José António Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Segurança Social, confirmou ter recebido uma denúncia formal sobre alegadas irregularidades na Raríssimas. Ainda assim, o governante continua a alegar que essas denúncias diziam apenas respeito a um “suposto incumprimento formal e estatutário” da associação e não a irregularidades na gestão financeira da IPSS. Isto, apesar de, na carta enviada a 12 de outubro, o ex-tesoureiro Jorge Nunes da Raríssimas ter pedido uma “inspeção profunda das contas” da instituição.

O Observador enviou esta terça-feira um conjunto de perguntas ao Ministério da Segurança Social, com o objetivo de obter um esclarecimento do ministro sobre o processo que envolve a Raríssimas. À cabeça, o Observador perguntou se “o ministro do Trabalho e da Segurança Social recebeu ou não recebeu em outubro uma denúncia que apontava para irregularidades financeiras na instituição Raríssimas?”.

Na resposta, fonte oficial do ministério explicou que, “no dia 16 de outubro, em carta datada de 12 desse mês, deu entrada no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social um ofício que relatava algumas denúncias, já anteriormente feitas ao Instituto da Segurança Social, todas relativas à existência de irregularidades decorrentes de um suposto incumprimento formal e estatutário na Raríssimas”.

Ou seja, Vieira da Silva voltou a assegurar que não fora informado sobre alegadas irregularidades financeiras na gestão da instituição; apenas fora informado sobre um “suposto incumprimento formal e estatutário” — versão mantida mesmo depois de um segundo contacto do Observador.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na segunda-feira, durante a conferência de imprensa, o ministro da Segurança Social garantira que nunca tinha recebido “denúncias de gestão danosa“, expressão de que o ministro se socorreu para negar ter sido avisado sobre os factos imputados a Paula Brito e Costa.

De facto, na carta enviada a Vieira da Silva, Jorge Nunes queixa-se de “movimentação de contas bancárias com irregularidades, em virtude de constar o meu [seu] nome como tesoureiro da Associação no portal das Finanças”, algo que não constitui, em si, uma denúncia sobre irregularidades financeiras. No entanto, o ex-tesoureiro sugere no parágrafo imediatamente a seguir que “nada garante que não existam outras irregularidades” e termina a carta pedindo “uma inspeção profunda às contas” da Raríssimas.

Ainda a propósito desta carta, fonte oficial do ministério garante que, depois de receber a denúncia, o gabinete da secretária de Estado da Segurança Social enviou “no mesmo dia” o ofício “ao Instituto da Segurança Social para análise e devidos efeitos“.

Tendo em conta que a denúncia falava de uma “inspeção profunda às contas”, há outra dúvida que o gabinete de Vieira da Silva não esclarece. Antes da carta de outubro, Jorge Nunes já tinha enviado três denúncias ao Instituto de Segurança Social pedindo uma investigação à Raríssimas. Segundo a informação prestada pelo próprio ministro, os serviços de inspeção já estavam a investigar o caso desde a primeira denúncia. O Observador perguntou ao Ministério:

  • Em termos muito concretos, o que é que os inspetores analisaram?
  • Dessa inspeção não surgiu qualquer dado que merecesse a preocupação dos próprios inspetores?
  • Dessa inspeção resultou alguma informação que tivesse sido reportada ao ministro?

Às primeiras questões, fonte oficial do Ministério garantiu que seria enviado um “pedido” ao Instituto de Segurança Social para “facultarem resposta”. Quanto à terceira pergunta — “foi facultada alguma informação ao ministro?” –, o gabinete de Vieira da Silva garantiu que “não”, porque “o processo ainda se encontrava a decorrer“.

Ainda sobre essa inspeção que decorria desde agosto, o Observador perguntou ao ministério se, perante os dados hoje conhecidos, o facto de a inspeção não ter ainda apresentado resultados não merecia avaliação negativa da capacidade de fiscalização dos serviços do Ministério. A esta pergunta, o gabinete de Vieira da Silva respondeu com números gerais:

“Entre 2015 e novembro de 2017, o Departamento de Fiscalização realizou mais de 1.615 ações de fiscalização a IPSS: resultaram 46 propostas de suspensão de acordos e 71 propostas de destituição de Corpos Gerentes em IPSS, apresentadas junto do Ministério Público territorialmente competente — das quais 588 auditorias foram jurídicas e financeiras a IPSS. Foram, ainda, levantados 1.710 autos de contraordenação e 61 de ilícitos criminais.”

Ainda sobre as três primeiras denúncias enviadas por Jorge Nunes (9 de agosto, 15 de setembro e 21 de setembro) endereçadas ao Instituto de Segurança Social, fonte oficial do ministério garantiu ao Observador que o ministro não tinha conhecimento dessas queixas. “Sendo enviadas diretamente para o Instituto de Segurança Social, uma entidade com poderes fiscalizadores próprios, não são encaminhadas para a tutela“, explica-se.

Desafiado a esclarecer porque é que o Ministério da Segurança Social só solicitou a atuação do inspetor-geral do ministério na segunda-feira, o gabinete de Vieira da Silva explicou que “a inspeção urgente foi solicitada no primeiro dia útil após os factos relatados na peça televisiva da TVI”.

Quanto à inspeção que está em curso, fonte oficial do Ministério explica que tem “caráter urgente“, mas não se compromete com prazos. “Ainda não é possível precisar a sua duração. Contudo, prevê-se que seja célere”. Ainda assim, a mesma fonte assegura: a inspeção “terá início amanhã [quarta-feira] nas instalações da associação”.

Na mesma medida, o Ministério da Segurança Social não se compromete com possíveis consequências que podem resultar deste processo. “A inspeção necessita de se realizar num quadro de estabilidade. Assim, é prematuro avançar com resultados que seriam sempre especulativos”, responde o gabinete do ministro Vieira da Silva.

Quanto a possíveis incompatibilidades que o ministro possa ter para atuar neste caso, tendo em conta que foi vice-presidente da Assembleia Geral da Raríssimas, fonte do Ministério repete: “Não existe qualquer incompatibilidade“.