Nalini Elvino de Sousa, uma portuguesa nascida no seio de uma família de Goa, trabalha há três anos num documentário sobre Aquino de Bragança, um homem de múltiplas pátrias que “lutou a vida inteira pela paz em África”.

Em “Enviado Especial”, a realizadora, radicada há 20 anos em Goa, procura retratar a “figura invulgar e com uma visão humanista e de abertura ao mundo” de Aquino de Bragança (1924-1986) que conviveu de perto com líderes dos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas, como Samora Machel, ao lado do qual viria a morrer no acidente de aviação de 1986.

Foi o acaso que lhe despertou o interesse: “Estava a fazer uma pesquisa sobre as relações entre África e Índia e encontrei um blogue sobre Aquino de Bragança. Rapidamente, veio a memória do acidente que vitimou Samora Machel e quase toda a sua comitiva: Eu tinha 13 anos e era o dia do meu aniversário, 19 de outubro”, explica à agência Lusa.

Aquino teve múltiplas facetas, mas foi sobretudo um homem dedicado à libertação dos povos, uma causa que abraçou muito para lá das fronteiras de Goa, onde nasceu. No entanto, há uma a que Nalini Elvino de Sousa confere especial importância: a de humanista.

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“Apesar de conviver com líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas que, mais tarde, assumiram funções de relevo após a independência dos seus países, ele acreditava que esta passava por um entendimento com o ‘colonizador'”, sublinha.

“Numa altura em que todos tinham que provar fidelidade a um lado, demonstra uma capacidade de pensamento singular. É sua a frase: ‘Sou capaz de negociar com o próprio Salazar'”, complementa, destacando que a “rede de contactos duradoura” que construiu dependia apenas do seu “incondicional humanismo”.

Apesar de se autodescrever como “testemunha da história”, foi “uma peça relevante num jogo de poderes” em três continentes (Europa, Ásia e África), “cujos tentáculos se prolongam de Washington a Moscovo em plena Guerra Fria”, realça a realizadora, explicando que em “Enviado Especial” pretende mostrar “a capacidade de análise política, imparcial e a longo prazo” de Aquino.

Embora sem “poder oficial”, “ele influencia os que exercem poder e contribuem para a mudança do curso da história. Uma história que não chega, porém, a ter um fim, pois morre num acidente de aviação – cuja causa ainda não foi totalmente deslindada – e que tirou também a vida a Samora Machel, [primeiro Presidente de Moçambique (1975-86)], que não dispensava viajar com o seu enviado especial”.

“Muito se conta sobre os líderes africanos das ex-colónias portuguesas, porém, pouco se conhece sobre os que atuaram nos bastidores”, enfatiza, exemplificando: “Poucos sabem que foi o enviado especial de Samora Machel a Portugal em 1974, após o 25 de Abril, para uma análise política”.

O documentário foca “este período da vida e do trabalho de Aquino que constitui um contributo essencial para o Acordo de Lusaca, assinado em 07 de setembro de 1974, [entre o Governo português e a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) que preparou a independência do país em 25 de junho do ano seguinte]”, destacando “os momentos históricos” que o tornaram “num incondicional homem do mundo”.

“Ele está sempre no lugar certo, onde mais ninguém chega: para ele não existem fronteiras, raças, diferenças de idade e de ideologia que o impeçam de se relacionar com o outro”, salienta.

A realizadora lançou uma campanha na plataforma de ‘crowdfunding’ Wishberry, para angariar 300.000 rupias (3.900 euros), que decorre até 31 de dezembro, para poder adicionar a música de Santiago Lusardi ao documentário e algumas imagens de arquivo, ainda muito raras, dos anos 1960 de Portugal e Moçambique.

Nalini Elvino de Sousa, que conta com mais de 100 documentários e colabora há vários anos com a RTP Internacional, reconhece que sem essa verba “Enviado Especial” arrisca não conhecer a luz do dia, mas mostra-se confiante de que irá levar “com sucesso” o projeto até ao fim.