A zona franca da Madeira pode respirar de alívio, para já. E os quatro países que os socialistas europeus queriam definir como “paraísos fiscais” — Holanda, Irlanda, Malta e Luxemburgo — também. O Parlamento Europeu abdicou de apertar, a curto prazo, o cerco aos regimes fiscais mais favoráveis dentro do espaço da União Europeia. Ainda assim, o Parlamento reconhece que aqueles quatro países entrariam diretamente para a “lista negra” caso fossem avaliados à luz dos mesmos critérios utilizados para zonas fora da UE. Salvou-se, embora adiada um ano, uma exigência clara: que haja um relatório a apontar os “paraísos fiscais” no território da UE elaborada pela Comissão Europeia até ao final de 2018.

A versão final do projeto de recomendações (do inquérito aos Panama Papers) à Comissão e ao Conselho Europeu — aprovado ao início da tarde desta quarta-feira no hemiciclo europeu — mantém uma proposta que “insta os Estados-membros” a “criar pressão” sobre os seus territórios ultramarinos ou regiões ultraperiféricas “que não respeitem as normas internacionais em matéria de cooperação fiscal, a transparência e o branqueamento de capitais”. Mas, há sempre um “mas”. A essa versão inicial, os eurodeputados aprovaram o acréscimo de um ponto novo que “observa que os atuais regimes nas regiões ultraperiféricas aplicam a legislação da UE e respeitam as normas internacionais e da UE” de acordo com os tratados.

A proposta da emenda sobre regiões ultraperiféricas foi apresentada oficialmente pelos deputados do PPE, Luděk Niedermayer e Dariusz Rosati, mas foi redigida e solicitada pelo eurodeputado português José Manuel Fernandes para evitar que fosse criada mais pressão sobre a Madeira. Mesmo que não estivesse lá o nome do arquipélago português — nunca esteve, na matéria sujeita a votação no hemiciclo –, o eurodeputado do PSD quis salvaguardar que não fosse aumentada a pressão sobre regiões como a Madeira. Para o eurodeputado social-democrata “a Madeira não é uma offshore“. A socialista Ana Gomes tem uma opinião diferente. A Madeira motivou, durante o debate de terça-feira, um despique entre Ana Gomes e Nuno Melo em pleno hemiciclo.

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O PPE apresentou ainda outra proposta que dá mais tempo para os regimes fiscais mais favoráveis no espaço da UE se defenderem. Todos, sejam periféricos ou não. Em sede de comissão tinha sido aprovado um artigo que recomendava o Conselho Europeu a fazer uma “lista negra” de offshores dentro do espaço da UE — como fez para fora da UE — “até ao final de 2017”. Ora, com a nova emenda, é dado mais um ano para a Comissão Europeia (e não o Conselho) para fazer um “relatório de avaliação dos regimes fiscais dos Estados-membros da UE e das jurisdições dependentes, regiões ou outras estruturas administrativas desses Estados-membros que facilitam a evasão e a fraude fiscais e têm um impacto potencialmente nocivo no mercado único“. A emenda transforma também a exigência de uma “lista semelhante” à que o Conselho aprovou para entidades fora da UE no mero pedido de um “relatório.” Não é só semântica. Ou seja: o cerco às offshores dentro da UE aperta, mas não tanto (nem tão rápido) como previa o relatório inicial.

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Os socialistas tentaram aprovar uma proposta — já na fase de emendas, que foi esta quarta-feira a votos — que classificava quatro países da UE como “paraísos fiscais”. A proposta dos eurodeputados da comissão dos Panama Papers era clara: “[O Parlamento Europeu] insta a Comissão a considerar o Luxemburgo, os Países Baixos, a Irlanda e Malta como paraísos fiscais da UE.” Mas a proposta não passou.

Em alternativa, os eurodeputados aprovaram uma proposta da extrema-direita (de Marco Valli, Rosa D’Amato e Rolandas Paksas, pelo EFDD) que criticava a lista negra da UE de “paraísos fiscais” por só incluir territórios da UE e reconhecia que se fossem aplicados os mesmos critérios a alguns países da UE (numa clara referência a esses quatro nomeados pela Oxfam) esses países estariam na “lista negra”. Ainda assim, uma proposta muito mais leve que a dos socialistas europeus.

A proposta desta família europeia de extrema-direita (que integra movimentos como o “5 Estrelas” do italiano Beppe Grillo) “lamenta que a lista da UE de jurisdições fiscais não cooperantes aprovada e publicada pelo Conselho apenas considere jurisdições exteriores à UE, omitindo países da UE que têm um papel sistemático na promoção e habilitação de práticas fiscais prejudiciais e que não cumprem o critério relativo a uma tributação justa.”

Quanto ao Luxemburgo, Malta, Holanda e Irlanda, a proposta “salienta que pelo menos quatro Estados-membros seriam incluídos na lista, se fossem examinados segundo os mesmos critérios da UE, como demonstrado numa simulação feita pela Oxfam” e ainda “expressa a sua preocupação com o facto de a exclusão a priori dos países da UE do exame afetar a legitimidade, credibilidade e eficácia de todo o processo.”

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O relatório aperta também os “facilitadores e intermediários” — onde se incluem bancos, empresas de contabilidade, consultores fiscais, gestores de património e advogados. Os eurodeputados pedem aos Estados-membros que retirem as licenças aos intermediários que, comprovadamente, “promoveram ou permitiram” a evasão fiscal, o planeamento fiscal ilegal e o branqueamento de capitais a nível transnacional.

As propostas de recomendação seguem agora para a Comissão Europeia e para o Conselho Europeu que podem, ou não, transformá-las em legislação para o setor que vá ao encontro das recomendações do Parlamento Europeu.

O jornalista viajou do Observador viajou a convite do Parlamento Europeu