O Partido Republicano perdeu as eleições para o Senado no estado do Alabama depois de o seu candidato, Roy Moore, ter sido alvo de várias denúncias de abusos sexuais a menores ocorridos quando tinha cerca de 30 anos e começava a sua carreira como juiz. A vitória coube ao democrata Doug Jones, procurador no Alabama, que conseguiu 49,9% dos votos, ligeiramente acima dos 48,4% do que seu adversário republicano.

“Tudo nesta campanha andou à volta de dignidade e de respeito “, disse Doug Jones. “Andou tudo à volta do primado da lei”, acrescentou o democrata, no seu discurso de vitória. Do seu lado, Roy Moore não concedeu a vitória ao seu adversário democrata e deu a entender que pode pedir uma recontagem. “Percebam que, quando a votação é tão renhida, ainda não terminou e ainda temos de cumprir as regras”, disse aos seus apoiantes, para depois deixar o palco. “Vamos para casa dormir sobre o assunto e amanhã retomamos”, rematou. A recontagem só é feita de forma automática caso a diferença entre o primeiro e segundo classificado seja inferior a 0,5%.

Donald Trump reiterou várias vezes o seu apoio a Roy Moore, mas, ao contrário do republicano, reconheceu a vitória de Doug Jones

Além de ser a primeira vez desde 1990 que um democrata vence eleições para o Senado — a partir de 1996, o lugar foi sempre conquistado por Jeff Sessions, que saiu do Senado depois de ser escolhido por Donald Trump para Procurador-Geral —, a vitória de Doug Jones pode ter consequências na política nacional, à medida que a maioria dos republicanos naquela câmara se torna ainda mais frágil. Assim que Doug Jones tomar posse — o que acontecerá em janeiro de 2018 —, o Partido Republicano passa a ter uma maioria de apenas um senador. Recorde-se que, mesmo com a atual maioria de dois republicanos (um total de 52, contra 48 democratas), o Senado não tem dado vida fácil a Donald Trump. Uma prova disso foi o chumbo da abolição do Obamacare ou o adiamento da aprovação da reforma fiscal promovida pelo Presidente, para o qual os republicanos dizem já ter os votos mas que ainda não foi aprovada em plenário.

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A vitória do democrata Doug Jones consuma-se depois de o Presidente dos EUA, Donald Trump, ter feito uma aposta pessoal no republicano Roy Moore, mantendo o seu apoio político mesmo depois das denúncias de abusos sexuais a menores, entre elas uma rapariga com 14 anos, que terá aliciado para um encontro sexual. A 4 de dezembro, Donald Trump apelou ao voto em Roy Moore, explicando a sua escolha: “Precisamos do voto dele [no Senado] para impedir o crime e imigração ilegal, a favor do muro na fronteira, da exército, pró-vida, veteranos, juízes a favor da segunda emenda e mais. Não a Jones, um fantoche de Pelosi/Schumber [líderes dos democratas na Câmara dos Representantes e no Senado, respetivamente]!”. O apoio presidencial foi sendo reiterado em várias ocasiões, incluindo no dia das eleições.

Porém, na noite desta terça-feira, Donald Trump acorreu ao Twitter para saudar a vitória do democrata e, ao mesmo tempo, serenar os ânimos republicanos após a derrota. “Parabéns a Doug Jones por uma vitória suada. Os votos write-in [voto de protesto, numa alternativa à escolha do eleitor] foram um fator muito importante, mas uma vitoria é uma vitória. O povo do Alabama é ótimo e os republicanos vão ter outra oportunidade para conquistar este assento no Senado em muito pouco tempo. Isto nunca acaba!”, escreveu no Twitter.

O detalhe dos write-ins contra Roy Moore e o empurrão de Obama

Apesar de o resultado destas eleições ser pouco comum — os democratas não venciam aqui para o Senado desde 1990 e o último candidato presidencial a ganhar o Alabama foi Jimmy Carter, há 41 anos —, as sondagens à boca da urna demonstram o mesmo tipo de fissuras na sociedade norte-americana que já tinham ficado patentes, de forma mais alargada, nas eleições presidenciais de 2016.

Enquanto uma maioria de homens votou no republicano Roy Moore (56%), a maior parte das mulheres (57%) escolheu o democrata Doug Jones. Os eleitores com ensino superior votaram maioritariamente em Doug Jones (54%) e aqueles que se ficaram pelo ensino secundário, ou menos, votaram mais em Roy Moore (52%).

As diferenças tornam-se ainda mais notórias quando analisados outros parâmetros demográficos, como a diferença de voto entre o eleitorado branco e o eleitorado negro. Enquanto uma maioria de brancos, que representam 66% do eleitorado, votou no candidato republicano (68%), o eleitorado negro, que é 29% do total, votou de forma massiva (96%) em Doug Jones. A ajudar a esta votação estarão dois fatores. Primeiro, o facto de um dos marcos da carreira de procurador de Doug Jones ter sido a reabertura de um atentado à bomba por membros do Ku Klux Klan a uma igreja frequentada por afro-americanos, resultando na condenação de dois membros daquele grupo racista. Segundo, o apelo ao voto em Doug Jones feito por várias personalidades da política nacional terá ajudado. Entre eles, esteve Barack Obama que, através de mensagens gravadas, chegou aos telefones de vários eleitores a dizer: “Esta é a sério. Não dá para ficar sentado”.

“Esta é a sério. Não dá para ficar sentado”, disse Barack Obama aos eleitores do Alabama, numa mensagem telefónica gravada

Um elemento que pode ter sido essencial para a vitória do democrata foi o número anormalmente alto de pessoas que, em vez de votarem num dos dois candidatos, escreveram uma terceira alternativa no boletim de voto — opção conhecida como write-in, que serve sobretudo como voto de protesto. A grande maioria dos eleitores que escolheram essa via foram republicanos e independentes, que responderam ao apelo feito no site AL.com, site de notícias que aglomera os três principais jornais do estado. “Votar em Roy Moore só porque ele tem um ‘R’ [de republicano] a seguir ao nome dele, ignorando o seu passado pessoal e mau comportamento em funções, não é refletido nem cuidadoso”, lia-se num editorial daquele site.

De acordo com as sondagens à boca da urna, 1% dos eleitores republicanos (que representam 43% do eleitorado do Alabama) optaram pela opção write-in e 5% dos eleitores independentes (21% do eleitorado) escolheram a mesma opção. Ao todo, 22 819 cidadãos do Alabama escolheram esta opção.

Esta diferença, aliada a uma maior participação do eleitorado democrata em comparação com os republicanos, terá sido essencial para a vitória pela curta margem de 20 715 votos.