O primeiro ensaio clínico com uma droga dirigida à doença de Huntington mostrou resultados positivos e foi bem tolerada pelos doentes. No ensaio clínico liderado pela University College London (UCL) foi possível baixar os níveis da proteína tóxica que afeta o sistema nervoso e causa a doença. Os resultados foram divulgados pela instituição, mas ainda não foram publicados em revista científica nem sujeitos à revisão por pares.

Os resultados deste ensaio clínico são um avanço importante para os doentes com a doença de Huntington e para os familiares”, disse, em comunicado, Sarah Tabrizi, diretora do Centro da Doença de Huntington, na UCL, e coordenadora do ensaio clínico. “A chave agora é avançarmos rapidamente para um ensaio clínico maior para testar se o fármaco abranda a progressão da doença.”

A doença de Huntington é uma doença genética degenerativa causada por um único gene mutado. Este gene defeituoso é responsável pela produção de uma proteína, a huntingtina, que se mostra tóxica para o sistema nervoso. A ordem contida no gene defeituoso é levada até à “fábrica” de produção de proteínas por uma molécula-mensageira. O alvo do fármaco em teste — Ionis-HTTRx — é este mensageiro. O fármaco interceta a molécula-mensageira e destrói-a antes que esta chegue à “fábrica” com a mensagem da produção da proteína tóxica, conforme explicou o jornal britânico The Guardian.

A maioria dos doentes são diagnosticados na meia idade quando começam a aparecer os primeiros sintomas, como mudanças de humor, irritabilidade e depressão. A doença depois evolui para sintomas mais graves, como movimentos involuntários bruscos, dificuldades cognitivas, dificuldade em articular o discurso e em engolir. Para os portadores da doença existe ainda outra preocupação: há 50% de hipóteses que os os filhos possam ter a doença também.

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A doença na família de Peter Allen

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Peter Allen, de 51 anos, está num estádio inicial da doença de Huntington e participou no ensaio clínico. É o primeiro de três irmãos a mostrar sinais da doença, mas os outros dois irmãos sabem que têm o gene mutado.

“Sabemos que o último dia foi melhor do que o seguinte vai ser”, disse à BBC Peter Allen em relação à progressão da doença degenerativa.

A doença, que tem 50% de ser passada à descendência, já tinha causado a morte da mãe, da avó e de um tio de Peter Allen. Três dos seus filhos também são portadores da doença.

 

BBC

O ensaio clínico contou com 46 pessoas num estádio inicial da doença, homens e mulheres de três países: Reino Unido, Alemanha e Canadá. Cada doente recebeu quatro injeções, de doses crescentes, na medula espinal, de forma a que a droga pudesse chegar ao cérebro. Cerca de um quarto dos doentes recebeu injeções placebo — injeções sem o fármaco, mas que mimetizam o processo para que o doente não saiba que faz parte de um grupo de controlo para o efeito do medicamento em teste.

Os doentes que tomaram a droga tiveram uma diminuição notável da proteína tóxica, uma diminuição tanto maior quanto maior a dose de droga injetada. Esta é a primeira vez que é usado um fármaco para tratar a origem da doença. Os tratamentos usados na doença de Huntington têm servido, até agora, exclusivamente para aliviar os sintomas.

Penso realmente que este é potencialmente o maior avanço para as doenças neurodegenerativas dos últimos 50 anos”, disse à BBC John Hardy, que recebeu um prémio pelos avanços relevantes no estudo da doença de Alzheimer. “Soa como uma hipérbole — num ano até posse ficar embaraçado por ter dito isto —, mas agora é o que eu sinto.”

O ensaio envolveu poucas pessoas, mas os resultados foram suficientemente interessantes para que a industria farmacêutica Roche, parceira no ensaio, ficasse interessada no licenciamento do fármaco. A Roche vai assumir a responsabilidade dos ensaios clínicos de larga escala e as atividades de regularização e comercialização do produto. Este ensaio serviu também para mostrar que a droga é segura e bem tolerada pelos doentes.

Os resultados promissores e a perspetiva de tratamento, ou mesmo prevenção da doença de Huntington, abrem também a possibilidade de se usar a mesma técnica para tratar outras doenças neurológicas. A maior dificuldade é que, ao contrário da doença de Huntington que é causada por um único gene, as outras doenças neurológicas são mais complexas e menos conhecidas, alertou Giovanna Mallucci, diretora associada do Instituto de Investigação em Demência da Universidade de Cambridge, citada pela BBC.

“Mas o princípio de que um gene, qualquer gene que afete a progressão da doença e suscetibilidade, possa ser modificado de forma segura em humanos é muito emocionante e cria um impulso e confiança para se prosseguir estas vias de possíveis tratamentos”, disse Giovanna Mallucci.