Emily Whitehead curou-se da leucemia com uma nova técnica de imunoterapia. O sucesso do seu tratamento e, em parte, o seu testemunho perante a FDA (agência norte-americana do medicamento) permitiram que o tratamento fosse disponibilizado a outras crianças. Esta menina, agora com 12 anos, é uma das escolhas da revista científica Nature para as 10 pessoas mais relevantes para a Ciência em 2017. Na lista podemos encontrar também uma advogada, um líder de uma organização internacional, um negacionista das alterações climáticas e vários investigadores.

Emily Whitehead e a cura da leucemia com imunoterapia

Emily Whitehead tinha apenas cinco anos quando foi diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda, em maio de 2010. A situação não parecia demasiado grave porque, normalmente, 85 a 90% das crianças com este problema conseguem curar-se completamente. Mas Emily fazia parte do pequeno grupo de crianças com uma forma resistente da doença e em outubro de 2011 teve uma recaída. Antes de conseguir fazer um transplante de medula, em fevereiro de 2012, a menina teve outra recaída. A forma de leucemia era tão agressiva que os médicos sentiram que tinham esgotado todas as possibilidades, como conta o site da Fundação Emily Whitehead. Esta fundação foi criada com o objetivo de arranjar financiamento para tratamentos inovadores que ajudem crianças com cancro.

Também foi uma solução inovadora que ajudou Emily. Em abril de 2012, a menina integrou um ensaio clínico de fase 1 no Hospital Pediátrico de Filadélfia, nos Estados Unidos, tornando-se a primeira criança a ter o seu sistema imunitário manipulado de forma a ser capaz de lutar contra o cancro — imunoteapia. O tratamento era, na altura, puramente experimental, mas a única esperança para Emily Whitehead se tentar curar. Atualmente, o tratamento também já demonstrou ser eficaz no tratamento de linfoma não-Hodgkin.

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Para o tratamento, é retirada uma amostra de sangue e escolhidas as células T — um tipo de glóbulos brancos responsáveis pela resposta imunitária. Estas células são depois manipuladas: é-lhes adicionado um gene que vai reconhecer e ligar-se às células cancerígenas. Estas células modificadas, agora chamadas de células T CAR, são novamente introduzidas na corrente sanguínea do doente. Quando as células T CAR detetam as células tumorais, destroem-nas.

O processo de tratamento do cancro foi tão bem sucedido que a leucemia está em remissão desde maio de 2012, ou seja, desde essa data, há mais de cinco anos, que a menina não apresenta sinais do cancro. Mas este tratamento foi uma rosa com espinhos. Os médicos avisaram os pais que Emily poderia ter alguns sintomas semelhantes aos de uma gripe, mas não imaginaram que ela tivesse um conjunto de sintomas tão severo como a síndrome de libertação de citocinas.

Os sintomas associados a esta síndrome incluem febres altas, náuseas, dores musculares e podem requerer o internamento nos cuidados intensivos. Se a menina não tivesse sido tratada a tempo, poderia não ter sobrevivido a este efeito secundário adverso. Esta síndrome continua a ser um dos efeitos secundários mais severos do tratamento, juntamente com problemas neurológicos, infeções ou baixa contagem no hemograma. É por isso que os investigadores procuram formas mais seguras e menos tóxicas da utilização destas células T CAR. Outro dos problemas que preocupa quem trabalha na área é a possibilidade de aparecimento de resistência ao tratamento.

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Mas cinco anos depois, porque é que Emily Whitehead aparece na lista da Nature? De certa forma, a menina que se curou da leucemia com imunoterapia, ajudou a que o tratamento fosse aprovado pela FDA (agência norte-americana do medicamento) para ser usado noutras crianças com o mesmo problema.

Em julho deste ano, um painel de especialistas que emite pareceres para a FDA foi unânime na aprovação de um tratamento contra o cancro que usa células T modificadas, conforme noticiou a Nature News. Para o painel, os benefícios ultrapassam os riscos — ainda que 47% dos doentes, que tinham feito parte de um dos ensaio clínicos do medicamento da Novartis, tenham sofrido da síndrome de libertação de citocinas.

O painel pode ter-se deixado levar não só pelo resultado dos ensaios clínicos, que aparece como uma solução para quem viu todos os outros tratamentos falharem, mas também pelo testemunho emocionado da família Whitehead. Tom Whitehead apelava aos especialistas para que aprovassem o medicamento, quando a filha se levantou e lhe agarrou o braço. “Achei que podia ajudá-lo se ficasse ao lado dele”, disse Emily. O pai começou a chorar, a audiência ficou emocionada e o medicamento foi aprovado.

Marica Branchesi e as ondas gravitacionais

Na escolha das pessoas ou avanços científicos mais importantes de 2017, as ondas gravitacionais não poderiam ficar de fora. A descoberta das ondas gravitacionais resultantes da colisão de dois buracos negros, em 2015 (divulgada em 2016), valeram o prémio Nobel da Física 2017 a três investigadores que contribuíram para a observação. Já este ano, foram detetadas ondas gravitacionais com origem na colisão de duas estrelas de neutrões.

A astrónoma Marica Branchesi foi escolhida pela Nature por ter servido de ponte entre dois grupos que à partida que não encontrariam pontos de contacto: astrónomos e físicos. Enquanto embaixadora da comunidade de astrónomos na colaboração LIGO/Virgo, que detetou as onda gravitacionais, Marica Branchesi percebeu que teria de encorajar os físicos a divulgar alertas sobre potenciais eventos, mesmo que não tivessem a certeza absoluta do que seria, e convencer os astrónomos a ouvir o que os físicos tinham a dizer.

O sucesso deste trabalho foi revelado com a deteção das ondas gravitacionais originadas pela colisão das estrelas de neutrões. Assim que o evento foi detetado pela colaboração LIGO, no dia 17 de agosto, todos os telescópios do mundo se viraram para a origem do fenómeno à procura do que poderia ser. O resultado foram dezenas de artigos científicos de cerca de 70 equipas de investigadores.

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David Liu e a edição genética

A capacidade para editar os genes e corrigir defeitos e mutações genéticas apresenta um enorme potencial no tratamento de doenças, ao mesmo tempo que levanta uma série de questões éticas e práticas. Como garantir que as alterações acontecem apenas onde foi feita a manipulação e que a alteração dá o resultado esperado?

A técnica CRISPR é um sistema de “corta e cose” de elevada precisão e tem sido usada para identificar e editar porções específicas de ADN. À medida que a técnica é melhorada, a capacidade de alterar os genes “letra a letra” — ou base a base (as peças que compõe o ADN) — tem vistos avanços consideráveis.

O biólogo David Liu, investigador no Instituto Broad de Cambridge, nos Estados Unidos, destacou-se porque criou uma proteína em laboratório capaz de fazer esta mudança letra a letra. Não só esta proteína é capaz de alterar bases de uma forma que nenhuma outra proteína até ao momento tinha conseguido, como é uma proteína totalmente nova, inexistente na natureza.

Jennifer Byrn e os artigos fraudulentos

Nem só de boas notícias vive a investigação em genética ou a investigação em geral. Talvez não seja preciso ir tão longe como John Ioannidis, professor na Universidade de Stanford, que afirmou num artigo que a maior parte dos resultados de investigação são falsos, mas é certo que há muitos artigos científicos que têm erros, falhas graves ou são mesmo fraudulentos.

Jennifer Byrne, investigadora em genética do cancro no Hospital Pediátrico de Westmead, em Sydney (Austrália), tem-se dedicado a procurar artigos fraudulentos na sua área de especialidade. Até agora já identificou dezenas de artigos com erros nas sequências de ADN, a maior parte deles com gráficos de fraca qualidade ou com pedaços de textos que são cópias integrais de outros artigos.

Tudo começou quando Jennifer Byrne descobriu que cinco artigos, que faziam referência a um gene raro, tinham erros. A investigadora já tinha trabalhado com este gene e percebeu que a sequência de ADN que os autores indicavam na experiência não era a correta. Quatro destes artigos já foram retirados (despublicados) por causa dos erros identificados.

Mas a investigadora quis ir mais longe e em parceria com Cyril Labbé, um cientista computacional na Universidade de Grenoble (França), criaram um programa — Seek & Blastn — que ajuda a identificar, de forma automática, problemas deste tipo.

Pan Jianwei e a comunicação quântica de longo alcance

E se houvesse uma forma de comunicar que nem o mais habilidoso hacker conseguisse intercetar? A resposta parece estar na comunicação quântica. Se um hacker tentar ler a mensagem enviada vai perturbar o estado quântico dos fotões e é apanhado a tentar fazê-lo. Esta pode vir a tornar-se a forma mais segura de comunicar em todo o mundo.

Pan Jianwei, investigador na Universidade de Ciência e Tecnologia da China, em Hefei, tem sido a força motriz do desenvolvimento desta tecnologia no país. Pan Jianwei tem aproveitado as leis quânticas para criar uma forma de transmitir informação de forma segura. Este ano bateu o recorde do teletransporte quântico quando transmitiu o estado quântico de um fotão na Terra para um fotão num satélite em órbita a 1.400 quilómetros.

O “pai do quantum”, como é chamado na China, está bem encaminhado no desenvolvimento da internet quântica, com uma rede de satélites e bases na Terra que poderiam partilhar informação quântica em todo o planeta. Estas comunicações de longa distância têm ainda outro potencial: combinar a informação de vários detetores e criar um telescópio de resolução muito alta.

Khaled Touka e o sincrotrão do Médio Oriente

Os grandes projetos em Ciência requerem a colaboração de vários países, como acontece com o CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear) — com 22 estados-membros e quatro membros associados. O caso do SESAME (Sincrotrão para Ciências Experimentais e Aplicações no Médio Oriente) é equivalente, exceto na combinação improvável de países parceiros: Israel, Turquia, Autoridade Palestiniana, Chipre, Egipto, Irão, Jordânia e Paquistão.

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O sincrotrão do SESAME faz circular eletrões de elevada energia num anel de 133 metros. A radiação criada permite ver ao pormenor moléculas, artefactos e um cem número de outros objetos.

Nature

Se a Ciência e os cientistas têm conseguido conviver sem conflitos de maior, especialmente quando fazem parte destes projetos e grupos de investigação multinacionais, o mesmo não se pode dizer dos países de origem dos investigadores. O papel de Khaled Touka para manter os ânimos calmos entre todas as delegações, apesar dos conflitos políticos entre as partes, garantiram que o sincrotrão pudesse finalmente abrir as portas ao fim de 20 anos de desenvolvimento. 20 anos em que Khaled Touka desempenhou as funções de diretor e conciliador de forma voluntária.

Lassina Zerbo e a ameaça nuclear

Até 2015, o Irão era uma das principais preocupações em relação ao potencial nuclear, mas este ano o destaque vai para os testes realizados pela Coreia do Norte. Se, por um lado, Kim Jong-un tem o desejo de mostrar o poder do país contra os seus rivais, incluindo a vizinha Coreia do Sul, por outro, estas demonstrações de poder bélico têm sido alimentadas pelo crescente conflito com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Tirando as situações protagonizadas pela Coreia do Norte, não se assistiam a testes nucleares há quase 20 anos. A maioria dos países parece continuar a defender a não-proliferação do nuclear, mas, perante as ameaças mundiais, é difícil prever até que ponto os países vão manter esta posição.

Lassina Zerbo é um defensor incansável do fim do armamento nuclear. O geofísico é secretário executivo da Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares — Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty Organization — desde 2013, mas está ligado à organização desde 2004. Neste momento, um dos seus principais focos é a ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, que criou a organização, mas que nunca foi realmente posto em prática. Grande parte do bloqueio a este tratado têm sido feito pela China e Estados Unidos.

Víctor Cruz-Atienza e o sismo no México

A 19 de setembro de 1985, um sismo de magnitude 8,0, na escala de Richter foi registado na Cidade do México. Estima-se que tenham morrido 30 mil pessoas, que 412 edifícios se tenham desmoronado e que mais de três mil tenham ficado danificados. Exatamente 32 anos depois, a Cidade do México voltou a ser alvo de um forte sismo – 7,1 na escala de Richter. Desta vez, o número de mortos foi muito inferior — 219 só na Cidade do México — e colapsaram 38 edifícios.

Víctor Cruz-Atienza tinha 11 anos aquando do sismo de 1985 e vivia na Cidade do México. Este ano estava numa conferência no Maine, Estados Unidos, mas arranjou maneira de voltar à cidade natal no dia seguinte. As suas previsões estavam corretas: os sedimentos menos consolidados da antiga bacia, onde está assente a cidade, tinham mantido a trepidação por muito mais tempo.

O que viveu quando tinha 11 anos marcou Víctor Cruz-Atienza para sempre. Acabou por se formar como geofísico e mais tarde especializar-se nos fenómenos físicos relacionados com as ruturas das falhas geológicas. Em 2016, enquanto diretor do Departamento de Sismologia do Instituto de Geofísica na Universidade Nacional Autónoma do México, escreveu um artigo científico em que descrevia como é que a energia de um sismo se iria repercutir na antiga bacia, que partes abanariam mais e quais abanariam por mais tempo. No fundo, fez uma previsão daquilo que veio a acontecer.

Sismo de magnitude 7.1 atinge o México e faz mais de 200 mortos

Ann Olivarius e os casos de assédio sexual

Os casos de assédio sexual na indústria do cinema e televisão têm dominado os media e a hashtag #MeToo as redes sociais. Para a advogada Ann Olivarius isto significou aumentar em 20% o pessoal do gabinete, em Maidenhea (Reino Unido) para conseguir dar resposta a todas as mulheres que ligavam para lá.

Ann Olivarius luta contra o assédio sexual desde os tempos de faculdade, nos anos 1970. Na altura estudava na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e ao saber que havia professores a assediar e até violar estudantes processou a universidade ao abrigo da lei federal que determinava a igualdade de género no recinto universitário. Perdeu os processos individuais, mas conseguiu que o tribunal reconhecesse que o assédio sexual nas universidades é de facto uma discriminação de sexo na educação.

Já formada, trabalhou para empresas como a Goldman Sachs. Mas quando conseguiu juntar dinheiro suficiente criou um projeto para combater o abuso sexual de crianças. Em 1996, criou uma firma de advogados que tem representado vítimas de assédio sexual na academia, incluindo a Universidade de Yale, a Universidade de Rochester, em Nova Iorque, e a Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Scott Pruitt e a Agência de Proteção do Ambiente

Entre investigadores e pessoas fora do meio académico, a Nature escolheu nove pessoas com um contributo positivo para a Ciência. Mas a décima personalidade foi escolhida pelo pior dos motivos. O trabalho que tem feito e as decisões que tem tomado vão contribuir para problemas ambientais graves e para perda da qualidade de vida das populações a médio e longo prazo.

A postura anti-Ciência e o negacionismo das alterações climáticas é comum na administração Trump, mas a Nature escolheu como pessoa relevante em 2017 Scott Pruitt, atual diretor da Agência de Proteção do Ambiente (EPA), nos Estados Unidos.

Desde que tomou posse em fevereiro, já bloqueou ou revogou uma série de regras ambientais relacionadas com emissões de poluentes, extração mineira e resíduos tóxicos. Em outubro, proibiu todos os investigadores que recebem bolsas de investigação da EPA de fazerem parte dos conselhos consultivos, alegando conflitos de interesse. Os lugares que ficaram vagos nestes conselhos consultivos foram preenchidos com pessoas ligadas à indústria.

E o futuro não se apresenta melhor para a agência ou para o ambiente. A administração propôs cortar 40% do orçamento dado ao gabinete de investigação e desenvolvimento da EPA, o que na prática significa despedir quase todos os cientistas.