguir um evento natural de um teste nuclear ou qualquer outro evento artificial é olhando para as ondas detetadas pelos sismógrafos. Durante a Guerra Fria, os cientistas aprenderam que explosões provocadas por objetos humanos — como uma bomba nuclear — provocam ondas P maiores do que ondas S. Em contrapartida, terramotos de origem natural produzem ondas S maiores do que ondas P. O mesmo exercício pode ser feito comparando as ondas P com as ondas superficiais: em proporção, as explosões provocam ondas superficiais menores do que ondas P.

Em suma, se um sismo tiver origem a baixa profundidade, os cientistas são obrigados a comparar os tamanhos das ondas P, das ondas S e das ondas superficiais para saber se o tremor de terra teve origem num terramoto natural ou numa explosão produzida pelo Homem.

O que dizem os sismógrafos sobre o último teste nuclear feito pela Coreia do Norte?

A Coreia do Norte realizou seis testes nucleares desde 2006 a que se junta agora o desta terça-feira. Nos últimos anos, os cientistas já conseguem analisar cada um desses testes comparando as características da atividade sísmica com os dados recolhidos em testes nucleares anteriores. Como a Coreia do Norte realiza testes sempre no mesmo campo e à mesma profundidade, isso garante que as ondas sísmicas vão ter as mesmas características. A única coisa que pode variar é a magnitude do sismo, o atributo que pode permitir à comunidade internacional saber se as bombas experimentadas são ou não mais poderosas: quanto maior a magnitude do sismo, maior será a potência do dispositivo.

Com estes dados na mãos, os sismólogos sul-coreanos, japoneses e norte-americanos conseguiram confirmar que a última explosão provocada pela Coreia do Norte foi mais poderosa do que qualquer outra provocada por Kim Jong-un até agora. Na Noruega, os sismólogos estimaram que a bomba testada pelos norte-coreanos teria uma potência de 120 quilotoneladas de TNT, o equivalente a oito bombas de Hiroshima e a seis bombas de Nagasaki. Números destes fazem a comunidade científica crer que a Coreia do Norte pode mesmo ter testado uma bomba de hidrogénio — ou pelo menos um dispositivo híbrido, com características tanto de uma bomba atómica como de uma bomba termonuclear.

Registo comparado dos testes nucleares levados a cabo pela Coreia do Norte. Créditos: NORSAR

Certezas, no entanto, não podemos ter apenas com base na leitura dos sismógrafos. A sismologia forense pode distinguir um terramoto de uma explosão, mas não pode diferenciar a explosão de um dispositivo convencional da de uma ogiva nuclear. Da mesma forma, os cientistas também não podem afirmar se a explosão foi causada por uma bomba de fissão nuclear (atómica) ou termonuclear de fusão (bomba de hidrogénio).

Essas informações só poderiam ser dadas de duas formas. Uma delas é estudando evidências deixadas no próprio terreno do teste nuclear, como os estragos deixados pela explosão no terreno. Outra seria através do estudo de radioisótopos, partículas com um núcleo atómico instável que libertam energia para se tornarem mais estáveis. Além de serem usadas na Medicina em medicamentos ou na Geologia para procurar uma datação mais precisa dos materiais, estas partículas costumam ser deixadas à solta durante testes nucleares sob a forma de radiação gama.