Estamos no último dia de outono. Paula Brito e Costa, presidente demissionária, mas ainda diretora geral da Raríssimas, aparece de manhã na Casa dos Marcos, acompanhada pelo marido e por dois seguranças que apresenta como “amigos”. Ao volante de um Mercedes, – o famoso BMW pertence à instituição e está estacionado à vista de todos – aparece no local de trabalho uma semana e quatro dias depois do início do escândalo.

Ninguém a viu. Ou, pelo menos, ninguém quer dizer que a viu. Entrou pela porta dos fundos – uma que nunca usava – e o rumor espalhou-se pelos corredores da Casa dos Marcos. “Começaram a dizer que a Paula andava aí, que agora já não é doutora Paula”, revela uma funcionária ao Observador. A polémica dirigente da IPSS fechou-se no gabinete e só reapareceu depois das cinco da tarde. Mas, entretanto, houve vida na Casa dos Marcos.

O lobby que foi batizado com o nome de José António Vieira da Silva, o atual ministro da Segurança Social que foi vice-presidente da assembleia geral e que tem estado, também, no centro da polémica, não espelha o escândalo que se passa e que tem sido o tema central de jornais, telejornais, reportagens e diretos. Respira-se tranquilidade e utentes, familiares e cuidadores cruzam-se entre conversas cordiais. A presença de Paula Brito e Costa não é uma ameaça fantasma. Mas a presença da “excelentíssima doutora Paula”, como exigia ser chamada, segundo uma funcionária da Casa dos Marcos, foi durante anos um desconforto visível.

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Esta funcionária, que recusa dar a cara por temer represálias, só encontra uma explicação para a atitude da ex-presidente. “Ela esteve com a rainha de Espanha e a partir daí deve ter achado que é uma rainha também”, atira. Explica que não quer dar o nome porque muita gente “foi para casa sem ordenado e com um processo disciplinar”. Os motivos? “Uma cama mal feita, uma criança que se sujou a comer, um atraso numa atividade”.

Já Estela Carreira tem 68 anos e é voluntária na Casa dos Marcos há dois. Diz que quer falar porque “toda a gente só está a mostrar o lado mau”. Recorda que Paula Brito e Costa construiu a instituição sozinha e merece reconhecimento. Condena os meios de comunicação social porque “estão a fazer muito mal à senhora e errar todos erramos”.

Mas, para a funcionária crítica da Casa dos Marcos, não há lado bom. Aliás, há apenas um adjetivo para a presidente demissionária: “Ela é maquiavélica”. Começou a trabalhar nas instalações da Moita através de duas amigas que, entretanto, saíram da instituição pelo próprio pé por se recusarem a fazer a vénia a Paula Brito e Costa quando esta entrava. Trabalhavam na receção – ou melhor, no front office, como a ex-presidente exigia que se dissesse. A relação com os funcionários nunca foi simples. “Quando passávamos por ela nos corredores e dizíamos ‘bom dia, doutora Paula’, não respondia. Tinha de ser ‘bom dia, excelentíssima senhora doutora Paula'”, conta com um tom irónico.

O lobby de entrada da Casa dos Marcos tem o nome do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Na Casa dos Marcos não é preciso ver Paula Brito e Costa em carne e osso. E de facto ela parece dominar tudo: as fotografias com Maria Cavaco Silva, a rainha Letizia e o papa Francisco multiplicam-se. E não é necessário olhar com muita atenção para reparar que uma imagem da cara da antiga presidente forra até uma porta.

Mas Estela pensa de maneira diferente. Segundo a voluntária, Paula Brito e Costa é uma mulher humilde que fala com todos os funcionários como se de família se tratasse. Conta, com ternura: “A senhora brinca no Natal, brinca no Ano Novo, confraterniza com a senhora da limpeza, a senhora da cozinha e as doutoras”. Estela Carreira não percebe, aliás, os ataques à pessoa que, de acordo com ponto de vista que defende, “colocou a primeira pedra da Casa dos Marcos e só era respeitada porque se dava ao respeito”. Destaca a afinidade e o carinho com as crianças, as famílias e os utentes. Mas está sozinha deste lado da barricada.

Paula, ao volante, e Nélson, de cara tapada

“Ela tratava os miúdos com desprezo, tentavam abraçá-la enquanto estava a almoçar e ela gritava ‘saiam daqui, estou a comer'”, recorda a outra funcionária. Faz uma pausa para sublinhar que o marido, Nélson Oliveira Costa, não concordava com a atitude da mulher perante os trabalhadores e costumava passear pela Casa dos Marcos para cumprimentar os que por lá andavam. Já o filho – a quem Paula Brito e Costa chamou no vídeo da reportagem da TVI “herdeiro da parada” – era “igualzinho à mãe”.

As horas foram passando e Paula Brito e Costa permaneceu nas instalações da Moita. “Ela é mulher para ficar aí a dormir”, disse a funcionária crítica. Nos prédios que circundam a Casa dos Marcos, as vizinhas comentam que vão alugar as casas para servirem de postos de vigia. É o assunto do momento.

Os trabalhadores – desde a receção aos cuidados continuados, passando pelo gabinete de comunicação – têm medo de perder o emprego. Acham que a Casa dos Marcos pode fechar portas. Estela Carreira garante que “a casa não fecha e sem a senhora não funciona”. A verdade é que vai ter de funcionar. Pelo menos durante 30 dias. Paula Brito e Costa foi suspensa pela direção da Raríssimas e vai ser investigada através de um inquérito interno.

Às cinco e um quarto da tarde, depois de manobras de diversão com dois carros, a ex-presidente da Raríssimas deixou a Casa dos Marcos. Saiu ao volante, sorridente, abriu o vidro e acenou de facto como uma rainha enquanto ao lado o marido seguiu de cara tapada. Paula Brito e Costa é a mulher do momento e não parece importar-se com isso.

Raríssimas. Paula Brito e Costa saiu da Casa dos Marcos ao lado do marido disfarçado (veja as fotos)

(Texto editado por João Cândido da Silva)