Os alemães têm o mesmo problema que afecta os restantes europeus: falta de qualidade do ar que respiram. E, à semelhança dos restantes países do Velho Continente, criaram incentivos para tornar mais acessíveis – ou menos onerosos, consoante o prisma – os modelos movidos a electricidade. Para não serem acusados de estar ajudar os mais endinheirados, estabeleceram um tecto de 60.000€ para os veículos se poderem candidatar a estas ajudas governamentais.

Até aqui, tudo bem. Tudo isto faz sentido, tanto mais que os fabricantes alemães – todos eles, sem excepção – vão apresentar uma série de veículos eléctricos nos próximos três anos, e vão necessitar destas ajudas (que atingem mil milhões de euros, suportados pela própria indústria alemã de automóveis) para aproximar o preço dos valores praticados pelos concorrentes que queimam gasolina ou gasóleo.

O limite de 60.000€ não é problema para o BMW i3, Renault Zoe ou o Nissan Leaf, os mais vendidos na Alemanha, mas era-o para a Tesla. Era, porque o fabricante americano tratou de conceber um Model S por menos de 60.000€. Essencialmente retirou-lhe uma parte do equipamento, que denominou pack Comfort – navegação, retrovisores retractéis, câmara de marcha-atrás –, que o cliente depois poderia ou não activar over the air, possibilidade que os fabricantes germânicos também estão a desenvolver, para propor aos seus futuros clientes.

Qual é o problema?

Vender carros que podem ser considerados de luxo, pelo menos para alguns, desprovidos de equipamento, até é uma prática alemã, país onde sempre foi hábito ver-se nos standes da Audi, BMW e Mercedes modelos da dimensão do Model S, sem vidros eléctricos nas portas, tudo para propor um valor mais atractivo. Na altura, alguns fabricantes germânicos até criticavam o facto de os portugueses, apesar de serem mais pobres, não proporem aos seus clientes versões sem pinga de equipamento.

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Ora depois dos alemães fixarem o limite para as ajudas estatais e a Tesla conceber um Model S para o respeitar, eis que o Governo deu o dito pelo não dito e toca de impedir os Tesla de aceder aos 4.000€ de incentivos, alegando que alguém dos serviços comerciais do próprio construtor terá informado que não era possível adquirir um Model S sem o “tal” pack Comfort. Ora sucede que o argumento não faz sentido, pois se o S só estava disponível de série com o equipamento adicional, teria igualmente um preço superior aos 60.000€, o que o colocaria fora dos limites e, logo, fora dos incentivos. E o argumento de que um jornalista não identificado da revista alemã Auto Bild tentou adquirir um Model S por 60.000€ e o vendedor lhe disse que não estava disponível, apesar de figurar no configurador e ter preço homologado, parece uma desculpa no mínimo estranha. E terá sido esta “investigação exaustiva” que levou o BAFA, o departamento federal alemão que controla o comércio e, neste caso, também os incentivos aos eléctricos, a retirar o Model S da lista dos modelos elegíveis para subsídio.

Sucede que na nova geração de veículos eléctricos que vem aí, todos eles vão copiar a Tesla no sentido de permitir ao cliente optar por uma série de sistemas, além da própria capacidade da bateria, numa fase posterior à venda. Tudo via alterações introduzidas over the air. Um condutor pode, por exemplo, adquirir um Tesla (tal como em breve qualquer um dos seus concorrentes germânicos) com uma bateria de 70 kWh, sem sistema de navegação ou Autopilot e depois, passados uns dias ou anos, pedir à fábrica que os active, pagando obviamente por isso. Mas esta mesma capacidade de interagir com o fabricante através da internet permite igualmente ao condutor, caso não esteja satisfeito, pedir à marca que desactivem determinados serviços, ou voltem a limitar a capacidade da bateria.

Então e agora?

Agora a Tesla, que negociou com o Governo alemão durante cerca de um ano esta solução (a possibilidade de comercializar uma versão com menos equipamento do Model S, que depois poderia ser reequipada a pedido do cliente), que foi implementada em Novembro de 2016, vai apresentar queixa junto da Comissão de Comércio da União Europeia, que vai decidir quem tem razão. Será que é verdade o que a marca americana afirma, que já vendeu a vários clientes alemães versões do Model S abaixo dos 60.000€ e que o modelo está disponível para encomenda, ou o que a revista alemã defende – que o um vendedor disse a um jornalista, disfarçado de comprador, que o Model S low cost não estava disponível para entrega? A certeza é que quem for apanhado a mentir não consegue evitar ser beliscado por este diferendo. Até lá, se a posição do Governo alemão já é conhecida e culminou com a retirada do Tesla da lista dos modelos elegíveis (que pode ver aqui na íntegra, sendo que se as ajudas são de 4.000€ aos eléctricos, ou BEV, são de apenas 3.000€ para os híbridos plug-in, ou PHEV), o fabricante americano tornou pública a sua posição nesta matéria, que pode consultar aqui.