Morreu Charles Jenkins, o militar norte-americano que desertou para a Coreia do Norte nos anos 60. Tinha 77 anos. A notícia foi avançada esta segunda-feira pela agência de notícias japonesa Kyodo News e pela emissora japonesa NHK. Segundo a BBC, que cita os meios de comunicação japoneses, Jenkins colapsou à porta de casa e acabou por morrer no hospital devido a problemas cardíacos.

Jenkins — um dos quatro militares norte-americanos a desertar para a Coreia do Norte nos anos 60 — estava a viver na ilha de Sado, no Japão, desde 2004, terra natal da sua mulher Hitomi Soga, raptada pela Coreia do Norte em 1978 e libertada em 2002, após um acordo entre os dois países.

O militar tinha 24 anos quando fugiu para a Coreia do Norte. De acordo com o jornal inglês The Telegraph, Jenkins explicou, em diferentes entrevistas, que teve medo de ser morto durante as patrulhas que a sua unidade fazia à fronteira entre as duas Coreias ou de ser enviado para o Vietname. Ficou com uma depressão e começou a beber fora de serviço. Além disso, o militar achou que, uma vez na Coreia do Norte, seria entregue à embaixada da União Soviética e que acabaria para regressar aos EUA numa troca de prisioneiros entre os dois países em plena Guerra Fria.

Tudo aconteceu na madrugada de 4 de janeiro de 1965. Depois de beber 10 cervejas para se acalmar, Jenkins abandonou a sua unidade de patrulha e passou pela Zona Desmilitarizada da Coreia em direção à Coreia do Norte, contou numa entrevista que deu ao LA Times este verão.

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Mas nada correu como planeado. Acabou por ficar 40 anos na Coreia do Norte, depois de a embaixada da União Soviética não ter aceitado o pedido de asilo, onde deu aulas de inglês na Universidade de Pyongyang e chegou a integrar vídeos de propaganda do regime, lê-se no The Guardian. O militar foi várias vezes agredido e as autoridades norte-coreanas chegaram a fazer-lhe procedimentos cirúrgicos, por vezes desnecessários — Jenkins recordou o episódio em que lhe tiraram uma tatuagem que tinha do exército americano sem anestesia.

Na Coreia do Norte, tinha uma vida de cão. Ninguém tinha uma boa vida na Coreia do Norte. Não havia nada para comer. Não havia água corrente. Não havia eletricidade. No inverno congelava-se — no meu quarto, as paredes estavam cobertas de gelo”, afirmou na entrevista ao LA Times.

Foi nessas aulas que conheceu a mulher. Em 1980, Jenkins e Hitomi Soga casaram e tiveram duas filhas, Mika e Belinda. Soga foi raptada perto de sua casa, quando tinha 19 anos. Vários cidadãos japoneses foram raptados, nos anos 70 e 80, e levados para Pyongyang para ensinar a língua e os costumes japoneses aos agentes norte-coreanos.

Eu sabia as saudades que a minha mulher tinha do Japão e pouco tempo depois de casarmos, perguntei-lhe como se dizia ‘boa noite’ em japonês. A partir daí, todas as noites antes de nos deitarmos, beijava-a três vezes, dizia-lhe ‘Oyasumi’ e ela respondia-me ‘Boa noite’ em inglês. Fazíamos isto para que nunca nos esquecêssemos quem éramos e de onde vínhamos”, recordou o militar ao LA Times.

Em 2002, quando a mulher regressou ao Japão, Jenkins ficou para trás com as filhas com medo de ser presente a tribunal marcial. Dois anos depois, o americano e as filhas encontraram-se com Soga na Indonésia e, dias depois, deslocaram-se todos até ao Japão, depois de terem sido dadas garantias de que o militar não seria preso assim que chegasse ao país.

Dois meses depois de ter chegado ao Japão, entregou-se aos militares norte-americanos em Camp Zama (Tóquio) e declarou-se culpado pelo crime de deserção. Depois de um acordo entre o Japão e os EUA, foi condenado a uma pena de prisão de 30 dias — a pena máxima pelo crime é prisão perpétua –, mas foi libertado antecipadamente por bom comportamento.

Charles Jenkins com a mulher Hitomi Soga com as filhas Mika e Belinda (JIJI PRESS/AFP/Getty Images)

Desde que foi libertado, Jenkins trabalhava na loja de um museu na ilha de Sado e tornou-se numa espécie de celebridade local — era abordado por diversas pessoas, com quem chegava a tirar fotografias.

Em 2008 publicou uma autobiografia, “The Reluctant Communist – My Desertion, Court-Martial, and Forty-Year Imprisonment in North Korea”.