Acontecia todos os anos: Belmiro de Azevedo desaparecia da empresa na Maia e deixava o país por alguns dias. Mas não para ir de férias: o empresário reservava esses períodos curtos de tempo para voltar à sala de aula… para estudar. Era uma regra sagrada para o líder histórico da Sonae. Para se manter constantemente atualizado sobre as tendências e modelos de gestão, Belmiro fazia questão de se inscrever nas melhores escolas de economia e gestão e descobrir tudo o que havia de novo. E fazia-o todos os anos, preferencialmente numa escola estrangeira.

A prática tornou-se quase num ritual para o homem formado em engenharia química e que, como contou numa entrevista ao Público, foi dos primeiros a fazer formação ao estrangeiro e a estudar em Harvard, nos Estados Unidos. No regresso ao dia-a-dia da empresa, Belmiro partilhava com os seus quadros mais próximos o que tinha aprendido e incentivava todos os colaboradores a fazerem o mesmo. Mas também lhes exigia isso.

Trabalhar com ele, recordam alguns dos mais próximos, era assim um “permanente sobressalto”, tal o nível de exigência e de dedicação que aplicava. Uma prática coerente com o que o próprio Belmiro de Azevedo definiu no código de conduta do “Homem Sonae”, apresentado na primeira reunião de altos quadros do grupo Sonae em 28 de maio de 1985. Esta espécie de cartilha de valores orientava o trabalho e comportamento de todos os que ali trabalhavam — e, entre os dez mandamentos (que pode encontrar abaixo), desafiava a “procurar continuadamente a excelência”.

O Homem Sonae…

1. … é líder ou candidato a líder.
2. … é culto, evoluindo do estágio de competência técnica para o estágio de Homem culto em geral.
3. … deve ter disponibilidade temporal e resistência física para vencer períodos mais intensos de carga de responsabilidades.
4. … deve ter responsabilidade mental para aceitar críticas vindas de superiores ou subordinados, deve reagir ou replicar, mas deve evitar a retaliação sistemática.
5. … deve ter apreço pelo trabalho dos seus subordinados, cuidando permanentemente para que as condições de trabalho e o grau de conhecimento de todos os trabalhadores sejam continuamente melhorados.
6. … deve ser reconhecido interna e externamente pela verticalidade do seu caráter.
7. … deve ter elevados critérios de exigência pessoal, com forte devoção às suas tarefas, embora procurando sempre um justo equilíbrio com outras atividades.
8. … deve ter um código ético e deontológico rigoroso em termos de valores.
9. … tem de aceitar o desafio da concorrência interna e externa.
10. … procura a excelência e fá-lo pelo somatório das boas decisões que vai tomando e excluindo liminarmente os erros parciais.

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Apaixonado confesso por gestão, gostava de discutir as tendências mais inovadoras com os seus colaboradores e seguia sempre os autores mais recentes, mesmo os mais controversos, como Thomas L. Friedman ou Daniel Pink. Isto sem nunca esquecer os clássicos ou mesmo os seus favoritos, entre os quais estava Jack Welch, uma das suas referências.

Carreira em ziguezague? É para todos

Os mandamentos do “Homem Sonae” fizeram escola (ainda hoje são uma referência quase obrigatória quando se fala de Belmiro de Azevedo), mas estas orientações de conduta internas não foram a sua única marca na gestão. Quem entrasse no grupo, sabia que tinha de fazer a carreira em ziguezague, uma das regras de ouro no império Sonae. A expressão é fiel ao que realmente significa: percorrer diferentes áreas de negócio dentro da empresa para a conhecer bem por dentro.

Uma regra que se aplicava a todos, sem exceção, incluindo os próprios filhos. Que o diga Paulo Azevedo, a quem passou o testemunho de liderança do grupo: o segundo filho de Belmiro (o único que, como o pai, se licenciou em engenharia química e fez depois várias formações em gestão) começou o seu percurso na Sonae nas tecnologias de informação, depois foi diretor da área industrial e passou pela Sonae Investimentos. Ao fim de quase dez anos, foi promovido a diretor da Modelo Continente. Paulo trabalhou mais dois anos num pequeno gabinete por cima do hipermercado em Matosinhos antes de chegar a presidente executivo da Optimus, em 1998, então a terceira maior operadora móvel no país. A liderança do grupo chegou mais tarde.

Cláudia Azevedo, a filha mais nova, que está hoje à frente da Sonae Capital, começou no marketing, tendo sido uma das responsáveis pelo lançamento do Banco Universo no final dos anos 90, um dos projetos mais inovadores do grupo na altura. Depois disso, e até chegar à administração da empresa que detém marcas como o jornal Público, Cláudia passou pelas áreas do turismo, imobiliário, indústria ou tecnologias de informação. Nuno Azevedo, o filho mais velho, é o único que, mesmo mantendo ligações ao grupo, tem seguido uma carreira profissional à margem do grupo Sonae.

Para Belmiro de Azevedo, este percurso era um ponto de honra. “Na Sonae, temos feito uma gestão de quadros superiores em ziguezague. É preciso criar alguma inquietude porque as pessoas têm de provar com frequência o seu direito ao lugar”, justificava. Os filhos e potenciais herdeiros da liderança não podiam, por isso, ser uma exceção.

Na sua morte, os trabalhadores deixaram uma última mensagem publicada no site institucional do grupo. Além das palavras de homenagem, deixaram por escrito o compromisso de “tudo fazer para defender o legado” que Belmiro, o original homem Sonae, liderou durante 50 anos.

A mensagem dos colaboradores da Sonae: “Tudo fazer para perpetuar o legado” de Belmiro