Oitenta e um deputados britânicos assinaram até agora uma moção parlamentar em que expressam preocupação com o risco de “fundos abutres” que possuem títulos de dívida moçambicana explorarem a situação financeira do país. A moção, apresentada em 11 de julho por seis deputados de diferentes partidos com representação parlamentar, foi reforçada por colegas ao longo dos últimos cinco meses, com exceção de deputados do partido Conservador, atualmente no poder.

A iniciativa parlamentar, que serve para chamar a atenção para um tema em particular, mas que não obriga à sua discussão em plenário, faz referência aos empréstimos feitos alegadamente de forma irregular por bancos com sede em Londres a empresas públicas moçambicanas. A moção “solicita medidas para garantir que todos os empréstimos concedidos pela lei britânica aos governos ou com garantias governamentais sejam divulgados publicamente no momento em que são feitos e respeitem a lei do país em questão”.

Pede ainda um reforço das provisões na lei de Redução de Dívida [Debt Relief] de 2010 para os países em desenvolvimento “para garantir que os ‘fundos do abutre’ não possam ignorar a reestruturação da dívida acordada na caça a grandes lucros nos tribunais do Reino Unido”.

Em causa estão empréstimos feitos pelas filiais britânicas dos bancos suíço Credit Suisse e do russo VTB Capital no valor de cerca de dois mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) a empresas de capital público moçambicanas, alegadamente para barcos de pesca do atum e para equipamento e serviços de segurança marítima.

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Um relatório independente produzido pela consultora Kroll descobriu que os empréstimos não respeitaram os procedimentos legais necessários para a atribuição de garantias financeiras governamentais, nomeadamente a aprovação no parlamento. No documento, é ainda revelado que 500 milhões de dólares (423 milhões de euros) terão sido aplicados em material militar, alimentando inconsistências sobre o destino do dinheiro, e que empresas às quais foram atribuídos os empréstimos nunca tinham produzido receitas.

O ministro para o Comércio Internacional britânico, Liam Fox, afirmou à Lusa em setembro, no final de uma visita a Moçambique, que o Governo estaria disposto a ajudar as autoridades moçambicanas. “Se nos pedirem ajuda, estaremos sempre disponíveis”, disse.

O ministério dos Negócios Estrangeiros britânico não deu resposta à Lusa sobre se estava em contacto com as autoridades moçambicanas e a entidade supervisora do setor financeiro (Financial Conduct Authority) recusou confirmar a existência de uma investigação à conduta dos dois bancos.

A organização Jubilee Debt Campaign, que advoga o cancelamento de dívidas dos países em desenvolvimento, defende que os empréstimos e as dívidas sejam declarados ilegais porque não respeitaram os procedimentos legais em Moçambique e que os responsáveis moçambicanos devem ser responsabilizados.

Um dos responsáveis da organização não-governamental, Tim Jones, afirma que existem dúvidas sobre a identidade dos investidores que adquiriram as dívidas, mas alguns investidores incluem fundos de investimento que podem ser considerados “fundos abutre”. Estes caracterizam-se por comprarem dívidas por pouco dinheiro e por não participarem na reestruturação para depois abrirem procedimentos legais para exigir o pagamento da totalidade da dívida.

“Os credores devem aceitar que não devem ser pagos e, se acham que foram enganados, devem pedir indemnização ao Crédit Suisse e ao VTB, e não aos moçambicanos”, argumenta Jones. Do Governo britânico, vincou, aguardam “nova regulamentação para assegurar que empréstimos concedidos por instituições britânicas sob a lei britânica respeitem a transparência”.