Depois de um verão que se prolongou muito para além dos meses convencionais dessa estação do ano, os dias frios característicos do outono e do inverno parecem, finalmente, ter vindo para ficar. Só que com eles não vêm só os chás quentes, os casacos polares e os edredons. Chega também o tempo mais propício para as infeções respiratórias e não tarda começamos a ouvir com frequência o “acho que estou a chocar uma gripe” ou o “vou ficar de molho”.

Contudo, é necessário saber distinguir uma gripe de uma simples constipação. Filipe Froes, pneumologista no Hospital Pulido Valente e consultor da Direção-Geral da Saúde (DGS), explica que tanto a gripe, como a constipação são infeções respiratórias que podem atingir qualquer pessoa, mas por trás de cada uma delas há origens, sintomas e potenciais complicações muito diferentes. “A gripe é uma infeção respiratória causada por um único agente, o vírus influenza”, enquanto a constipação pode ser causada “por um conjunto de microrganismos inespecíficos”, como o adenovírus, o coronavírus ou o rinovírus.

Ambos os quadros infeciosos afetam as vias aéreas superiores – a laringe, a faringe, as fossas nasais – e desenvolvem sintomas que, de facto, podem ser confusos no momento de fazer o diagnóstico. Tosse, dor de cabeça, obstrução nasal e espirros são queixas comuns tanto na gripe, como nas constipações, a diferença está na intensidade e duração destes sintomas. Filipe Froes diz também que há um “truque” para distinguir entre os quadros de gripe e os de uma simples constipação, pois “a febre, sobretudo a febre mais alta, as dores no corpo, conhecidas como mialgias, e a fadiga são características da gripe” e não costumam estar associados às vulgares constipações.

Nas constipações, e também para a grande maioria dos casos de gripe, o tratamento passa por medidas simples de controlo da sintomatologia. Já lá diz o velho ditado: “Avinha-te, abifa-te e abafa-te”. Proteger-se contra o frio – sobretudo as extremidades com luvas, meias, cachecóis e gorros – ingerir bebidas quentes, se possível passar uns dias em repouso e, no caso de sentir um desconforto maior ou de ter febre, recorrer aos medicamentos antipiréticos para atenuar os sintomas. E claro, não esquecer de tossir ou espirrar para um lenço de papel ou para o antebraço e evitar ambientes de grande concentração de pessoas já que o risco de contágio é muito elevado.

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De reforçar que os antibióticos são totalmente ineficazes no tratamento de infeções por vírus e, por isso, desaconselhados para o tratamento de gripes e constipações. Perante qualquer dúvida é sempre melhor contactar o médico de família, o farmacêutico ou ligar para a linha SNS 24 pelo número 808 24 24 24.

Normalmente, uma constipação pode demorar até sete dias a passar, enquanto para recuperar de uma gripe são necessárias cerca de duas semanas até sentir que todo o mal-estar está ultrapassado. Só nos casos mais graves de gripe é necessário determinar a estirpe responsável pela infeção e recorrer aos antivíricos para debelar a doença.

É gripe ou constipação?

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Sintomas

  • Febre – Se for elevada durante 3 a 4 dias é gripe se for constipação não dá febre
  • Dor de cabeça – Se for gripe terá dores de cabeça fortes, já na constipação raramente
  • Dores no corpo – No caso de gripe são frequentes e por vezes intensas, no caso da constipação são ligeiras
  • Fadiga – Na gripe é frequente e pode durar 2 a 3 semanas, na constipação é ligeira
  • Nariz entupido – Quando há gripe por vezes pode haver nariz entupido. Quando há constipação é muito frequente
  • Garganta inflamada – Quando há gripe por vezes pode haver este sintoma. Quando há constipação é muito frequente
  • Tosse e sensação de “peso no peito” – No caso da gripe é frequente e pode gerar expectoração, na constipação normalmente é ligeira e moderada
  • Complicações – Em caso de gripe pode degenerar em pneumonia, bronquite, otite. Exacerbação/descompensação de comorbilidades, em caso extremos a morte. Na constipação ocorre congestão nasal e dor de ouvidos
  • Prevenção – Contra a gripe existe a vacinação anual, contra a constipação não existe nenhuma
  • Tratamento – Para a gripe existe medicação antivírica e para a constipação existe medicação que alivia os sintomas.

Quando o cenário se complica

Se com as constipações não há registo de complicações assinaláveis, o mesmo já não se pode dizer da gripe. A evolução da infeção por influenza acarreta algum grau de imprevisibilidade e em qualquer pessoa, até nas mais saudáveis, o quadro sintomatológico pode agravar-se. Aquilo que começou como uma gripe normal pode evoluir para doenças mais complicadas, difíceis de tratar, mais dispendiosas com recurso a fármacos e internamentos, podendo até resultar na morte do doente.

A complicação mais grave, embora seja a menos comum, reconhece Filipe Froes, é a pneumonia causada pelo próprio vírus da gripe, o influenza, a chamada pneumonia viral primária. “É raríssima, muito grave e, em muitos casos, resulta na morte do doente”, refere o pneumologista.

Mais frequente é a evolução da gripe para pneumonia bacteriana secundária. “O habitual é o vírus da gripe destruir e fragilizar os nossos mecanismos de defesa ao nível do aparelho respiratório inferior – traqueia, brônquios, pulmões – o que pode ser suficiente para algumas pessoas desenvolverem uma pneumonia bacteriana”, já que as bactérias aproveitam precisamente a fragilidade criada pelo vírus da gripe para atacar o organismo.

Outra consequência muito comum da gripe é a descompensação dos doentes crónicos. As pessoas com diabetes, insuficiência cardíaca, insuficiência renal ou hepática, doença oncológica, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) ou bronquite crónica estão mais vulneráveis ao vírus influenza e sujeitas a que a resposta inflamatória desencadeada pelo vírus, como a febre e a prostração, acabe por descompensar a doença de base.

Aliás, Filipe Froes lembra que são precisamente os doentes crónicos quem mais frequentemente enche as urgências dos hospitais nas épocas de maior prevalência da gripe, com necessidade de internamento e, não raras vezes, acabando por morrer por descompensação da doença de base ou por pneumonia bacteriana que entretanto se instalou.

As encefalites (inflamação do cérebro), as miocardites (inflamação do músculo do coração) e as pericardites (inflamação da membrana que reveste o coração) são complicações da gripe mais raras, mas também têm um elevado potencial de letalidade.

Grupos prioritários na vacinação da gripe

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  • Pessoas com mais de 65 anos
  • Grávidas
  • Doentes com sistema imunitário comprometido (transplantados ou portadores de VIH)
  • Portadores de doenças crónicas (diabetes, DPOC, patologia cardíaca, renal, hepática ou oncológica)
  • Profissionais de saúde ou prestadores de cuidados (funcionários de lares de idosos) e bombeiros.

Conselho: Prevenir, prevenir, prevenir

Recordamos que a vacinação é a medida mais eficaz de prevenção.

Atendendo ao risco elevado de descompensação da doença de base, os doentes crónicos fazem parte dos grupos prioritários nas recomendações anuais de vacinação (ver caixa). Algumas pessoas – como os diabéticos, os doentes em diálise e em quimioterapia, os doentes transplantados e a aguardar transplante ou com doença neurológica que comprometa a função respiratória – têm a vacina cedida gratuitamente pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Essa gratuitidade é estendida às pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, a residentes ou internados em instituições e aos profissionais de saúde e bombeiros.

Filipe Froes reforça que “a vacinação é a forma mais eficaz de prevenir a gripe e as suas complicações” que podem surgir e, nesse sentido, a gratuitidade nestes grupos mais fragilizados pretende “aumentar a taxa de cobertura vacinal na população em maior risco de contrair a doença e com risco acrescentado de ter as formas mais graves da gripe por descompensação da doença de base”.

Contudo, não são só os grupos mais fragilizados a beneficiar da vacinação que também está disponível para o resto da população. Porque qualquer pessoa está em risco de contrair gripe e desenvolver complicações, ao vacinar-se está a proteger-se a si próprio da doença e das suas consequências mais graves, e a estender esta proteção à sua família e a todos que consigo convivem, inclusive os grupos considerados de risco.

O pneumologista dá, inclusive, o exemplo de uma experiência realizada recentemente no Reino Unido, em que se vacinaram as crianças até à idade escolar. Como os mais pequenos são importantes vetores de transmissão da infeção na comunidade, sobretudo com os avós, ao vaciná-los contra a gripe os serviços de saúde britânicos pretendiam diminuir a carga da doença na população mais fragilizada. O resultado?

“O número de consultas dos idosos na época gripal diminuiu significativamente”, frisa Filipe Froes, reconhecendo o “impacto enorme” que a medida teve não só na diminuição do número de casos de gripe e de complicações entre a população mais idosa, mas também na diminuição dos custos com o tratamento e internamento dos casos mais graves.

Em resumo, a vacinação contra a gripe é a principal medida de prevenção contra o vírus influenza, cria imunidade na comunidade, contribui para a diminuição dos custos com tratamentos e internamentos e reduz o absentismo no trabalho.

São precisamente estes dados que levaram Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, durante a sessão de apresentação do Plano Saúde Sazonal: Inverno & Saúde, em novembro, a reforçar o apelo à população, com uma mensagem clara: “Vacinar, vacinar, vacinar”.

Até porque o alerta está lançado: este pode ser um ano de atividade gripal intensa.

Filipe Froes explica que no congresso sobre a gripe que ocorreu em setembro passado em Riga, na Letónia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou avisos para a possibilidade de este ano a atividade gripal no hemisfério norte “ser mais intensa, com maior taxa de complicações, maiores taxas de internamento, maior morbilidade e maior mortalidade”, tal como aconteceu no hemisfério sul.

Números da vacinação (até 28 de novembro)

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  • Desde outubro, foram administradas 1,2 milhões de vacinas pelo SNS
  • Restam 200 mil doses disponíveis no SNS para os grupos de risco
  • Para a população em geral há cerca 600 mil vacinas à venda nas farmácias

O aviso surge porque a estirpe do vírus que se espera ser a de maior circulação seja o H3N2, mais propenso a provocar casos graves de infeção e a atingir preferencialmente os grupos etários mais idosos.

Daí que, diz Filipe Froes, “sem criar pânico”, a OMS deixou alertas às entidades nacionais presentes para “estarem atentas e se prepararem melhor”, com o aumento das taxas de cobertura vacinal e a preparação de planos de contingência adaptados a esta realidade.